Yûki e Ethan: romance proibido no frio.
Prestes a dirigir a versão cinematográfica do sucesso literário juvenil Fallen, da escritora Lauren Kate, o cineasta australiano Scott Hicks parece cada vez mais distante do celebrado diretor de Shine (1996), elogiada produção independente que concorreu a sete Oscars e premiou Geoffrey Rush na categoria de melhor ator. Com toda a projeção alcançada com Shine, o diretor poderia bancar o projeto que quisesse e optou por adaptar o romance Neve Sobre Cedros de David Guterson. O resultado dividiu opiniões e já dava sinais de que perante Hollywood, a busca por uma cinematografia mais autoral do cineasta começava a apresentar fissuras. É verdade que Neve Sobre Cedros tem elementos que ainda hoje enchem os olhos do público: as belas paisagens, a fotografia belíssima (cortesia de Robert Richarson, que pelo serviço recebeu sua quarta indicação ao Oscar) e uma trama cheia de boas intenções. O problema é que Hicks tropeça em sua pretensão. A trama gira em torno de um julgamento na década de 1950, que é afetado pelo preconceito que os japoneses sofriam nos EUA durante o período. É interessante que a história aborde um tema tão pouco abordado, como o fato dos japoneses não poderem comprar terras americanas, ou, em determinado período serem enviados para campos de concentração na Terra do Tio Sam. O diretor apresenta um bocado de coragem por cutucar essa ferida, além de mostrar que o fantasma de Pearl Harbour assombrava imigrantes que lutaram na Segunda Guerra Mundial por um país que os enxergava com maus olhos (sem falar na bomba atômica usada contra o Japão durante o período). Um desses que lutaram na guerra contra o nazismo foi Kazuo Miyamoto (Rick Yune). A vida de Kazuo é mostrada sempre relacionada a Carl Heine Jr (Eric Thal). Os dois cresceram juntos, as famílias eram próximas e chegaram a negociar terras, mas um conjunto de acontecimentos atrapalhou essa relação de amizade. Portanto, quando Carl Heine é encontrado morto no mar, Kazuo é considerado o principal suspeito. Enquanto todas as provas parecem indicar que Kazuo é realmente um assassino, conhecemos a história dos personagens em inúmeros flashbacks. É quando um personagem coadjuvante começa a ganhar destaque na história. Ishmael Chambers (Ethan Hawke) é o calado filho de um jornalista local, que teve, na infância, um romance proibido com Hatsue (Yûki Kudô). O preconceito é um forte elemento no passado dos personagens e o julgamento parece tratar mais sobre isso do que o crime em si. Em determinada cena um dos personagens diz que um julgamento nunca é sobre os fatos e a verdade, existem outras coisas que aparecem e influenciam na sentença. Portanto, mais do que o duelo travado pelo advogado de defesa (Max Von Sydow, excelente) no tribunal, existe um outro julgamento corroendo a mente de Chambers, que pode provar a inocência de Kazuo, se conseguir exorcizar seus próprios fantasmas do passado. Misturando as histórias de Hatsue, Ishmael, Kazuo e Carl o diretor consegue filmar as memórias dos personagens com grande beleza, num conjuntos de cenas aleatórias que aos poucos montam um painel sobre os elementos que aparecem nas entrelinhas do julgamento - essas cenas me lembraram bastante o que Terrence Mallick costuma fazer em seus longas. Romances, injustiças, preconceitos, rancores e fraquezas se misturam a todo instante e torna o filme interessante para o espectador, ainda que a pretensão de Hicks apareça em uma mão pesada que amarra as emoções de seu eficiente elenco. Assim, o romance entre Ishmael e Hatsue não decola, o que compromete a alma do filme. Os personagens despertam apenas simpatia e nada mais numa trama que caminha cada vez mais para um desfecho previsível. Mas isso não faz de Neve Sobre Cedros um filme ruim, pelo contrário é muito bem produzido, mas lhe falta algo de arrebatador, algo que o mantenha na memória sempre ressaltada pelo próprio filme.
Neve Sobre Cedros (Snow Falling on Cedars/EUA-1999) de Scott Hicks com Ethan Hawke, Max Von Sydow, James Cromwell, Richard Jenkins e Yûki Kudô. ☻☻☻
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