Weller: O Robocop em nossa memória.
O fato é o seguinte: ninguém pediu por uma refilmagem de Robocop. Dito isso, escrevo o que hesito há tempos, desde que a versão de José Padilha chegou aos cinemas. Passado todo aquele alvoroço do lançamento e com o distanciamento seguro de todas as expectativas possíveis, acho que é um momento onde minha opinião será apenas isso: uma opinião. O filme de Paul Verhoeven está na memória de quem cresceu curtindo o cinema na virada da década de 1980 para os anos 1990. Era uma verdadeira orgia de violência, mas que debaixo de tudo aquilo guardava simbologias sobre o homem fundido à tecnologia de uma sociedade onde os interesses de grandes corporações contaminavam a política e transbordava numa sociedade agressivamente sombria. Por isso mesmo, nada melhor do que localizar a trama na cidade americana de Detroit, que cresceu como terreno de indústrias milionárias e viu sua economia ruir mediante cortes para evitar a falência das mesmas. Com bairros que parecem fantasmas, Detroit era o palco para as desventuras do policial honesto Alex Murphy (Peter Weller) que é quase morto pelos criminosos mais sanguinários da cidade num futuro próximo. O que restou do corpo de Murphy é utilizado num experimento revolucionário que produzirá o policial ideal para lidar com a violência das ruas. Servindo à criação do Robocop, Murphy conta com a ajuda de sua parceira Anne Lewis (Nancy Allen) para lembrar um pouco de sua história enquanto lida com os interesses da megacorporação OCP e a vontade de capturar os homens que atiraram nele. Verhoeven explora os conflitos desse futuro distópico de forma mais sombria do que o habitual nos blockbusters, sobrando poucos mocinhos e muitas intenções politiqueiras em temáticas como influência da mídia, privatização e corrupção numa atmosfera acertadamente opressiva. No centro da narrativa, a química entre Weller e Allen é uma atração a parte na colaboração de um filme que custou modestos 13 milhões de dólares e se tornou um sucesso mundial. Obviamente que criar uma franquia era inevitável e Robocop 2 tinha o desafio de elevar o que vimos no primeiro filme a um novo patamar. Inserindo o tráfico de drogas na narrativa, além da criação de um novo modelo de híbrido de homem e máquina para as ruas, a continuação ousa colocar uma criança como líder do tráfico e cenas ainda mais violentas. No projeto do novo Robô, eles acabam utilizando um traficante chamado Cain (Tom Noonan) no protótipo e, como era de se esperar o fracasso é iminente. O maior problema da continuação é a perda da direção visceral do pessimista (com causa) Verhoeven, substituído por Irvin Kerschner (que pouca gente lembra ser o diretor do melhor Star Wars de todos os tempos: O Império Contra-Ataca/1980). O filme consegue ser mais sombrio que o anterior, mas falta aquela substância densa que pesava nas entrelinhas do primeiro filme. Sem tantos conflitos pessoais para lidar, Peter Weller aparece mais heroico que antes e com a mesma química de antes ao lado de Lewis. Com boa bilheteria, o filme garantiu um terceiro longa da série, onde o Policial do Futuro tinha que lidar com um grupo de sem teto de Detroit, tornando-se muito amigo de uma menina inexpressiva. O roteiro capenga do terceiro filme enfatizava a criação de Delta City, sendo Robocop com o risco de ser destruído ao ir contra o sistema. A trama era tão ruim que a direção ficou a cargo do inexpressivo Fred Dekker. Peter Weller deve ter ficado com vergonha do que estavam fazendo com a franquia milionária e deixou que Robert John Burke o substituísse, enquanto Nancy Allen tem participação inexpressiva. Com pouco para se lembrar do filme (ah, o Robocop agora voa!), a franquia foi aposentada. Vale lembrar que além dos longas, o filme gerou um desenho animado (em 1988) e uma série para a TV (em 1994 - que durou apenas quatro episódios). Até aí, todas as ideias do filme original foram diluídas.
Kinnaman: armadura sem brilho.
Fazia tempo que Hollywood queria repaginar Robocop. A vez em que isso chegou mais perto foi com Darren Aronofsky antes de Cisne Negro/2010. Mas, reza a lenda que foi José Padilha que numa conversa com produtores americanos revelou sua vontade de refilmar o clássico de 1987. Em alta com o sucesso de Tropa de Elite 2 na Terra do Tio Sam, Padilha era uma boa aposta para dar nova vida ao Policial do Futuro. No entanto, por mais que Padilha seja um bom diretor, ele não conseguiu driblar as armadilhas de repaginar uma franquia milionária. Existem pontos interessantes como dar mais destaque para a família de Murphy, ou enfatizar discursos (muito presentes no Brasil) de colocar aparato militar nas ruas, mas as ideias parecem estar no limite da diluição. A violência chocante do filme original (que era um reflexo do abandono da população à lei do olho por olho, dente por dente) é amenizada, ficando restrita às intervenções americanas no exterior. O próprio Murphy é vitima de uma explosão no quintal de casa e não mais de uma rajada de balas. Até aí, tudo bem. A coisa começa a virar água quando esperamos cenas de impacto que nunca chegam. O roteiro gasta tempo demais nos conflitos de Murphy como um homem máquina e parece esquecer de todo o resto. Joel Kinnaman (da série The Killing) consegue dar conta do personagem, mas o roteiro não o ajuda, dando voltas para chegar no mesmo lugar a todo instante. As ideias de Padilha começam a ficar pelo caminho até que o final óbvio aparece quando torna-se impossível enrolar mais a plateia nas duas horas de duração. Cenas como Murphy observando o pouco que restou de seu corpo humano ou os conflitos éticos dos cientistas envolvidos em sua criação não conseguem sustentar o filme, deixando um gosto de decepção. Percebe-se que existiam boas ideias, principalmente pelo elenco que aderiu ao projeto (Samuel L. Jackson, Gary Oldman, Jennifer Ehle, Jackie Earle Haley, Abbie Cornish...), mas todas foram diluídas nos interesses dos produtores. Os fãs de Padilha elogiaram a forma como relaciona o universo de Robocop com a política armamentista americana, politicagens e a polícia corrupta, mas vale lembrar que tudo isso estava presente no filme original, de forma mais rica e até mais moderna. Entre os detalhes que não curti estão a pintura preta no corpo de Robocop (que o faz parecer mais um uniforme do que um corpo cibernético) e o desaparecimento completo de sua parceira Anne Lewis (já que os produtores preferiram substituí-la por um homem). Se serve de consolo, o filme consegue ser melhor do que o terceiro filme da série, mas não tem força para relançar a franquia. Padilha já disse que não retorna se houver continuação - ele sabe das coisas.
Robocop - O Policial do Futuro (EUA- 1987) de Paul Verhoeven com Peter Weller, Nancy Allen, Ronny Cox e Miguel Ferrer. ☻☻☻☻
Robocop 2 (EUA-1990) de Irwin Kershner com Peter Weller, Nancy Allen, Mario Machado e John Dolittle. ☻☻☻
Robocop 3 (EUA-1993) de Fred Dekker com Robert John Burke, Nancy Allen, John Castle e Jill Hennessy. #
Robocop (EUA-2014) de José Padilha com Joel Kinnaman, Gary Oldman, Michael Keaton, Abbie Cornish, Jennifer Ehle, Jay Baruchel e Jackie Earle Haley. ☻☻