quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

10 + 4EVER: David Lynch

 20 de janeiro de 1946 ✰ 15 de janeiro de 2025
 
Nascido na cidade de Missoula no estado de Montana, David Keith Lynch veio de uma família de situação econômica confortável. Filho de um pesquisador do departamento de agricultura e uma professora de inglês, sua família teve origem na Finlândia e David teve uma educação presbiteriana enquanto morou em diversas partes dos Estados Unidos. O constante deslocamento desenvolveu no jovem Lynch um constante olhar de estranhamento ao que para muitos era visto como natural, despertando sua curiosidade para o que estava abaixo da superfície das aparências do american way of life (um dos aspectos mais marcantes de sua cinematografia). Quem quiser conhecer um pouco mais de como o diretor moldou o seu estilo, pode procurar o documentário David Lynch: A Vida de Um Artista (2016), que demonstra como ele se tornou um mestre em lidar com cenas do imaginário, o flerte constante entre o sonho e o pesadelo, o surrealismo e um casamento inesperado entre o belo e o bizarro. Embora não lançasse um longa metragem desde 2006, Lynch permaneceu ativo nos últimos anos, realizando clipes, curtas, exposições e produções musicais, além de ter seguido inspirando jovens cineastas, como Coralie Fargeat (A Substância) e Jane Schoenbrun (Eu Vi o Brilho da TV). Lynch é um artista multifacetado, que deixa uma obra imortal incrível e deixa de ser um dos maiores nomes do entretenimento para se tornar um dos deuses do Cinema. Em homenagem a um dos meus cineastas favoritos, relembro aqui minhas dez obras favoritas (e somente sua rejeitada versão de Duna/1984 ficou de fora). Nem todos os filmes abaixo possuem resenhas aqui no blog, mas ao longo do ano irei postar os que ainda não foram comentados em homenagem ao cineasta:
 
#10 "Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer " (1992)
Se a série Twin Peaks degringolou quando Lynch precisou se afastar para voltar para seus trabalhos no cinema, o diretor tentou compensar os fãs perante a horrorosa segunda temporada com este filme que decepcionou porque muitos imaginaram que traria explicações sobre os mistérios da trama. Na verdade, Lynch faz exatamente o contrário, deixando tudo ainda mais complexo e cheio de camadas sobre a morte da bela estudante Laura Palmer na pacata cidade de Picos Gêmeos. 
 
Em seu filme de estreia, Lynch já deixava claro que não queria que esperassem dele uma história convencional com começo, meio e fim ou algo realista. Em menos de hora e meia de duração, o diretor de 31 anos já caprichava na história de Henry Spencer (Jack Nance) um homem aparentemente comum que precisa lidar com um bebê que não para de chorar enquanto conhece personagens bastante, digamos, peculiares. Rotulado de terror surrealista, o filme não fez sucesso em seu lançamento, mas ao longo do tempo gerou curiosidade e se tornou um filme cultuado que já demonstrava o talento do diretor em lidar com estranhezas narrativas. 

Reza a lenda que a ideia do filme surgiu quando Laura Dern mencionou o nome da cidade natal de seu esposo (Inland Empire) em uma conversa. A mente de Lynch divagou imediatamente sobre o nome daquela cidade e construiu aquele que seria seu último longa-metragem. Uma coleção de cenas sobre uma atriz que não sabe distinguir o que é realidade, sonho, memória ou ficção. O resultado pode até soar caótico, mas é uma verdadeira aula de como construir um cinema atmosférico enquanto mescla mistério ao drama de sua personagem. O filme também ficou famoso pela campanha solitária de Lynch para conseguir uma indicação ao Oscar para sua musa-mor: Laura Dern. 
 
#07 "Coração Selvagem" (1990)
David Lynch estava no auge após o sucesso da série Twin Peaks e se afastou da série para criar mais um longa-metragem. Se o programa de TV saiu perdendo, Lynch levou a Palma de Ouro do Festival de Cannes ao contar a história de amor entre Sailor (Nicolas Cage) e Lula (Laura Dern) enquanto fogem de um assassino pelas estradas dos Estados Unidos. O filme se tornou mais um marco da forma como Lynch desbrava a superfície do American Way of Life, rendeu uma indicação para Diane Ladd (mãe da Laura no filme e fora dele) no Oscar de coadjuvante e ainda revelou para o mundo a icônica música Wicked Game de Chris Isaak. Um clássico. 
 
#06 "Uma História Real" (1999)
Depois de tantos filmes criando o casamento perfeito entre o belo e o bizarro, o cineasta surpreendeu todo mundo por fazer exatamente o que ninguém esperava dele. Ele pegou a história real de um senhor com mais de setenta anos, Alvin Straight (Richard Fansworth), que está cheio de problemas de saúde e, imaginando que o inevitável está cada vez mais perto, ele planeja viajar mais de quatrocentos quilômetros para encontrar um irmão com quem não fala há tempos. Só que, como sua licença de motorista foi retirada, ele fará todo o trajeto em seu cortador de grama! Embora seja completamente diferente de seus outros filmes, Lynch consegue imprimir ao filme uma atmosfera de sonho que aumenta ainda mais o lado emocional da história. Fansworth se tornou o ator de maior idade indicado ao Oscar de melhor ator até então e Lynch ainda adorou o trocadilho do filme em inglês The Straight Story (traduzindo: A História Careta). 

Lynch ficou cinco anos sem dirigir um longa metragem e, se desconsiderarmos que seu filme anterior ainda estava vinculado a Twin Peaks, o diretor completava sete anos sem apresentar material inédito aos fãs. Por conta disso, este aqui se tornou bastante importante para toda uma nova geração de fãs que não sabiam do que o diretor era capaz. O longa conta a história de um músico (Bill Pullman) que é assombrado por um crime terrível envolvendo a esposa (Patricia Arquette). Sua dor é tão grande, que no corredor da morte, ele se transforma em outra pessoa (Balthazar Ghety) que irá se apaixonar por Alice (a mesma Patricia Arquette) em um mundo diferente do anterior. Esteticamente o filme é impecável e as obsessões de Lynch entre o sonho e a realidade permanecem funcionando que é uma beleza. 

David Lynch foi fundamental para criar toda a atmosfera desta série que marcou época em um período em que quem era consagrado no cinema não migrava para projetos na televisão. No entanto, Lynch só dirigiu dois episódios na primeira temporada (o primeiro e o terceiro) e quatro na segunda temporada quando uma série de pessoas despreparadas assumiram o programa para fazer bobagem (ao ponto de contarem o grande mistério no meio, inserir um bando de subtramas que não interessavam a ninguém e fazer um programa sensacional se transformar em uma novela desconjuntada). Sorte que Lynch voltou e tentou colocar as coisas nos eixos. O cineasta ainda participou de vários projetos baseados na misteriosa morte de Laura Palmer, com um retorno do agente Dale Cooper (Kyle McLachlan) dando continuidade ao destino sombrio de seu personagem depois de quase trinta anos. 

Depois da consagração absoluta com Homem Elefante e todos os aborrecimentos com a adaptação encomendada de Duna (1984), Lynch precisava relaxar e foi quando realizou um dos seus trabalhos mais referênciais. Veludo Azul foi protagonizado por sua então namorada, Isabela Rosselini (belíssima e premiada com o Independent Spirit daquele ano) encarnando uma cantora que teve o filho sequestrado por um grupo de criminosos. O caminho dela cruza com o do bom moço Jeffrey (Kyle MacLachlan) e a namorada, Sandy (Laura Dern) e a colisão desses dois mundos de atmosferas tão distintas acontece por conta de uma orelha perdida!!!! A maestria com que Lynch conduz  a narrativa lhe valeu a segunda indicação ao Oscar de direção. 
 
Lembro até hoje quando encontrei este filme em DVD em uma banca de jornal nos tempos da faculdade e fui para aula ansioso para assistir ao chegar em casa. Lynch faz um filme arrebatador baseado na vida de John Merrick, que possui sua aparência desconfigurada por conta de uma severa doença. Descoberto por um médico (vivido por Anthony Hopkins), Merrick  (magistral trabalho de John Hurt) passa de atração de circo para atração científica e passa por situações que só revelam que por baixo de sua aparência, existe um coração de ouro incompreendido lidando com um mundo cruel. Este foi o segundo longa do cineasta e o projetou mundialmente recebendo oito indicações ao Oscar: melhor filme, diretor, ator, roteiro, direção de arte, figurino, montagem e trilha sonora. Talvez este seja o filme mais querido do diretor. 

Talvez seja pelo fato de ser o único da lista que assisti no cinema que o sonoro Mullholand Drive fica no topo de minha preferência. Lembro até hoje quando  assisti no cinema da faculdade o filme com minha amiga Alê e ter a sensação da plateia inteira absorvida em silêncio até após subirem os créditos. Havia acabado de participar de uma hipnose coletiva? Concebido para ser um programa de televisão, a ideia foi cancelada pelos produtores que não compraram a ideia de uma jovem atriz (Naomi Watts arrasadora e chegando ao status de estrela que merecia com o papel) e uma bela atriz desmemoriada (a bela Laura Harring) que ficam amigas em Hollywood. Lynch pegou o material que havia filmado e criou cenas adicionais, fazendo um verdadeiro deleite para quem curte seu cinema entre sonho, pesadelo, o inconsciente, o delírio, a ficção e a realidade. Cheio de simbologias sobre a forma como o cinema mescla todos os elementos citados, Lynch levou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes e foi indicado mais uma vez ao Oscar de melhor direção. Nascia um filme digno de culto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário