Borges, Muniz e Amado: confronto de divas.
Sou fã de carteirinha da cineasta brasileira Ana Carolina - e assim como todos os outros sempre reclamo que ela quase não filma. Filmando desde a década de 1970, a diretora tem apenas seis filmes no currículo - e se Sonho de Valsa (1987) pode ser considerado sua obra-prima ela demorou treze anos para lançar sua obra seguinte: Amélia. O cinema de Ana é considerado por alguns como "provocador e mal comportado", assim como ela mesma - dito isso não é difícil constatar que ninguém mais teria o topete de fazer um filme sobre três caipiras da gema interiorana de Minas Gerais (de Cambuquira para ser mais exato) que no início do século XX se meteram numa grande confusão com a diva Sarah Bernhardt. Sarah já se despedia do auge quando fez apresentações no Brasil em 1905, mas sempre deixou claro que detestava o país tupíniquim - e tudo piorou muito com o acidente mal explicado em que caiu do palco e quebrou a perna que anos depois teve que amputar. Depois do episódio, a estrela até evitava falar sobre o Brasil em suas entrevistas e são nas lacunas dessa temporada que Ana Carolina cria sua história inquieta. Beátrice Angenin está ótima como a Sarah imaginária de Carolina, conseguindo explorar todas as nuances de sua fragilidade pessoal e profissional - especialmente após a morte de sua fiel camareira Amélia (Marília Pêra) e a chegada de suas duas irmãs caipirérrimas, Francisca (Miriam Muniz, impagável), Osvalda (Camila Amado), e a agregada Maria Luisa (Alice Borges). As três viviam nos cafundós de Cumbuquira e veem a volta de Amélia ao Brasil como uma ameaça (especialmente depois que uma famigerada carta demonstra o interesse dela por sua parte na fazenda). Afim de resolver essa partilha, as três partem para o Rio de Janeiro, mas acabam encontrando um gigantesco contraste com a trupe francesa de Sarah Bernhardt e os novos rumos que o destino deu à Amélia. A diretora carrega nos contrastes em momentos hilariantes (como o piquenique de leitão onde Francisca berra um genial "para de ensinar!" à diva ou o primeiro encontro com Betty Goffman afrancesada) e o resultado beira o ataque de nervos, seja pela impossibilidade de comunicação ou uma conciliação que parece cada vez mais distante. O texto é ágil e em vários momentos beira o surreal (como o duelo de esgrima entre lições de francês), por isso mesmo, Amélia pode render várias leituras, seja no contraste entre a cultura francesa e a dos trópicos ou o fato de nenhuma das mulheres em cena lembrarem ao clássico samba de Ataulfo Alves e Mário Lago que dá título ao filme. Como cereja do bolo está a declamação de I-Juca Pirama de Gonçalves Dias. Entre risos e aflições, Ana Carolina realizou mais um acerto.
Amélia (Brasil-2000) de Ana Carolina com Miriam Muniz, Beátrice Angenin, Marília Pêra, Camila Amado, Alice Borges, Betty Goffman e Pedro Paulo Rangel. ☻☻☻☻