Representante de Hong Kong no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, Better Days é mais uma prova de que o olhar do Oscar para os filmes estrangeiros mudou muito nos últimos anos. Se ano passado o premiado Parasita acabou levando o prêmio de Melhor Filme também, neste ano o grande favorito é um filme dinamarquês sobre um bando de marmanjos que se rendem sem pudores ao prazer do álcool (DRUK) que cravou também uma indicação ao prêmio de direção. Nota-se um rompimento com aquela ideia de que os filmes estrangeiros indicados ao Oscar precisam ter aquele tom hermético de outros tempos (que representava muito o olhar dos votantes mais idosos do Oscar, plateia que costumava ver e votar nos concorrentes da categoria - o que remetia diretamente ao olhar deles sobre o que era um bom filme não feito nos Estados Unidos). A categoria de Filme Estrangeiro se tornou um verdadeiro deleite nos últimos anos, muitas vezes com concorrentes melhores do que os mais indicados ao Oscar de determinado ano, especialmente pela capacidade e universalizar seus temas (o que é fundamental na categoria) de forma atrativa pra o público mundial. Confesso que fiquei muito surpreso com o filme de Kwok Cheung Tsang, que constrói sua história como um verdadeiro manifesto antibullying, sem medo de por vezes ser um tanto sensacionalista na abordagem do tema. A trama tem como pano de fundo o vestibular nacional chinês (espécie de ENEM local), que serve como um verdadeiro divisor de águas na vida dos milhares de estudantes que realizam a prova todos os anos com a esperança de galgar uma vaga numa boa universidade e ter um bom emprego no futuro. O filme demonstra bem o processo exaustivo dos adolescentes de uma escola, a pressão que sofrem e o medo do fracasso. Se só isso já poderia render um filme interessante, o roteiro ainda apresenta como ponto de partida um suicídio na escola. Assim, a atenção volta-se para a insegura Chen Ian (Dongyuy Zhou), que teve contato com a menina suicida minutos antes do ocorrido. Por conta de um ato de solidariedade à colega, ela chama a atenção de um grupo que será capaz das piores torturas físicas e psicológicas sobre Chen Ian. Neste ponto surge o medo, a dor, mas também o medo de denunciar e sofrer represálias, além da passividade de quem observa aquelas ações hediondas. A trama toma outro rumo quando ela encontra Zheng Yi (Fang Yin), jovem um tanto perdido que abandonou os estudos e não tem muitas perspectivas de vida. Chen e Zheng aos poucos se tornam bastante próximos e ele se torna uma espécie de guarda costas dela. Esta união no entanto terá desdobramentos inusitados na vida de ambos, especialmente quando as provas se aproximam, o estresse aumenta e um crime ocorre na reta final da história. Filmes sobre bullying costumam pecar pela sua estrutura protocolar e um tanto repetitiva, cabendo ao diretor abusar da criatividade para prender a atenção do público perante o sadismo das cenas. Assim, foram feitos o brasileiro Ferrugem (2018) e o insuportável Depois de Lucia ( que já abandonei várias vezes no meio da sessão). Better Days, no entanto, segue um caminho oposto dos dois, ampliando rumos e acontecimentos, aumentando também o número de personagens e situações para administrar, deixando sua duração extensa (duas horas e quinze minutos) e um tanto irregular, mas acerta ao apontar o bullying no espaço escolar como uma espécie de reflexo da violência (física ou simbólica) nas relações sociais banhadas em competitividade, status, hierarquias e poder. Assim, Better Days constrói uma espécie de cadeia alimentar juvenil sem poupar a plateia de cenas angustiantes, dilemas morais e doses de romance para atenuar a maldade. Apesar de tropeçar por vezes no trato com os personagens que vem e vão durante a história, o longa cumpre o seu papel e faz pensar sobre como uma série de atitudes ofensivas evoluem para a criminalidade crime da forma mais descarada, mas "não foi esta a intenção". Esta é a primeira vez que a obra de um diretor nascido em Hong Kong concorre ao Oscar - mesmo que enfrentando uma dura censura na China para a distribuição do filme. Ainda que saia do Oscar com as mãos vazias, é um filme que merece atenção, seja pelo tema que aborda ou pela pressão depositada nos ombros de adolescentes em suas escolhas para o futuro (sejam pessoais ou profissionais).
Better Days (Shaonian de ni / Hong Kong - China /2019) de Kwok Cheung Tsang, com Dongyu Zhou, Fang Yin Jackson Yee, Ye Zhou, Yue Wu, Yao Zhang, Runnan Zhao e Ran Liu. ☻☻☻☻
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