Shirley e Black: a megera e o queridinho da cidade.
Não sou grande fã do diretor Richard Linklater, mas gosto muito quando ele investe em comédias espertas, principalmente se for ao lado de Jack Black. Jack também é outro, geralmente seu estilo de atuar soa exagerado e parece mais cansativo do que engraçado, mas ao lado do diretor seu estilo casa perfeitamente com os personagens que lhe são oferecidos. Foi assim com Escola de Rock/2003 onde ensinava um grupo de guris o efeito moral que o bom e velho rock'n roll é capaz de provocar. Com esse Quase um Anjo a química entre ator e diretor funciona mais uma vez numa história completamente diferente. Além disso, mais uma vez, a pecha de "baseado numa história real" serve para afastar o descrédito da história em torno do polêmico Bernie Tiede, um sujeito que trabalhava preparando os mortos para o funeral, envolvia-se em eventos religiosos, obituários em programas de rádio, eventos comunitários e tornou-se muito querido por todos na pequena cidade de Carthage, no Texas. Conhecido por ser uma pessoa agradável e prestativa, Bernie tem sua personalidade esmiuçada pelos vários personagens que prestam seus depoimentos para a câmera, numa estética documental que permanece até quando o personagem encontra sua antítese pelo caminho, a rabugenta Marjorie Nugent (a grande Shirley MacLaine). Marjorie ganhava a vida atrapalhando os pedidos de empréstimo que seu marido recebia - por essa e por outras mesquinharias era a pessoa mais odiada da cidade (tanto que em um dos depoimentos uma personagem diz que conhecia gente que a mataria por cinco dólares!). Odiada até pelos parentes (que chegaram a processá-la), a vida de Marjorie muda quando o esposo morre e Bernie cruza-lhe o caminho. A medida que cresce a afinidade entre os dois, Marjorie parece menos amiga e mais proprietária de Bernie. Aos poucos ele ocupa todos os cargos da criadagem da casa e os depoimentos deixam bem claro que não há nada de sexual entre o relacionamento dos dois., mas um caso de interdependência. Conforme Marjorie torna-se mais megera e possessiva, Bernie (um sujeito incapaz de brigar com alguém) tem um surto e acarreta um dos julgamentos mais interessantes dos EUA, já que, querido por toda a cidade, as pessoas não acreditavam que ele havia cometido um crime (mesmo ele tendo confessado sem grandes pressões). Talvez, se não aparecesse em seu caminho um promotor louco para se promover (vivido por Matthew McConaghey com todos os trejeitos que só um texano legítimo é capaz de reproduzir) as coisas tivessem outro desfecho. Linklater constrói uma narrativa brilhante dentro da proposta que oferece ao público, desenvolve a trama calmamente, revelando as nuances dos personagens numa envolvente atmosfera de humor negro (onde um bocado de pré-conceitos serão importantes para o desfecho). Se MacLaine de expressão quase única já funciona, sua química com Jack Black (com seu estilo quase infantil) alcança ótimos momentos no contraste entre os dois personagens tão diferentes. As cenas de Bernie desesperado, mostram o quanto Black está imerso no personagem (ele foi indicado ao Globo de Ouro pelo papel) e ajuda o filme em sua ambiguidade quase cínica sobre a forma como somos tendenciosos em nossos julgamentos.
Quase um Anjo (Bernie/EUA-2012) de Richard Linklater com Jack Black, Shirley MacLaine, Matthew McConaghey e Richard Robichaux. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário