Garrell e Stacy: minha vida com Godard.
Ao longo da história o francês Jean-Luc Godard transcendeu a carreira de cineasta e passou a não apenas fazer filmes, mas a fundamentalmente pensar sobre o cinema e sua função no mundo. Seu engajamento o tornou um verdadeiro patrimônio cultural da França, embora tenha se tornado cada vez mais recluso e solitário nas últimas décadas. Nem sempre foi assim, enquanto um dos fundadores do movimento nouvelle vague, Godard foi um dos diretores mais populares do mundo, criando filmes de sucesso como Acossado (1960) e O Desprezo (1963), mas após o fiasco de A Chinesa (1967), ele passou a repensar sua carreira. Não por acaso, O Formidável aborda este período de transição do artista baseado no livro de sua segunda esposa, Anne Wiazemsky. Ao ser exibido no Festival de Cannes do ano passado o filme gerou polêmica por ser uma comédia que desconstrói uma das personalidades mais influentes do cinema mundial. Cultuado por adoradores do cinema, Godard aqui não aparece aqui um gênio, mas como um homem difícil de lidar. Tão inteligente quanto pretensioso, arrogante e temperamental, o diretor e roteirista Michel Hazanavicius mexeu num verdadeiro vespeiro quando abraçou a ótica de Anne sobre o ex-marido. Anne foi a protagonista de A Chinesa (e aqui é vivida por Stacy Martin) e viveu com ele de 1967 até 1979, período em que o diretor começou a questionar o seu papel no mundo. No filme, Godard (Louis Garrell, bem mais espontâneo que de costume) se vê bastante influenciado pelas manifestações de rua ocorridas em 1968 - mas nem sempre os manifestantes viam o trabalho dele com bons olhos. O resultado foi que o cineasta decidiu que seus filmes deveriam ser mais provocadores, vanguardistas e engajados. Para Anne, neste período foi bastante complicado conviver com Godard, que trocava cada vez mais as tiradas bem-humoradas por discursos politizados e manifestações (a cena em que o casal e seus amigos viajam por 800 quilômetros discutindo ilustra bem isso). Aos poucos ele se torna uma pessoa mais controversa e até renega seus filmes mais importantes - o que causa um verdadeiro alvoroço num evento na Itália por convite de Bernardo Bertolucci. Diante de tudo isso, o nome O Formidável soa como propaganda enganosa de fã, já que o original ("O Temível") seria bem mais coerente. Enquanto filme, o diretor do premiado O Artista (2011) decora seu filme com citações orais e visuais sobre o cineasta, funcionando sempre que a narrativa ressalta a ironia entre o que é visto e o que é dito (a melhor delas é quando o casal critica os diretores que adoram mostrar seus atores nus e os dois estão nus em cena). O que deixa o filme truncado é que o tom está sempre abaixo do necessário. Para uma comédia, ainda que francesa, o filme se leva a sério demais, o que tira um bastante da graça proposta pelo texto, assim, tudo fica brando demais. O Formidável é um filme que ajuda a entender a mente de Godard, mas poderia ser inesquecível se radicalizasse sua proposta com o mesmo destemor que seu biografado merece.
O Formidável (La Redoutable/França-2017) de Michel Hazanavicius com Louis Garrell, Stacy Martin, Bérénice Bejo, Micha Lescot, Grégory Gadebois e Marc Fraize. ☻☻☻