Braff: imagens de um universo paralelo.
Hora de Voltar é o filme de estreia na direção de Zach Braff, jovem ator que ficou famoso com o sucesso da série Scrubs (2001-2010). Enquanto a série estava com tudo, ele escreveu a história de Andrew Largeman (vivido pelo próprio Braff), jovem ator que alcançou algum sucesso na TV e precisa voltar para a cidade natal para o funeral de sua mãe. O filme narra o reencontro do personagem com alguns amigos de infância (sempre um deles cruza seu caminho) e com o seu severo pai psiquiatra (Ian Holm) - que por alguma razão atribui a ele a culpa da esposa ter passado vários anos presa a uma cadeira de rodas. A temporada no cenário de seu passado serve para que Large enfrente alguns episódios de sua trajetória pessoal, na maioria das vezes, acompanhado de Dave (Peter Sarsgaard) e Sam (Natalie Portman), forte candidata a conquistar o coração do protagonista. Trata-se de uma jornada bastante pessoal pelas emoções do personagem, criada a partir de passagens interessantes e repletas de um humor graciosamente melancólico. Braff demonstra grande engenhosidade para criar cenas marcantes para a plateia, mas, enquanto roteirista, tem o problema de não conseguir criar uma linha narrativa que consiga encadear apropriadamente o que vemos na tela. Diante do que vemos até aceitamos que tudo fique meio solto, afinal, nada na viagem de Andrew foi planejado, mas Braff não consegue demonstrar todas as nuances que o personagem necessita para aprofundar esse tipo de história. É verdade que sabemos que devido às suas culpas e problemas, ele deve ter tomado mais remédios psiquiátricos do que o recomendável - e por isso passeia por todos os cenários como se estivesse um tanto desconectado de tudo que o cerca. Essa deve ser até a intenção do filme, mas sinto que falta algo à atuação de Braff, a todo instante é como se ele pedisse que sentíssemos pena (e não identificação) com ele. Sarsgaard e Portman cumprem belamente a tarefa de injetar um pouco de ânimo num personagem que parece perdido em sua própria trajetória pessoal, assim, ajudam o espectador a desbravar a narrativa, que apesar de bonitinha pode ser um bocado árdua pelas doses de tristeza que evoca. Crescer não é fácil, principalmente se estiver exorcizando seus fantasmas do passado. Há de se elogiar, no entanto, que Braff consegue construir um universo muito particular no decorrer do filme, como se tudo ali estivesse numa espécie de mundo paralelo em suspenso, onde tudo ocorre dentro de uma lógica própria. No entanto, sempre penso que se houvesse outro ator no papel principal o filme poderia render mais, mas isso pode ser pura implicância (até hoje o ator não me convenceu em suas atuações, já para quem acompanhou o trabalho em Scrubs, Hora de Voltar pode ter sido uma grande revelação). Recentemente Braff revisitou o tema principal daqui em Wish I Was Here, com previsão de estreia para julho nos EUA, mas ao contrário de Hora de Voltar, quem viu ainda não se empolgou com o resultado. Talvez porque, dez anos depois, Braff tenha provado que os sentidos que vemos em seu filme de estreia são mais fruto da plateia do que da coesão das cenas que escreve. Hora de Voltar é um filme que consegue ser estranhamente harmônico em sua colagem quase aleatória de cenas elaboradas, e por isso mesmo, deve ser lembrado com tanto carinho pelos fãs.
Hora de Voltar (Garden State/EUA-2004) de Zach Braff com Zach Braff, Natalie Portman, Peter Sarsgaard, Ian Holm, Alex Burns e Jim Parsons. ☻☻☻
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