Danielle e Fantasia: quem canta os males espanta? |
Ainda acho difícil comprar a ideia de um remake do clássico A Cor Púrpura (1985). Ainda que o filme seja famoso por conta de suas onze indicações ao Oscar e nenhuma estatueta, o longa dirigido por Steven Spielberg está entre os melhores do cineasta. Se for assistido hoje, provavelmente a emoção acarretada pelo permanecerá a mesma - muito por conta da atuação irrepreensível de Whoopi Goldberg à frente do elenco. Na carência de ideias que assola Hollywood atualmente, inventaram que era uma boa ideia refazer o filme com uma nova roupagem, no caso, do musical levado aos palcos da Broadway a partir de 2005. O filme de Spielberg já trazia bastante musicalidade para a obra de Alice Walker, mas a peça concebida por Brenda Russell, Allee Willis e Stephen Bray, explorava ainda mais a relação dos personagens com a música. Musicais produzidos para o teatro costumam funcionar dentro de uma lógica bastante própria e sua transposição para o cinema já costuma sofrer, aqui a coisa complica ainda mais devido à comparação inevitável com um filme adorado por uma legião fãs por décadas. Colabora muito para o estranhamento ver a dura vida das personagens, mulheres pretas no início do século XX no sul dos Estados Unidos (e toda sua sobreposição de dramas e desafios acarretada porisso) com músicas e cantorias. Existe sim uma proposta clara de empoderamento, mas que soa um tanto deslocada perante a história de Celie, uma menina que desde cedo sofreu um bocado nas mãos do pai. Ela teve dois filhos que foram dados para adoção, para depois ser entregue em casamento com Senhor (Colman Domingo), que estava interessado na irmã de Celie, Nettie (Halle Bailey). Sem perspectivas de uma vida melhor, Celie sofre muito com os insultos e agressões do marido e a coisa piora mais ainda quando Nettie vai para longe. O tempo passa e a realidade de Celie permanece oprimida, recebendo um pouco mais de luminosidade com chegada de Sofia (Danielle Brooks), esposa de seu enteado, e a cantora Shug Avery (Taraji P. Henson), a amante de seu esposo. Não há o que reclamar do elenco, que apresenta atuações sólidas com o material que tem em mãos. O problema é que no formato de musical, o desenvolvimento dos personagens e seuas relações parecem podadas e apressadas. Aqui não existe sugestão de algo mais entre Celie e Shug, a cena da reconciliação entre Shug e o pai aparece do nada e até o arco de Sofia parece mal trabalhado (a sorte é que Danielle Brooks ganha nosso coração desde a primeira cena e nossa torcida eleva ainda mais o trabalho da atriz que foi indicada ao Oscar de coadjuvante). Lembro que diante do original, aquela cena em que Celie sai do domínio do marido abusivo era de tirar o fôlego, aqui, ela acaba se dissolvendo nas cenas seguintes com mais músicas e cantorias. Musical não é meu gênero favorito, mas sei que já fizeram musicais com temáticas bastante complicadas e sensíveis, mas acho que nesta versão de A Cor Púrpura o resultado é meio desconjuntado, impossibilitando que a os temas abordados tenham a profundidade que merecem.
A Cor Púrpura (EUA - 2023) de Blitz Bazawule com Fantasia Barrino, Taraji P. Henson, Danielle Brooks, Colman Domingo, Halle Bailey, Phylicia Pearl Mpassi, Corey Hawkins, Gabriella Wilson, Elizabeth Marvel, Ciara e Louis Gossett Jr. ☻☻
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