O Segredo dos Seus Olhos: obra-prima do cinema argentino.
Em 2010 o Brasil tentava uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro com esquecível Salve Geral/2009 de Sérgio Rezende, no páreo pelas vagas estavam dois pesos pesados lançados no Festival de Cannes: A Fita Branca de Michael Haneke (que ganhou a Palma de Ouro) estava no posto de favorito, seguido de perto por O Profeta de Jacques Audiard. Ambos cravaram suas indicações, o brasileiro ficou de fora e a lista de concorrentes foi completada pelo israelense Ajami e dois filmes latino americanos, o peruano A Teta Assustada e o argentino O Segredo dos Seus Olhos. Foi um ano atípico, já que a Academia costuma consagrar somente um latino por ano entre os indicados. A rigidez de A Fita Branca continuava no posto de favorito, causando grande surpresa quando Tarantino e Almodóvar (que dupla hein?) anunciou que O Segredo dos Seus Olhos como o premiado da noite. Os prêmios e o sucesso do filme são merecidos, não apenas pela energia como o cinema argentino conta suas histórias, mas porque trata-se de um grande filme, tecnicamente impecável. Benjamin Espósito (Ricardo Darín) é um agente da Justiça Federal Argentina aposentado, para ocupar o tempo ele começa a escrever um livro baseado num caso instigante com o qual teve contato no ano de 1974. Trata-se do assassinato brutal de Liliana Calotto (Carla Quevedo) esposa do devastado Ricardo Morales (Pabrlo Rago) que permanece indignado com o rumo das investigações. Conforme revive o caso, o filme passa a ser narrado entre o passado e o presente, utilizando como verniz alguns aspectos mal resolvidos do regime ditatorial vivido pela Argentina - além de fazer Espósito revisitar alguns fantasmas do seu próprio passado, incluindo a paixão platônica que sente há anos pela promotora e amiga Irene (Soledad Villamil). Campanella constrói o suspense da história aos poucos, com uma precisão impressionante no corte (ou na ausência dele, como no magnífico plano sequência no estádio de futebol), até chega ao final tão surpreendente quanto perturbador. Repleto de qualidades, que demonstram uma forte identidade argentina, fiquei muito surpreso quando resolveram fazer uma versão americana da história (oh, não!).
Olhos da Justiça: elenco esforçado em filme decepcionante.
Todo mundo que assistiu ao filme de Campanella já sabia que a versão americana não ficaria tão interessante quanto o original, afinal, o fator surpresa não existiria. Restava apenas a esperança que Billy Ray (indicado ao Oscar pelo roteiro de Capitão Phillips/2013), fosse um diretor capaz de contar a história fugindo das obviedades como Campanella fez. Não é bem assim. Embora conte com um elenco de respeito, o filme não decola e termina de forma decepcionante. O fantasma da ditadura foi transformado no fantasma de onze de setembro, os personagens foram simplificados e a trama diluída no limite do sonífero envolvendo agentes do FBI e promotores. Agora é o agente Ray Casten (Chiwetel Ejiofor) que precisa lidar com um caso mal resolvido em seu passado, no caso, o assassinato da filha da colega de trabalho Jessica Cobb (Julia Roberts). Devido a alguns interesses da própria justiça, a investigação foi comprometida, deixando Ray com a necessidade de reparar a situação perante a amiga. Assim como o filme argentino, o filme é contado entre as relações entre o passado e o presente, enfatizando o romance mal resolvido de Ray com a amiga Claire Sloan (Nicole Kidman), mas não espere uma trama bem desenvolvida, diálogos lapidados e cenas bem contruídas, Olhos da Justiça limita-se a seguir a cartilha dos filmes policiais americanos sem muita criatividade. Essa ausência de originalidade afeta até o elenco esforçado, Chiwetel é um ótimo ator, mas aqui ele não tem muito o que fazer, parecendo apenas mais um policial esquentadinho. Julia Roberts passa a maior parte do tempo com a mesma cara, se no início seu tom amargo convence, aos poucos perde a força por não ter nuances mais interessantes paraa trabalhar, parecendo um tanto robótica durante a sessão. Para Nicole Kidman sobrou o pior, sua Claire é tão sem sal que sempre parece estar sobrando em cena (que em nada lembra as sutilezas de Soledad Villamil) - e nem espere um fiel escudeiro equivalente ao vivido por Guillermo Francella no filme argentino. Talvez por ser fã do filme original, achei tudo muito superficial e quase abandonei o filme no meio do caminho, persisti imaginando como ele trataria o final e... a decepção tornou-se maior ainda. Ray opta pela obviedade mais uma vez, deixando no ar se ele realmente entendeu o filme argentino, já que Olhos da Justiça resulta num genérico sem efeito que sucumbe à mais estranha noção de justiça da Terra do Tio Sam, onde o que era perturbador torna-se apenas perturbado. Somente a aversão do público americano a ver filmes legendados explica a sandice que foi criar esse remake.
O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos/Argentina-2009) de Juan José Campanella com Ricardo Darín, Soledad Villamil, Pablo Rago e Guillermo Francella. ☻☻☻☻
Olhos da Justiça (The Secret in Their Eyes/EUA-2015) de Billy Ray com Chiwetel Ejiofor, Julia Roberts, Nicole Kidman, Alfred Molina e Joe Cole. ☻☻
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