Cinco filmes assistidos no mês que merecem destaque:
quarta-feira, 30 de setembro de 2020
terça-feira, 29 de setembro de 2020
Ciclo Ghibli: Contos de Terramar / Memórias de Ontem / Sussurros do Coração
domingo, 27 de setembro de 2020
#FDS Leão de Ouro: O Círculo
Em 2010 o cineasta iraniano Jafar Panahi foi condenado à prisão por seis anos (depois convertida em prisão domiciliar) e a não fazer filmes por vinte anos (e cada filme que realizar somará mais seis anos em sua sentença). Seu crime? Realizar filmes que fazem propaganda negativa de seus país. Se levarmos em conta que Panahi ganhou fama mundial por fazer justamente o que recomendam que ele não faça, seria difícil imaginar que ele obedecesse. Desde que foi condenado, o diretor já realizou outros seis filmes com a ajuda de câmera digitais portáteis. Proibido de sair do país, suas obras são enviadas para distribuidores internacionais e premiados em festivais. Ainda que por vias tortas, a fama de Panahi só aumentou desde que se tornou conhecido aqui no Brasil pelo seu filme de estreia, O Balão Branco (1995). Seu filme seguinte, O Espelho (1997) também teve apelo por aqui, mas foi O Círculo (2000) que projetou seu nome mundialmente, especialmente por levar para casa o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Naquele ano estavam na disputa obras de renomados como Robert Altman (Dr. T e as Mulheres), Stephen Frears (Liam), Manoel de Oliveira (Palavra e Utopia) e novatos ousados como Clara Law (A Deusa de 1967) e João Pedro Rodrigues (O Fantasma), no entanto, o júri ficou impressionado com este retrato da realidade feminina no país do diretor. O filme segue a estrutura justamente o seu título, contando a história de várias personagens a partir de um recorte bastante específico de suas vidas ao longo de um dia. São estas histórias que nos fazem entender ainda mais a cena de abertura, onde uma mulher recebe a notícia sobre o nascimento de um bebê e ao descobrir que nasceu uma menina a tristeza é visível (ao ponto de mencionar que por não ser um menino a mulher poderá ser abandonada). A partir dali a câmera passa seguir outras mulheres que surgem diante da câmera, uma passando o protagonismo com a outra por alguns minutos. Se algumas tem problemas com a polícia, outra sofre rejeição da família, uma precisa lidar com uma gravidez indesejada, outra pretende abandonar a filha enquanto outra está prestes a ser presa por no carro de um homem que não é seu esposo. O roteiro monta um verdadeiro mosaico de histórias em que a opressão à mulher é apresentada de forma direta e crua, embora o diretor tenha grande sensibilidade ao abordar as questões apresentadas. Não há firulas no cinema de Panahi, a fotografia é granulada, a trilha sonora é inexistente, os planos são longos e os cortes precisos. Embora seja composto por histórias tristes, temos a plena noção de que são histórias reais que devem acontecer todos os dias. Se hoje vários filmes buscam retratar a opressão às mulheres e a importância da igualdade entre os gêneros, Jafar Panahi já fazia isso há vinte anos em um cenário bem mais adverso do que a maioria dos cineastas em atividade.
O Círculo (Dayereh / Irã - Itália - Suécia / 2000) de Jafar Panahi com Maryiam Palvin Almani, Nargess Mamizadeh, Mojgan Faramarzi e Monir Arab. ☻☻☻☻
sábado, 26 de setembro de 2020
#FDS Leão de Ouro: Nenhum a Menos
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
#FDS Leão de Ouro: A Infância de Ivan
No mês em que o Festival de Veneza triunfou ao realizar sua edição 2020 em meio à pandemia de Covid19, realizo um Fim de Semana especial com vencedores do prêmio máximo do Festival: o Leão de Ouro. Nos últimos anos Veneza se tornou um festival sem medo de se modernizar, premia projetos de Realidade Virtual além de não ter pudores em premiar filmes produzidos para a internet e, desde os anos 1960, já demonstrava seu gosto por ousadias. Andrei Tarkovsky deve ser o cineasta russo mais cultuado de seu tempo. Nascido em 1932, ele ainda era um iniciante quando realizou A Infância de Ivan. Embora tivesse um curta e dois média-metragens no currículo, nada parecia indicar que levaria o Leão de Ouro em 1962 (empatado com o italiano Dois Destinos de Valerio Zurlini). Era a vigésima terceira edição do festival e entre os concorrentes estavam Stanley Kubrick (com Lolita) e Pier Paolo Pasolini (por Mamma Roma), mas posso dizer que o filme de Andrei era o mais ousado de todos. Tão ousado que as autoridades da antiga União Soviética quase impediram o lançamento do filme que teve uma produção conturbada. Em 1957, o escritor Vladimir Blogomolov lançou um conto chamado Ivan, era sobre um menino que após ter os pais assassinados na Segunda Guerra Mundial se torna espião do Exército Vermelho. Ele alimenta seu patriotismo com o ódio pelos inimigos e se transforma num verdadeiro herói de guerra. A trama chamou atenção da produtora Mosfilm, que estava animada com a Palma de Ouro em Cannes conquistada com (outro filme de guerra) Quando voam as Cegonhas (1957) que se tornou um sucesso. A adaptação de Ivan começou a ser rodada em 1960, mas os produtores ficaram insatisfeitos com o rumo das filmagens e entregaram ao recém-formado Andrei Tarkovsky a tarefa de refazê-lo. Eles não imaginavam que o diretor faria mudanças bruscas na estrutura narrativa. Quando assistiram ao filme, levaram um verdadeiro susto. O filme embaralha a história de tal forma que não se sabe o que é realidade, sonho ou lembrança. O pequeno Ivan aparece então se alternando em cenas felizes ao lado de sua mãe, em outras andando pela destruição da guerra para mais à frente falar com os soldados como se fosse um verdadeiro general. Entre as luzes e sombras da bela fotografia em preto e branco, vemos recortes sobre este menino e a forma como sua vida foi afetada pela guerra. Os produtores acharam o filme incompreensível, mas Tarkovsky conseguiu defender suas intenções - embora fosse uma ousadia atenuar as cores nacionalistas para ressaltar o que a história do menino tinha de mais humana: suas perdas, seus sonhos, seus medos, tudo aparece misturado na tela. Da forma como foi montado, A Infância de Ivan deixa ainda mais latente as transformações pelas quais aquele menino atravessou (destaque para o ótimo trabalho de Nikolai Burlyaev que tinha quinze anos durante as filmagens), ressaltando a tristeza da destruição não apenas daquele menino, mas daquele país e todos que ainda hoje presenciam a realidade da guerra em suas vidas. Triste e poético, A Infância de Ivan é cultuado até hoje, especialmente pela forma moderna com que constrói a narrativa em torno do protagonista. Curioso perceber que a ideia de tempo e memória foram recorrentes nas obras do diretor, assim como no seu livro Esculpir o Tempo, que explica muito sobre sua personalidade criativa e a forma como constrói suas narrativas na telona.
A Infância de Ivan (Ivanovo detstvo / Rússia - Alemanha / 1962) de Andrei Tarkovsky com Nikolay Burlyaev, Valentin Zubkov, Evgeniy Zharikov, Stepan Krylov e Nikolay Grinko ☻☻☻☻
PL►Y: Enola Holmes
quinta-feira, 24 de setembro de 2020
NªTV: Ratched
O filme Um Estranho no Ninho (1975) de Milos Forman entrou para a história como um dos três filmes a levar para casa as cinco principais estatuetas do Oscar: filme, direção, ator (Jack Nicholson), atriz (Louise Fletcher) e roteiro (adaptado do livro de Ken Kesey) - antes o feito só fora conquistado por Aconteceu Naquela Noite (1934) de Frank Capra e posteriormente com O Silêncio dos Inocentes (1990), em 93 anos de premiação pela Academia trata-se de um feito e tanto. Além de se tornar um clássico premiado, Um Estranho no Ninho garantiu para a atriz Louise Fletcher um lugar entre os maiores vilões do cinema ao encarnar uma enfermeira de provocar arrepios por tudo que representa. Capaz das atitudes mais frias contra seus pacientes em nome da ordem local, Mildred Hatched era tão assustadora quanto enigmática, afinal, o fato de não conhecermos muito sobre sua vida pessoal a torna ainda mais inatingível. Imaginar uma história para a personagem faz parte da graça do filme, mas o roteirista Evan Romanosky junto ao produtor Ryan Murphy se encarregou de compartilhar com o público o que imaginava sobre a antológica personagem. A ideia foi comprada pela Netflix e gerou grande expectativa não apenas por revisitar uma personagem famosa, mas também por ter a talentosa Sarah Paulson no alto dos créditos vivendo a enfermeira quando jovem. Trata-se de uma grande ousadia, mas também um risco gigantesco para o programa - e os protestos na internet desde sua estreia só comprovam como mexer com Mildred Hatched, uma personagem que faz parte do imaginário cinéfilo por tanto tempo, pode ser muito perigoso. Romanosky segue a cartilha padrão para este tipo de premissa, explora a vida familiar da personagem, o início de sua carreira profissional, a forma como lida com sua sexualidade, mas está longe de fazer isso de forma discreta. Marcada por cores vibrantes, momentos macabros e até torturantes, a história de Hatched se tornou digna de uma temporada de American Horror Story também de Ryan Murphy (e talvez sua concepção tenha sido meio esta mesmo, até que se deram conta de que poderia render mais de uma temporada).
Vale ressaltar que a série tenta um equilíbrio complicado entre o sofisticado e o trash. Seus figurinos e cenários são luxuosos, mas o roteiro arma momentos tão grotescos que por vezes paira um desequilíbrio sobre o que se vê e o que se tem na história, a sorte é que o elenco não deixa o programa descambar para a vulgaridade ou o ridículo. No entanto, devo admitir, que passei a digerir melhor o programa quando imaginei que sua protagonista é a Mildred Hatched de um mundo paralelo, já que da personagem clássica sobrou quase nada. A culpa não é de Sarah Paulson (musa de Ryan Murphy), que está ótima como protagonista (mas isso não é novidade) e se sai bem nos momentos complicados com os homens que cruzam seu caminho, seja o misterioso detetive Charles Wainwright (Corey Stoll) ou o patrão Dr. Richard Hanover (Jon Jon Briones) e até o assassino Edmund Tolleson (Finn Wittrock), que por um capricho do destino (ou do roteiro) precisa ser salvo por ela. No entanto, as melhores acompanhantes de Paulson são Judy Davis (como a esperta enfemeira-chefe) e Sharon Stone (como uma milionária com sede de vingança), são elas que prendem a atenção quando a série viaja demais em suas fantasias mais bizarras. No meio de tudo isso, existem de fato elementos que se encaixam na vida de Hatched (e explicam muito do olhar furioso que Louise Flatcher destacava na personagem) só que tudo é remodelado para se encaixarem no perfil do produtor Ryan Murphy, mas existem outros tantos acrescentados para chamar atenção de quem adora tramas de terror e suspense. Em vários momentos o uso de ângulos remetem aos clássicos do gênero, assim como a trilha sonora que diversas vezes bebe nas obras de Alfred Hitchcock. Hatched deve desagradar os fãs de Um Estranho no Ninho, mas deve prender a atenção com seus traumas de infância, abusos, perversões e métodos de tratamento que mais parecem torturas. O resultado é tão carregado que soa realmente uma fantasia, na verdade um pesadelo de tão irreal - especialmente pelo último episódio que é péssimo.
Hatched (EUA - 2020) de Evan Romanosky e Ryan Murphy com Sarah Paulson, Judy Davis, Finn Wittrock, Cynthia Nixon, Jon Jon Briones, Sharon Stone, Corey Stoll, Sophie Okonedo, Amanda Plummer e Vincent D'Onofrio. ☻☻☻
FILMED+: Corpus Christi
terça-feira, 22 de setembro de 2020
10+: The Outsiders
Apontado como um clássico juvenil dos anos 1980, Vidas Sem Rumo (The Outsiders) se tornou cult por reunir vários rostos que se tornariam famosos sob a assinatura do premiado Francis Ford Coppola. Lançado em 1983 assistir ao filme hoje se torna mais emocionante se pensarmos na trajetória dos nomes em seus créditos nas décadas que se seguiram. Este 10+ é para lembrar deste grupo de artistas (em ordem alfabética) e suas carreiras nestes quase quarenta anos que se passaram:
Ponyboy (C.Thomas Howell) |
Cherry (Diane Lane) |
Two-Bit (Emilio Estevez) |
O Diretor (Francis Ford Coppola) |
Dallas (Matt Dillon) |
Darrell (Patrick Swayze) |
Johnny (Ralph Macchio) |
Sodapop (Rob Lowe) |
A menina (Sofia Coppola) |
Steve (Tom Cruise) |
KLÁSSIQO: Vidas sem Rumo
Filmes mais modestos como Vidas Sem Rumo (1983) costumam ficar esquecidos na filmografia de Francis Ford Coppola. No entanto, é mais do que compreensível que depois de todo o estresse vivido na produção da obra-prima Apocalypse Now (1979) o diretor se entregasse a produções mais simples como o incompreendido O Fundo do Coração (1981) e esta adaptação do livro de 1967 escrito por S.E. Hinton. A obra de Hinton é reconhecida como um marco na literatura juvenil e influenciou muitos escritores e cineastas ao voltar sua lente para um grupo de jovens marginalizados pela sociedade. Embora o filme tenha feito sucesso modesto na época de seu lançamento, a produção ganhou fama ao longo do tempo por ter revelado um grupo de jovens atores que seria muito falado em Hollywood (e ironicamente o protagonista é o mais esquecido nos dias de hoje). A trama é marcada pela rivalidade de dois grupos distintos, os greasers (ou "usuários de brilhantina" - e o nome não é coincidência, o clássico Nos Tempos da Brilhantina/1978 também bebe na fonte da obra de Hinton, ainda que de forma muito mais branda) e os socs. Os greasers moram na parte pobre da cidade. Tem problemas para pagar as contas, arrumar emprego e geralmente tem problemas com a polícia. Os socs são os "bem nascidos", que andam de carros caros, tem atenção das líderes de torcida, são populares e não tem problema com a falta de dinheiro. Entre estes grupos o protagonista é o greaser Ponyboy (C. Thomas Howell), rapaz que perdeu os pais num acidente e agora vive sob os cuidados do irmão mais velho, Darrell (Patrick Swayze) e do irmão vaidoso Sodapop (Rob Lowe) - e antes que você estranhe, vale mencionar que não se trata de apelidos, mas nomes de verdade. O trio se vira como pode, mas Darrell vive preocupado com o irmão caçula, especialmente por suas companhias. Embora o melhor amigo de Ponyboy seja o melancólico Johnny (Ralph Macchio), a saída de Dallas Winston (Matt Dillon) da prisão, deixa sempre o perigo da contravenção na vizinhança. Fazem parte ainda do grupo o agitado Steve Randle (Tom Cruise, que danificou o dente só para o papel) e o sereno Two-Bit (Emilio Estevez). A coisa se complica a partir de um dia no cinema Drive-In da cidade, em que Ponyboy ganha a atenção da líder de torcida Cherry (Diane Lane) e a rivalidade dos grupos resulta na pior noite de sua vida - e a morte de um personagem muda o rumo da narrativa. Coppola constrói aqui um drama adolescente com cores adultas, especialmente pelo forte comentário social das entrelinhas, assim, apresenta algumas cenas de violência, tentativas de assassinato, mortes, prisões e um julgamento no final que destoa do tom pesadão que o filme recebe em seu penúltimo ato cheio de tragédias. Com fotografia quase sem cores e montagem bem construída, o longa consegue prender a atenção, nem que seja pela curiosidade de ser os astros veteranos novinhos e cheios de vontade de ganhar o mundo. Prova de que o filme funciona é bem cuidado é a cena da briga entre os grupos rivais, um verdadeiro caos de pancadaria, mas filmado com bastante precisão com um grande grupo de atores. Não lembro de um filme que tenha juntado tantos talentos promissores e conduzi-los com tanto equilíbrio. Sem efeitos mirabolantes ou truques narrativos, Vidas Sem Rumo faz emergir a maestria do diretor em conduzir seu elenco. Curiosamente Coppola nunca havia cogitado fazer esta adaptação até que uma professora lhe enviou uma carta explicando que adoraria ver uma adaptação deste seu livro favorito.
Vidas Sem Rumo (The Outsiders / EUA - 1983) de Francis Ford Coppola com C. Thomas Howell, Matt Dillon, Ralph Macchio, Patrick Swayze, Rob Lowe, Tom Cruise, Diane Lane, Emilio Estevez, Tom Waits e Flea. ☻☻☻
domingo, 20 de setembro de 2020
§8^) Fac Simile: William Zabka
William Michael Zabka |
NªTV: Cobra Kai
A franquia Karatê kid se tornou uma das mais populares dos anos 1980 já com o primeiro filme de 1984, que se tornou um grande sucesso (custou cerca de oito milhões e rendeu mais de dez vezes este valor só nos Estados Unidos) e conquistou uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante para Sr. Miyagi Pat Morita. A ideia era simples: rapaz recém-chegado na cidade é perseguido na escola e aprende a lidar com estes problemas através de golpes de karatê. A ideia deu tão certo que rendeu outras duas sequências com o mocinho Daniel Larusso (Ralph Macchio) e um quarto episódio (em 1994) em que a protagonista era uma garota. Apesar da tentativa de renovar a franquia ter chamado atenção (principalmente por ser um dos primeiros trabalhos de Hilary Swank no cinema), não foi o suficiente para que se animassem a fazer uma nova trilogia. Em 2010, o astro Will Smith comprou os direitos da franquia e tentou dar novo fôlego para a história escalando Jack Chan para ensinar Kung Fu (!!!) para uma criança (no caso o filho de Will, Jaden Smith). Não funcionou, mas pelo menos serviu para que Will percebesse como os fãs eram fiéis ao original. Foi assim que Will investiu na criação de uma série sobre aqueles personagens revisitados muitos anos depois. Restava convencer Ralph Macchio para retornar ao personagem que sempre hesitou de revisitar nas últimas décadas, só que ninguém esperava que a graça estava na outra ponta da história: o valentão Johny Lawrence (William Zabka). Johnny foi alçado ao posto de protagonista na série criada pelo Youtube Premium e que chegou recentemente à Netflix - que está disposta a bancar a terceira temporada do programa. Para além das nostalgia, a série tem outros méritos, agora Daniel se tornou um empresário bem sucedido no ramo de automóveis, casado e com um casal de filhos, enquanto Johnny não teve muita sorte, trabalhando apenas quando aparece serviço, divorciado e com um filho que não tem muito contato. Ele ainda guarda rancores de Daniel Larusso, mas um acidente os colocarão novamente frente a frente e, para piorar, Johnny resolve reabrir o Dojo Cobra Kai e treinar um novo grupo de adolescentes com base em seus princípios. É neste ponto que a série cria sua guinada e apresenta outras nuances destes velhos conhecidos - o que acabou levantando divagações na internet sobre quem é o vilão desta nova fase dos personagens. Lembro daquela frase do Tom Hiddleston (o Loki da Marvel) dizendo que todo vilão é um herói em sua mente, então, quando ouvimos a outra versão da história tendemos a esquecer que as leituras de mundo são bem mais subjetivas do que a simplicidade entre o bonzinho e o malvado.
A série Cobra Kai bebe diretamente deste ponto de partida e a todo instante ressalta que entre mocinhos e vilões existem mais camadas do que podemos supor. Prova disso é não apenas o Johnny (Zabka em um momento inspirado da carreira) reavaliar algumas de suas posturas enquanto Daniel Larusso nem percebe o quanto seu olhar está preso à adolescência. Incapaz de perceber que o tempo passou, sua postura ajuda muito para que a rivalidade entre Cobra Kai e seu reaberto Miyagi-Do cresça cada vez mais. O conflito entre os dois é crescente nas duas temporadas - e a esposa de Daniel, Amanda (Courtney Henggeler) funciona como um contraponto para esta cegueira do esposo. Existe outro fator interessante na história: como apresentar estes dois personagens tão anos 1980 no século XXI? Lidando com as tecnologias e o discursos politicamente correto (e ambos tem seus tropeços neste território o que gera boa parte do humor da série). O gosto nostálgico é ainda mais ressaltado pela trilha sonora e as cenas dos filmes que aparecem para ilustrar o passado dos personagens. O uso destes elementos na medida tornam a primeira temporada a minha favorita! Na segunda os adolescentes ganham mais destaque na história e se torna quase uma ordem que todo desentendimento seja resolvido com golpes de karatê. Existe um problema gigantesco de comunicação entre os personagens da série (o que ilustra bastante as relações do século XXI onde a internet transborda de informação, mas as pessoas possuem uma dificuldade enorme de sentar e, mais do que conversar, escutar o outro), porém esta estrutura um tanto repetitiva dos episódios torna a segunda temporada mais cansativa entre os namoros juvenis que começam a aparecer na história. No entanto, vale destacar que embora algumas lutas pareçam coreografadas demais, a série se redime na pancadaria no final da segunda temporada - o que coloca todos os conflitos sob nova perspectiva para a terceira leva de episódios que vem por aí (com a promessa do retorno de uma personagem importante de uma atriz posteriormente indicada ao Oscar). Para além dos nossos velhos conhecidos, a série conta com bom elenco de apoio adolescente, com destaque para as transições de Miguel (Xolo Madureña) e do amigo Falcão (Jacob Bertrand), que rouba a cena como o menino tímido que se torna discípulo fiel ao passado de seu sansei, Jonny. Temperado com humor, reviravoltas e nostalgia, Cobra Kai é pura diversão.
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
4EVER: Ruth Bader Ginsburg
Joan Ruth Bader nasceu em Nova York em 1933 e cresceu em um mundo bem diferente do que vemos hoje. Sua carreira foi marcada por ações progressistas e feministas numa época em que muitos dos direitos que possuímos foram objetos de lutas, sobretudo nos tribunais. Seu trabalho chamava tanta atenção pela clareza e sobriedade que foi escolhida pelo então presidente Bill Clinton para compor a Suprema Corte dos EUA, sendo a segunda mulher a ser eleita pelo senado para ocupar uma vaga por lá. Filha de imigrantes russos e nascida no Brooklyn, já era esposa e mãe antes de ingressar na Universidade de Harvard e ser graduada em Direito pela Universidade de Columbia. Ruth se casou com o também advogado Martin D. Ginsburg, com quem permaneceu casada de 1954 até o falecimento dele em 2010. Ruth se tornou um ícone na luta pela igualdade de gênero e foi alçada ao posto de celebridade na internet, sendo recentemente retratada em um dois filmes, Suprema (2018) e o documentário A Juíza (2018), que concorreu ao Oscar da categoria. Ruth faleceu em decorrência de um câncer no pâncreas aos 87 anos.
PL►Y: Domando o Destino
A cineasta Chloé Zhao se tornou uma das pessoas mais faladas na última semana devido ao seu terceiro filme, Nomadland, que recebeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Ainda que não seja muito conhecida do grande público, Chloé tem um histórico de filmes que sempre dão o que falar. Sua estreia com Songs My Brothers Taught Me (2015) foi premiada em Sundance e seu filme seguinte, Domando o Destino apareceu em várias listas de melhores do ano (em algumas sendo o considerado "o melhor" de 2017). A repercussão de seu trabalho foi tão grande que ela caiu no radar da Marvel que a convidou para realizar Os Eternos com estreia prevista para o ano que vem (e admito que fico bastante curioso para ver o resultado desta combinação). Domando o Destino conta a história de um peão de rodeio que após um acidente tenta voltar à sua antiga vida. Logo no início vemos Brady (Brady Jandreau) com vários pontos recentes na cabeça e uma sensação de dor contante em seu rosto. Aos poucos conhecemos um pouco mais sua família, seus amigos e seu desejo de voltar a montar assim que estiver plenamente recuperado. No entanto, não demora para perceber que com enjoos constantes, desmaios e uma reação adversa em sua mão que a situação é bem mais complicada do que ele esperava. Some isso aos encontros com um amigo que sobreviveu a um acidente com consequências ainda mais graves (que parece uma espécie de lembrança de que poderia ter acontecido algo muito pior aos dois) e você terá ideia do que se passa na cabeça do rapaz. Apesar das dificuldades, Brady ainda é uma celebridade local, vez por outra algumas pessoas pedem para tirar fotos com ele, ou até mesmo o reconhecem quando começa a trabalhar em um mercado local. Enquanto nutre o sonho de voltar a montar para driblar a sensação de vazio que o acomete, seu pai e a realidade em seu redor insiste em demonstrar para ele que não é seguro retornar. Com este material nas mãos, Chloé Zhao faz uma verdadeira ode aos cowboys modernos. Utiliza cenas que celebram imagens clássicas do cinema que celebraram este tipo de personagem, muitos planos abertos, a planície com a linha do horizonte distante, a cavalgada ao nascer do sol e até a máxima "um homem tem que fazer o que ele tem que fazer", estes elementos apenas colaboram para apresentar a força e a determinação de um personagem que se encontra com o corpo fragilizado. Zhao constrói um filme intimista, real e emocionante que quase sempre não precisa de palavras para ilustrar o que vemos na tela. Ao terminar o filme fui pesquisar sobre o seu ator principal e descobri que Brady Jandreau foi a inspiração para construção do filme. Ele nunca havia trabalhado como ator (o que deixa seu trabalho ainda mais notável), era domador de cavalos e realmente sofreu um acidente parecido com o do personagem. Sua família no filme é sua família na vida real e deixa aquela pergunta de até que ponto vai a ficção do filme. Domando o Destino constrói uma sensação de verdade embalada por uma fotografia impressionante e se destaca pela sensibilidade com que conta sua história.
Domando o Destino (The Rider / EUA -2017) de Chloé Zhao com Brady Jandreau, Tim Jandreau, Lilly Jandreau, Leroy Pourier, Cat Clifford e Lane Scott. ☻☻☻☻
PL►Y: O Diabo de Cada Dia
É até estranho imaginar que no nos cafundós de Ohio exista um vilarejo chamado Knockemstiff (algo como Baternelesrigidamente), mais estranho ainda é saber que aquele lugar tem seu lugar garantido na literatura pelas obras de seu cidadão mais ilustre, o escritor Donald Ray Pollock. Donald viveu por lá a maior parte de sua vida, mas ao observar a rotina de seus poucos cidadãos e as histórias que a cidade escondia criou histórias assustadoras sobre pessoas que precisavam apenas de uma brecha para deixar a violência invadir suas vidas. Localizada quase na fronteira com o Canadá e repleta de fazendas, a cidade possui cerca de 450 habitantes que costumam viver em residências afastadas na paisagem bucólica da região. Tendo como maiores empregadores as fábricas de aço, borracha e papel (o próprio escritor trabalhou nesta antes de se dedicar à literatura), Pollock percebe nesta realidade aparentemente tranquila um território propício para suas histórias em que a maldade humana sempre encontra um espaço para aparecer (e se alastrar). Quando a Netflix anunciou a produção de um dos seus romances mais conhecidos (no Brasil traduzido como O Mal Nosso de Cada Dia), os fãs ficaram curiosos para ver o resultado, principalmente aqueles que seu conteúdo se adequaria mais ao formato de minissérie - afinal, existe um grande número de personagens e fatos que atravessam mais de vinte anos. O cineasta Antonio Campos (filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes e da produtora ítalo-americana Rose Ganguzza) tinha uma tarefa árdua pela frente ao desbravar o emaranhado de crimes presente na obra, mas alcança um resultado eficiente em sua atmosfera tão densa quanto agressiva, especialmente pelo elenco dedicado. Basta ver o título para perceber que a religiosidade está impregnada na trama, mas através de um devotamento cego e doentio, especialmente em sua primeira parte quando conhecemos as histórias de Arvin e Lenora. Ambas crianças que se tornam órfãs pelo pensamento distorcido pela fé de seus pais. O pai de Arvin (Bil Skarsgaard) parece sempre perturbado pelo que testemunhou na Segunda Guerra Mundial, já o da garota, o pastor Roy Lafferti (vivido pelo impressionante Harry Melling - coloquem o rapaz em mais filmes, por favor!), está tão seguro em suas crenças que se torna cada vez mais distante da realidade. Arvin e Lenora acabam crescendo juntos e apegados um ao outro como se fossem irmãos,. Quando jovens (agora vividos por Tom Holland e Eliza Scanlen) são perseguidos por outros jovens locais, o que deixa Arvin sempre disposto a se meter em encrenca para proteger a irmã. Pairam ao redor deles alguns personagens sórdidos, como o pastor dissimulado Preston Teagardin (Robert Pattinson), um casal de serial-killers Carl (Jason Clarke) e Sandy (Riley Keough), a irmã do xerife Lee (Sebastian Stan). Entre crimes e inocências perdidas a trama avança até que todas as pontas desenvolvidas ao longe de suas mais de duas horas se amarrem auxiliada pela narração do próprio Donald Ray Pollock. Pelo visto o autor aprovou o resultado, ainda que muito do livro tenha sido cortado, especialmente no que diz respeito dos coadjuvantes (o que deixa alguns personagens muito unidimensionais e, neste ponto, cabe destacar o trabalho do elenco). Campos é um bom diretor de atores (basta lembrar seu trabalho anterior, Christine/2016 em que Rebecca Hall merecia uma indicação ao Oscar por seu trabalho) e todos aqui estão bastante convincentes como pessoas endurecidas pela vida (com destaque para o sotaque já que o filme misturas atores de várias partes do mundo). No fim das contas, condensar a história nas limitações de um filme realmente pode deixar a história ainda mais árdua de ser acompanhada pela sucessão de tragédias, mas o filme prende a atenção ao penetrar no universo de um escritor que ainda não havia encontrado espaço no cinema ou na televisão.
O Diabo de Cada Dia (The Devil All The Time / EUA-2020) de Antonio Campos com Tom Holland, Eliza Scanlen, Robert Pattinson, Bill Skarsgård, Haley Bennett, Sebastian Stan, Riley Keough, Jason Clarke e Mia Wakikowska. ☻☻☻