Não resta dúvidas de que Rosamund Pike é uma das atrizes mais interessantes da atualidade. Ela não vende uma imagem sensual, não aparece em páginas de revistas explorando seu estilo de vida ou um novo relacionamento com o galã do momento (ela é casada com o matemático e empresário Robie Ubniackie desde 2009), mas ouvimos falar da atriz por seus trabalhos em filmes em que sua atuação costuma ser o ponto alto. Foi assim quando o Oscar achou que sua performance era a única coisa digna de voto em Garota Exemplar /2014 de David Fincher, filme que lhe concedeu uma indicação ao prêmio de melhor atriz. De certa forma a situação se repetiu no Globo de Ouro deste ano em que ninguém esperava que ela fosse premiada como melhor atriz de comédia pelo deliciosamente maldoso Eu Me Importo/2020 (nem ela mesma). Tanto este quanto o recente Radioactive estão em cartaz na Netflix e são dignos de uma maratona com a atriz. Nas especulações antes das premiações, até cogitaram que ela tivesse chance no Oscar deste ano, mas as críticas mornas e a disputa acirradíssima deste ano a deixaram de fora. Aqui ela vive a famosa cientista polonesa Marie Curie, que conquistou a proeza de receber duas vezes o Prêmio Nobel. Nascida Maria Sklodowska e formada em Química, Marie nasceu em 1967, quando a Rússia ainda era um Império e para ganhar a vida trabalhou como governanta. Foi em 1891 que ela partiu com a irmã para Paris em busca de formação acadêmica, lá mudou de nome e após o casamento com o físico Pierre Curie realizou o estudo da radioatividade, o que lhes rendeu um Nobel (em parceria com Henri Becquerel que ficou de fora do filme). Em 1903 concluiu seu doutorado e se tornou a primeira professora mulher da Universidade de Paris. Fascinada em estudar usos práticos dos elementos químicos Marie (como a utilização para gerar radiografias), ela foi responsável por identificar dois novos elementos da tabela periódica: o rádio e o polônio (batizado em homenagem à sua terra natal). Obviamente que condensar uma vida destas, repletas de desafios e pioneirismos deixaria muita coisa de fora em menos de duas horas de filme (uma minissérie seria o ideal!), talvez por isso a diretora iraniana Marjane Satrapi (do excepcional Persépolis/2007) segue por outros rumos que podem gerar estranhamento. Além de lidar com um texto completamente fora da sua zona de conforto, ela tenta encontrar um equilíbrio entre o retrato da mulher e da cientista em um período em que desafios e preconceitos eram muitos, seja por ser mulher num universo extremamente masculino e machista, seja por ser estrangeira. O filme oferece destaque ao seu relacionamento com Pierre (outro trabalho charmoso de Sam Riley) e mais tarde com a filha, Irène (Anya Taylor Joy), tem uma preocupação quase didática com as descobertas da cientista e ousa ao projetar suas descobertas para o futuro, relacionando com bombas nucleares e o desastre de Chernobyl. Neste ponto o filme se coloca em uma espécie de corda bamba, já que os desavisados podem achar que é Marie a responsável por aquelas catástrofes. Neste ponto, o filme patina sobre o valor da ciência, mas também a responsabilidade das políticas sobre estas descobertas. As intenções de Curie sempre foram nobres (e o filme destaca isso ao apresentar seu trabalho com as unidades móveis de radiografias na Primeira Guerra Mundial). Se o roteiro deixa muita coisa de fora e a montagem por vezes se atrapalha, o melhor é o excelente trabalho de Rosamund Pike. É verdade que Marjane consegue fugir do óbvio e imprime sua personalidade no que poderia ser apenas mais uma cinebiografia protocolar. Ouso dizer que aqui ela se distancia ao máximo de sua zona de conforto (que sempre flertou um pouco com o poder evocativo da fantasia na construção de suas tramas - mesmo no tosco A Gangue dos Jotas/2012). Com a leveza e força de costume na construção de suas personagens femininas, Radioactive não é um filme perfeito, mas consegue resgatar parte da vida e obra de Marie Curie, a destacando como uma das mentes mais brilhantes da História.
Radioactive (Reino Unido / França / EUA / China / Hungria - 2020) de Marjane Satrapi com Rosamund Pike, Yvete Feuer, Mirjam Novak, Sam Riley, Simon Russell Beale e Anya Taylor-Joy. ☻☻☻
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