Os manos: tabus e verniz de crítica social.
Recentemente vi esse filme de terror mexicano e não fazia a mínima ideia que iria estrear a versão americana nessa sexta-feira nos cinemas brasileiros. Da versão americana realizada pelo diretor Jim Mickle eu só vi o trailer e pude perceber algumas diferenças (a atmosfera mais policial, a mudança do sexo dos personagens e a ausência de crítica social presente no original), fiquei curioso, mas vale a pena conferir o original antes de encarar o remake. O canibalismo é um tema que se bem aproveitado pode gerar bons arrepios (Silêncio dos Inocentes/1991) ou apenas nojo (Hannibal/2001), mas a ideia do diretor Jorge Michel Grau era mesclar o tabu com doses de drama sobre uma família aparentemente comum. Quando o patriarca da família morre de forma misteriosa, a esposa e os três filhos ficam preocupados com o rumo que a família deve tomar. De início pensamos que trata-se do medo de como a família terá que lidar com a ausência de quem promove o sustento da casa, mas a situação é bem mais complicada. A mãe vive reclamando do envolvimento do falecido com prostitutas e os filhos vivem em conflito pela responsabilidade que agora devem abraçar. Demora um pouco para que nos demos conta de que os receios da família residem no fato de que estamos diante de uma família de canibais, sendo adeptos de um tipo de ritual onde precisam colocar a carne humana na mesa. Com a morte do pai, a responsabilidade parece cair sobre os ombros hesitantes de Alfredo (Francisco Barreiro), que precisa lidar com a histeria do luto da mãe, com a intransigência da irmã (Adrián Aguirre) e a agressividade do irmão caçula (Alan Chavéz). As discussões para o novo arranjo dos papéis dentro da casa são constantes e a tendência é piorar quando a comida torna-se escassa. Além do horror que cresce sutilmente, não é por acaso que o roteiro escolhe o menu da família. Prostitutas, crianças de rua e homossexuais aparecem como as alternativas ideais para que a família não levante suspeitas das autoridades (chega a ser cômica a cena dos policiais conversando com os legistas não se interessam nem um pouco pelo que anda acontecendo na vizinhança). Além desse verniz social, o cardápio dos personagens ainda revela um bocado sobre os desejos de seus personagens, especialmente de Alfredo que sabe da impossibilidade de satisfazer seu real apetite quando precisa ser o macho provedor da família. A revelação de suas preferências irá comprometer a tradição da família. Essas incompatibilidades entre as tradições e os anseios de cada membro da família torna a história mais interessante. Vale ressaltar a habilidade com que o filme consegue mais sugerir do que expor suas feridas durante a sessão - até o inevitável momento em que o desespero domina seus personagens. Sua parte final é de perder o fôlego e seu desfecho consegue ser ainda mais arrepiante com o auxílio da excelente trilha sonora de Enrico Chapela. Dramático, denso e nada indigesto, Somos o Que Somos é um dos filmes de horror mais inventivos dos últimos anos.
Somos o Que Somos (Somos Lo Que Hay/México-2010) de Jorge Michel Grau com Francisco Barreiro, Adrián Aguirre, Miriam Balderas, Alan Chávez e Daniel Giménez Cacho. ☻☻☻☻
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