Jerry Maguire: a dificuldade de criar vínculos.
Ontem reencontrei Jerry Maguire na TV por assinatura e fazia um bom tempo que eu não assistia ao filme de Cameron Crowe. O filme rendeu à Tom Cruise o Globo de Ouro de melhor ator de comédia e a segunda indicação ao Oscar de sua carreira (a primeira foi por Nascido em 4 de Julho/1989 e a última por Magnólia/1999), mas entrou para a história menos por seu sucesso nas bilheterias e mais por ter se tornado o corpo estranho no Oscar de 1997. Produzido por um grande estúdio (TriStar), o filme foi o único filme não independente indicado ao prêmio da Academia daquele ano (só para lembrar, quem ganhou foi O Paciente Inglês, que ainda estava no páreo com Fargo, Segredos e Mentiras e Shine). Aquele ano foi realmente marcante, já que invariavelmente uma ou outra produção independente consegue fazer barulho até a premiação e cravar uma indicação na categoria principal (esse ano foi Philomena, ano passado foi Indomável Sonhadora... isso entre nove indicados), mas naquele ano Hollywood estava dizendo para gastarem menos e investir mais na criatividade para contar uma história. Passado 17 anos de seu lançamento, Jerry Maguire ainda é um filme fácil de se assistir, afinal, Cameron Crowe consegue ser muito melhor quando se aproxima de um universo específico (mundo grunge, mundo dos esportes, Revista Rolling Stone...) e vira sua lente para quem está nos bastidores - sempre que se distancia dessa fórmula a coisa desanda (o remake Vanilla Sky/2001, o horroroso ElizabethTown/2005, o bobinho Compramos um Zoológico/2011). No entanto, apesar de Jerry Maguire continuar o mesmo, meu olhar sobre ele mudou bastante - e cheguei a conclusão de que, por mais bem intencionado que o personagem seja, trata-se de um sujeito muito estranho. Jerry (Cruise) é um agente de esportistas que acredita que as coisas podem ser mais humanas nesse mercado com fome de grana. Namorando uma mulher ambiciosa Avery (Kelly Preston, a senhora John Travolta) e disputando atletas com colegas ardilosos como Bob Sugar (Jay Mohr), Jerry entra em seu inferno astral quando escreve um manifesto sobre suas ideias "inovadoras" para esse famigerado mercado. Acaba demitido e sendo seguido somente pela doce Dorothy Boyd (a então revelação Renée Zellweger), mãe solteira e que sempre gostou de Jerry (ainda que não fosse notada por ele). Além da companhia de Dorothy, que torna-se sua secretária, o único atleta que permanece sobre seus cuidados é o agitado Rod Tidwell (Cuba Gooding Jr., ganhador do Oscar de coadjuvante), que luta por um lugar ao sol do agressivo futebol americano enquanto a esposa (Regina King) espera seu segundo filho. É interessante como o texto (que concorreu ao Oscar de roteiro original) apresenta Jerry a partir de seu relacionamento com os outros. É verdade que ele é um sujeito de bom coração, que fala sem pensar muito o quanto parece um tolo de gestos largos e exagerados, no entanto, o roteiro deixa claro que toda essa necessidade de transformar o trabalho mais pessoal está relacionado com sua dificuldade em estabelecer intimidade com quem o cerca. Notar isso pode ter dado cabo do relacionamento com Avery e agora, parece comprometer o romance que se anuncia com Dorothy - mais motivado pelo filho da moça (o filhote nerd Jonathan Lipnicki) do que por ela mesma. Se as coisas não são fáceis para os personagens (todos tem sua história triste para contar, destaque para o círculo de mulheres mal amadas...), Crowe sempre arranja espaço para gracinhas e investe pesado no alívio cômico promovido pelo personagem de Cuba Gooding Jr - ele aparece nu, debocha dos trejeitos de Jerry, dá conselhos amorosos ao protagonista, se mete em campanhas publicitárias estranhas e inventa bordões que fizeram sucesso na época (o maior deles foi "Show me the money"). O fato é que enquanto comédia, Jerry Maguire é um drama bem água com açúcar onde o maior acerto foi a escolha do elenco. Sem Cruise, o filme poderia ter feito algum sucesso, mas nunca ter cravado indicações a prêmios (só no Oscar foram cinco, sobrando até para a montagem tradicional), ainda mais se percebermos que Jerry pode ser considerado um sujeito bastante complicado para um filme de embalagem tão ensolarada. Talvez esse apelo indie numa produção de estúdio tenha feito a diferença num ano onde o cinema, que estava a margem de Hollywood, invadia as premiações.
Jerry Maguire - A Grande Virada (Jerry Maguire - EUA/1996) de Cameron Crowe com Tom Cruise, Cuba Gooding Jr., Renee Zellwegger, Bonnie Hunt, Jonathan Lipnicki, Kelly Preston, Jay Mohr e Jerry O'Connel. ☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário