Justice e Brigette: a vida é (ou não?) uma série de TV. |
Owen (Justice Smith) e Maddy (Brigette Lundy-Payne) são amigos desde 1996, ano em que eram adolescentes e compartilhavam o interesse por uma série de TV, a Pink Opaque. Na verdade foi Maddy que deixou o menino interessado pelo programa, já que ele nunca havia assistido por conta do horário em que o pai estabeleceu como limite para ir para cama. Pink Opaque passava no canal Jovens Adultos e começava dez horas da noite no domingo, terminando dez e meia, horário em que o canal começava a passar as reprises em preto e branco. Foi Maddy que o fez perceber as nuances e camadas que a maioria das pessoas não percebiam no estranho programa de duas garotas que se conheceram em um acampamento e tinham aventuras em um mundo psíquico em que enfrentavam o monstro de cada dia e os interesses do Sr. Melancolia. Além do seriado, os dois amigos também tinham outras coisas em comum, a começar pela sensação de estarem sempre deslocados. Maddy já havia se dado conta de que gosta de meninas e da influência disso em sua vida e personalidade, mas Owen estava mais preocupado com a doença de sua mãe, a postura ausente de seu pai e como veria o novo episódio de Pink Opaque na próxima semana. Afinal, diante de tudo isso, em que ponto ele poderia ser ele mesmo? A amizade entre os dois irá passar por alguns percalços envoltos em mistérios e coincidências com o tal programa, o que irá deixar Owen sempre desconfiado de que algo estranho está acontecendo em sua vida. Em seu segundo trabalho na direção Jane Schoenbrun foge mais uma vez do óbvio para abordar as mudanças da vida de seus personagens adolescentes, se em We're All Going to the World's Fair (2021) ela usava um jogo de RPG online para abordar estas mudanças, aqui ela utiliza um programa de televisão para expor a identificação de seus protagonistas e suas escolhas. Pode se dizer que existe muitas referências aqui, tem um clima de Videodrome (1983) de David Cronenberg, uma vibe meio David Lynch em alguns momentos e até do clássico Poltergeist (1982), resultando num parente noventista underground de Stranger Things/2016 (e a nova temporada sai quando hein?). Schoenbrun costura tudo com uma certa nostalgia dos tempos em que esperávamos o episódio semanal de nossa série de televisão favorita e nossa frustração quando ela era cancelada após o clímax de uma temporada. Era como perder um amigo muito próximo. Esta parte da adolescência de Owen e Maddy está muito bem amparada em sua lentidão no filme, até mesmo quando pontua alguns mistérios para que a trama avance por outros caminhos a partir de determinado momento. No entanto, o filme se torna cada vez mais hermético e delirante a partir de certo ponto, deixando as ideias um tanto confusas, especialmente quando propõe uma mistura entre a realidade e o programa. Resta então ver Owen (um ótimo trabalho de Justice Smith, ator que conheci com meu sobrinho assistindo Detetive Pikachu/2019) envelhecendo ao longo de uma vida que ele não sabe muito bem como viver (e neste ponto, a metáfora com o sombrio último episódio de Pink Opaque ganha força com o destino da personagem Isabel). Eu Vi o Brilho da TV não tem medo de ser divisivo e demonstra isso com bastante criatividade, visual inclusive, se apropriando de elementos dos filmes de terror para provocar estranhamento e reflexões com suas metáforas e simbolismos. Talvez eu devesse assistir de novo para compreender melhor a experiência que ele me ofereceu, mas talvez eu tenha a mesma impressão de Owen ao revisitar seu programa favorito e ver que ele não era tão ameaçador quanto ele imaginava. Ame ou odeie, o filme é uma das obras mais instigantes (e estranhas) do ano.
Eu Vi o Brilho da TV (I Saw the TV Glow / EUA - Reino Unido / 2024) de Jane Schoenbrun com Justice Smith, Brigitte Lundy-Payne, Helena Howard, Ian Foreman, Lindsey Jordan, Danielle Deadwyler, Fred Durst, Conner O'Malley, Emma Porter e Albert Birney. ☻☻☻☻
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