Para finalizar o Ciclo DiversidadeSXL desse ano, escolhi um filme que é um verdadeiro marco temporal. Assistir ao documentário Paris is Burning tem o efeito de uma viagem no tempo diferente, uma que te leva para um lugar que existia mas que era desconhecido da maioria das pessoas. O filme de estreia de Jeanne Livingston retrata o universo vibrante dos Ballrooms da Nova York oitentista. Frequentados sobretudo por drag queens, mulheres trans, gays afro-americanos e latinos. Os eventos eram competições acirradas de estilo, desfiles, batalhas de vogue e disputas em categorias diversas como Town and Country ou Butch Queen. O registro ressalta a importância dos Ballrooms para a construção da identidade de uma comunidade cansada de lidar com a exclusão e o preconceito. Naquele universo eles poderiam ser o que quisessem sem as limitações dos anos 1980, beldades trans poderiam ser divas das revistas de moda ou do cinema, jovens latinos poderiam ser executivos de terno indo trabalhar em Wall Street (e os figurinos do clipe Vogue da Madonna fizeram um novo sentido após perceber isso com o filme), a dura realidade de privações eram esquecidas naqueles momentos. É verdade que existiam discussões terríveis durante as competições e o filme mergulha em interpretações sobre essa necessidade de autoafirmação junto com expressões que são usadas até hoje dentro do universo LGBTQIAPN+. O documentário nos apresenta figuras icônicas destes locais e explica o que era ser membro de casas famosas como Labeija, Pendavis e Extravaganza que se tornavam sobrenomes para quem fosse vencedor nas competições (uma ostentação talvez ainda maior do que os troféus recebidos). No entanto, o trabalho de Jeanne Livingston não deixa de abordar o lado menos festivo da realidade de pessoas rejeitadas por suas famílias e a necessidade de estabelecer novos laços entre seus pares. Aparecem sonhos de luxo e estrelato em oposição à uma realidade marcada por discriminação, poucas oportunidades e violência. Embora a cultura dos Ballrooms hoje seja mais conhecida, afinal serviu de inspiração para série Pose, para RuPaul's Drag Race e até Madonna resgatou essa origem na apresentação da música Vogue durante sua Celebration Tour (aquele momento que contou com participação da Anitta em Copacabana), o filme demonstra como a descoberta do que era uma cultura underground de Nova York rendeu curiosidade da mídia. Falando em Vogue, a percepção que tenho das coreografias mudou completamente depois de ver o filme explica-las como se estivéssemos diante de uma verdadeira luta de ninjas. Disponível na MUBI, Paris is Burning ainda pode ser visto como uma verdadeira celebração, mas também como um registro histórico de um grupo de pessoas dispostas a construir uma realidade paralela em que se tornavam verdadeiras estrelas orgulhosas de não ter vergonha do que se é.
Paris is Burning (EUA - Reino Unido / 1990) de Jennie Livingston com Brooke Xtravaganza, André Christian, Dorian Corey, Paris Duprée, Pepper LaBeija, Willi Ninja, Octavia St. Laurent, Sol Pendavis e Freddie Pendavis. ☻☻☻☻☻
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