terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Na Tela: Anora

Mark e Mikey: conto de fadas às avessas.

Ani (Mikey Madison) é uma dançarina erótica que ganha a vida em uma boate. Sua avó era russa e, por conta disso, quando um jovem daquele país aparece em seu local de trabalho, ela é chamada para atendê-lo e render-lhe um pouco de... digamos, diversão. Os dois irão se encontrar várias vezes naquela semana e diante da disposição sexual dos dois, Ivan (Mark Eydelshteyn), o tal rapaz, fará a proposta de ficarem juntos por uma semana. Diante do entusiasmo da rotina compartilhada, o moço a pede em casamento e os dois se casam em Nevada. Parece um conto de fadas? Pois o roteiro pegará isso e virará do avesso quando a família do rapaz descobrir o que ele acabou de fazer e fará de tudo para desfazer o ocorrido. Destinados a resolver a pendenga, são encaminhados dois capangas e um amigo da família pra anular o casamento. O problema é que quando Ivan foge e deixa Ani na mão dos seus compatriotas, a plateia percebe que o príncipe russo encantado, pode não ser tão encantado assim. Anora  surpreendeu ao ser o premiado com a Palma de Ouro do último Festival de Cannes, primeiro por se tratar essencialmente de uma comédia e segundo porque o estilo caótico de Sean Baker não costuma agradar tanto assim os votantes de festivais. Acompanho a carreira de Baker desde que ele lançou Tangerine (2015), filme que ficou famoso por ter sido filmado com iPhone5 e ser protagonizado por duas atrizes trans. Depois ele caiu no radar do Oscar com Projeto Flórida (2017) rendendo uma indicação de coadjuvante para Willem Dafoe para depois ser totalmente ignorado por Red Rocket (2021). Embora transite pelo território da comédia, as tramas de Baker sempre carregam doses generosas de drama em torno de seus personagens, geralmente pessoas marginalizadas que enfrentam uma dificuldade particular durante a trama. A narrativa sempre flui de forma caótica, fazendo você acreditar que é uma colagem de improvisações em cenas aleatórias, mas não é nada disso. Existe muito de Robert Altman no cinema de Baker e em Anora (o nome real de Ani) isso fica ainda mais evidente com seus personagens em momentos em que todos parecem falar ao mesmo tempo. Existe ainda um tom de comédia que beira o exagero em alguns momentos envolvendo personagens que você não consideraria os mais apropriados para elas. Indicado a seis Oscars (Filme, direção, atriz, ator coadjuvante, roteiro original e montagem) o filme parecia ter perdido fôlego na temporada de prêmios, mas ao receber na mesma semana o Critics Choice, o Prêmio do Sindicato dos Produtores (PGA) e o Prêmio dos Sindicato de Diretores (DGA), o filme começou a ser apontado como o favorito ao Oscar de melhor filme. Seria uma escolha inusitada, já que o longa é bastante ousado em sua primeira meia-hora com cenas da rotina sexual dos seus personagens (e que acho um tanto extensa demais esse primeiro ato), mas aos poucos ganha o coração da plateia ao ver a protagonista tentando agarrar a chance de mudar de vida para sempre. Mikey Madison faz por merecer sua indicação aos prêmios de atuação da temporada por fazer o coração do filme entre a ilusão e a negação de sua personagem em ver que suas ambições se desfazem da mesma forma como se construíram. Também é uma delícia ver Yura Borisov ser indicado como ator coadjuvante por um papel irresistível do capanga com um coração valoroso  escondido - e confesso que sou fã do moço desde que o vi em Compartimento nº6 (2021) que tentou uma vaga de filme estrangeiro no Oscar pela Finlândia e ficou de fora. A cena dos dois que encerra o filme partiu meu coração e deve ter influenciado muita gente na hora de votar nas premiações. Anora é um conto de fadas às avessas, se constrói e desconstrói num choque de realidade que pode ser doloroso, mas também um tanto necessário para seguir em frente. Em um ano sem grandes favoritos, não deixa de ser interessante ver o cinema indie de Baker fazer bonito nas premiações. 

Anora (EUA-2024) de Sean Baker com Mikey Madison, Mark Eydelshteyn, Yura Bosisov, Lindsey Normington, Vache Tovmasyan, Luna Sofía Miranda, Karren Karagulian e Darja Nikolajewna. ☻☻☻☻

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