A escritora britânica Virgina Woolf (1882-1941) é um dos nomes mais reverenciados da literatura mundial, foi considerada uma voz revolucionária por abordar as restrições às mulheres na Inglaterra na sociedade vitoriana. Suas obras e frases cortantes causavam impacto em muita gente (quem nunca ouviu a célebre frase "Quem tem Medo de Virginia Woolf"? que virou até título de filme com Elizabeth Taylor). Virginia se tornou referência do feminismo de sua era e, ainda que fosse casada com o historiador Stephen Woolf, seu relacionamento com a poetisa Vita Sackville-West se tornou bastante intenso (como pode ser notado pelas cartas presentes na compilação The 50 Greatest Love Letters of All Time), o romance entre as duas também rendeu a inspiração para um dos livros mais famosos de Woolf: Orlando. Publicado em 1928, o livro conta a história do personagem que nasce homem, conquista prestígio na nobreza britânica em 1600, mas após uma visita da rainha Rainha Elizabeth I à sua casa, é condenado a permanecer eternamente jovem, atravessando os séculos experimentando mudanças de gênero e parceiros. Durante uma viagem à Turquia, Orlando acorda sendo uma mulher e a mudança altera a forma como enxerga o mundo e como o mundo o enxerga, criando novas perspectivas de vida para alguém que se descobre também imortal. As vivências da protagonista atravessam séculos, deflagrando as diferenças de tratamento dado a homens e mulheres, além do interesse de ambos por ela atravessando as mudanças na sociedade, mas também algumas marcas que permanecem. Adaptar uma obra dessas para o cinema não é tarefa fácil, mas a diretora Sally Potter realizou em 1992 esta adaptação com o auxílio luxuoso de Tilda Swinton no papel principal. Tilda já atuava desde os anos 1980, mas ainda estava longe da consagração que só viria no século XX, no entanto, já demonstrava ser uma potência na interpretação, sobretudo pela forma como se apropria da imagem andrógina para dar vida à Orlando. Ela está brilhante ao manter a essência da personagem entre as mudanças de gênero apresentadas na trama. É incrível como o filme atravessa trezentos anos em hora e meia de duração onde tudo serve para apresentar a passagem do tempo, os cenários, a maquiagem os cabelos e, especialmente, os figurinos que são de encher os olhos num trabalho genial da mestra Sandy Powell (que concorreu ao Oscar assim como a direção de arte do filme). As peças funcionam não apenas para demarcar o gênero da protagonista, mas também para borra-los em meio aos adornos masculinos e femininos que se misturam através dos séculos. A ideia foi tão à frente do seu tempo que até hoje as peças são reverenciadas em exposições como a ocorrida no Metropolitan Museum of Art (o MET) em 2020. Quando o filme foi lançado em 1992, se tornou um tanto incompreendido e
era comum comentar como a bissexualidade do protagonista atravessa os
séculos, mas visto hoje, novas camadas são inseridas à obra, não apenas discussões sobre o sexismo que permanece na sociedade, mas também a forma como o filme aborda pontos sobre transexualidade, não-binariedade e a sexualidade fluida (terminologias recentes, mas que Virginia já imaginava em sua obra há quase cem anos, aspecto que só demonstra o olhar aguçado da escritora sobre a sexualidade humana) pelo viés de uma narrativa que flerta com aspectos fantásticos como a juventude eterna e a imortalidade. Talvez pela história atravessar séculos em uma duração inacreditavelmente enxuta, o fluxo e o ritmo da narrativa provoquem estranhamento até hoje em alguns espectadores, mas aqueles que perceberem como a diretora faz todo o filme se curvar à história secular de seu protagonista (incluindo os toques de humor peculiares como as quebras da quarta parede feitas por Orlando), se sentirão bastante recompensados. Com o tempo o filme adquiriu uma outra curiosidade, o grande amor de Orlando é vivido pelo ator Billy Zane, que quatro anos depois se tornou um dos raros casos de atores gays a se assumirem em Hollywood.
Orlando, A Mulher Imortal (Orlando - Reino Unido /1992) de Sally Potter com Tilda Swinton, Quentin Crisp, Jimmy Somerville, Billy Zane, Simon Russell Beale e Anna Healy. ☻☻☻☻
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