sexta-feira, 29 de novembro de 2013

DVD: A Seleção

Fey: esforço inútil. 

De início, A Seleção parece ser uma comédia inteligente sobre o angustiante processo de seleção que as universidades americanas submetem seus alunos todos os anos. Quem conhece sabe que o processo na Terra do Tio Sam é bem diferente do nosso vestibular, já que é levado em consideração toda a trajetória dos estudantes (especialmente as notas) e uma carta de apresentação em que deve ressaltar suas melhores habilidades. O fato de centrar a narrativa do outro lado, ou seja, dos avaliadores e não dos alunos, também soa atraente, já que faz parecer que estamos diante de uma ótica original sobre esse processo tão diferente do nosso. Coloque uma atriz com o carisma de Tina Fey como protagonista, some Paul Rudd e Lily Tomlin e a graça parece garantida sob a direção de Paul Weitz. Lá pela metade todas as suas expectativas vão para o ralo e você descobre que está diante de uma das maiores perdas de tempo do ano. O filme começa legalzinho e depois vai ficando cada vez mais chato, se perdendo numa trama que poderia ser até interessante, mas que desanda antes do que você imagina. Fey interpreta Portian Nathan, uma das responsáveis pela seleção de alunos para a Universidade de Princeton. O fato da faculdade ter caído do primeiro para os segundo lugar do ranking e a ideia de que a administração da Universidade sofrerá algumas alterações, torna o processo ainda mais estressante para a personagem. Não bastasse isso ela ainda precisa lidar com a mãe ultrafeminista (Tomlin) e um segredo do passado. O segredo aparece quando ela conhece John Pressman (Rudd), o diretor de uma escola rural, instituição que tentará pela primeira vez uma vaga em Princeton. O melhor candidato à vaga é Junior Lafont (Ben Levin), que Pressman acredita ser filho de Portian. Não vou nem perder meu tempo aprofundando a antiética ou o senso de oportunismo dos personagens envolvidos no processo, já que o roteiro ignora esses fatores quase que completamente. Também acho que chutar o politicamente correto faz muito bem para uma comédia, mas A Seleção vai do nada ao lugar algum. Existem tantos pontos a serem desenvolvidos (a atração de Portian por Pressman, o fato dela ter sido largada pelo noivo vivido por Michael Sheen, o sentimento maternal da personagem, culpa...) que o diretor Weitz aparece perdido mais uma vez com os elementos que tem em mãos. Tina Fey se esforça, mas o filme torna-se cada vez mais aguado diante dos nossos olhos, ao ponto que nada do que acontece desperta muito interesse. Nem adianta usar o recurso de materializar os alunos durante as análises de currículo, tão pouco o momento em que Portian tem sua ética corroída de vez e compromete sua carreira... até esse momento, nosso interesse já adormeceu. Penso que há dois aspectos que comprometem todo o filme, o primeiro é o jovem Ben Levin, em momento algum ele parece ser o garoto genial e adorável que o roteiro quer nos fazer acreditar, pelo contrário, sua apatia faz tudo parecer um golpe em cima da protagonista. Outro ponto é a direção de Weitz que parece cada vez mais desanimado. Ele já fizera isso em A Família Flynn (2012) e agora repete aqui e vou apelar mais uma vez: ESQUEÇA O EGO E VOLTE A FAZER FILMES COM O SEU IRMÃO, CHRIS WEITZ! Quando a dobradinha de vocês funcionou em Um Grande Garoto (2002) vocês simplesmente se separaram, por quê? Os Coen deveriam ter uma conversinha com esses dois, assim seríamos poupados de soníferos como A Seleção. 

A Seleção (Admission/EUA-2013) de Paul Weitz com Tina Fey, Paul Rudd, Lily Tomlin, Martin Sheen e Ben Levin.

DVD: No

Bernal: o poder da imagem e do discurso. 

Indicado ao Oscar de filme estrangeiro em 2013, No surpreendeu até seu diretor que considerava a situação ridícula, já que não via seu filme com cara de Oscar. Na época, eu ainda não havia assistido o filme e pensei ter entendido o que ele quis dizer. Imaginei que fosse uma dessas produções moderninhas, cheia de recursos narrativos que muitas vezes parece mais confuso do que eficiente na hora de contar a história. Quando assisti ao filme cheguei à conclusão de que não havia motivo da surpresa do diretor Pablo Larraín (diretor do estranho Tony Manero/2008), já que No é de uma eficiência ímpar ao contar a história do plebiscito armado por Augusto Pinochet para legitimar sua ditadura no Chile. Tive a ideia ruim de que Larraín quis cuspir no prato que comia, já que produz e dirige uma série bem sucedida da HBO (a badalada Prófugos) e assinou uma produção dirigida por Abel Ferrara estrelada por Willem Dafoe (4:44 - O Fim do Mundo/2011), ou seja, tem algum cacife e amigos em Hollywood para perceberem e divulgarem as qualidades do seu trabalho. Melhor achar que era só falsa modéstia. Talvez o diretor temesse à estética granulada da fotografia, que lhe confere uma estética bastante diferente dos filmes convencionais, mas essa ideia seria incoerente, já que confere ao longa uma identidade estilística ainda mais forte e bastante coerente com a época em que a história acontece. Ambientado em 1988, o roteiro conta a história do jovem publicitário René Saavedra (Gael Garcia Bernal) que é contratado pelos militantes da oposição ao governo Pinochet para auxiliar na campanha do Não, ou seja, do grupo que não queria que Pinochet continuasse o seu governo com desaparecimentos políticos, opressão e censura. Mal sabia René, que seu patrão seria um dos cérebros por trás da campanha do Sim - que exaltava a industrialização do país e o estabelecimento de um padrão de vida inspirado pelo american way of life - em que o consumo tentava disfarçar todos os problemas que o país enfrentava (isso me lembra alguma coisa...). Chega a ser exaustiva a quantidade de informações que Larraín apresenta para mostrar as campanhas pautadas nos dois pontos de vista distintos. É interessante que durante a campanha, podemos perceber uma mudança no próprio olhar do protagonista, ele mesmo um exilado (depois que o pai foi perseguido no México, a família mudou-se para o Chile). Nos primeiros comerciais, René é pura linguagem publicitária, com ideias que não agradam o grupo político para que trabalha com jingles, sorrisos e modelos que possuem pouca relação com a maioria da população chilena. Esse ponto de mudança é marcado pela ex-esposa do personagem, uma militante que vive tendo problemas com a polícia. Aos poucos, o filme desvenda como eram traçadas as estratégias de ambas as campanhas, o uso do humor, da censura, dos formadores de opinião, dos artistas e esclarece como todas aquelas ações serviram para tornar legítimo um referendo idealizado para ser uma grande mentira. Utilizando uma tensão político-narrativa que era muito comum nos filmes da década de 1970 e algum toque de humor (e que fez a glória de Argo/2012), No consegue ser bastante elaborado em suas intenções e explica um pouco da história que não lemos nos livros escolares. Além da história, que é em si bastante interessante, o filme ainda nos faz pensar sobre o poder das imagens e do discurso da/na mídia (mesmo na cena final, onde vende-se a imagem de um Chile glamouroso pós-referendo) e como um ditador para permanecer na mídia não depende apenas da vontade dele, mas também de um grupo da população que se beneficia e legitima o regime autoritário. 

No (Chile/2012) de Pablo Larraínn com Gael Garcia Bernal, Alfredo Castro, Luiz Gnecco, Antonia Zeggers, Pascal Montero. ☻☻☻☻

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

FILMED+: O Impostor

A agente do FBI e Barclay (?): sobre a arte de enganar-se.

Acho interessante como muitas pessoas ainda têm preconceito com documentários, alguns chegam a perguntar "é documentário ou é filme de verdade"? Como assim? O Documentário é um gênero como qualquer outro, ou seja, para ser bom, depende apenas da qualidade com que é realizado. Se você curte documentários já deve ter ouvido falar desse elogiado O Impostor, se nunca ouviu falar, acredite, você poderá gostar ainda mais. A história do filme é tão fantástica e absurda que durante todo o tempo eu imaginei que fosse tudo uma grande armação do diretor Bart Layton, uma espécie de thriller realizado da mesma forma como Sacha Baron Coen fez Borat (2006). Se é verdade ou não, vou deixar você descobrir no tempo que preferir, mas posso dizer que Layton faz um dos melhores documentários dos últimos anos a partir do desaparecimento de um garoto de 16 anos no Texas. Após três anos procurando informações sobre o menino, a família recebe uma ligação dizendo que ele foi encontrado e, a partir daí, o filme se torna uma grande surpresa. A partir de uma ligação anônima conhecemos um homem que admite gostar de assumir a identidade de outras pessoas. Disfarçado como um adolescente, ele é levado para um abrigo e para sair da lá entra em contato com autoridades, não demora muito para que ele se passe por Nicholas Barclay, desaparecido aos 16 anos. Detalhe: o homem está na Espanha e não possui nada em comum com o menino. Preso em sua própria farsa, ele entrará em contato com a família do menino e, miraculosamente, será aceito como o verdadeiro Nicholas Barclay. Conforme a trama avança, somos imersos num jogo de informações que nunca sabemos se são verdadeiras ou não, as histórias do impostor envolvem tráfico de crianças, líquidos que modificam a cor dos olhos, abusos variados entre outras coisas. São tantas informações, tantos dados que até o FBI tinha dúvidas sobre o que ele dizia. No entanto, é o acolhimento da família que afasta qualquer suspeita sobre a identidade do impostor. Mas afinal de contas, quem é o Impostor? Por que a família o aceitou com tanta devoção? Essas são algumas questões que prendem a plateia até o final. Layton faz um filme genial por subverter nossa ideia do que se trata o filme, logo de início, deixa claro que estamos diante de um farsante, para depois mostrar um mecanismo muito mais complexo: um jogo entre verdade e mentira. Impressões são construídas, destruídas, reconstruídas e desconstruídas diante das entrevistas da família Barclay e do impostor, numa edição brilhante que funde cenas de arquivo com outras utilizando atores, o que torna o filme numa junção perfeita de imagens e sons. Os pequenos trechos onde examinamos as impressões dos envolvidos no caso podem ser mais reveladores do que os diálogos e você não precisa sentir-se estranho se perceber um arrepio quando a narrativa dá uma guinada surpreendente perto do final. O Impostor é uma obra magnífica por revelar bastante sobre a complexidade dos laços humanos, especialmente como isso influencia a vontade de acreditar em verdades ou mentiras. A habilidade com que o diretor conta sua história lhe valeu o BAFTA de diretor revelação e uma indicação ao prêmio de melhor documentário. Simplesmente, um trabalho excepcional que (infelizmente) não estreou em nossos cinemas. 

O Impostor (The Imposter/Reino Unido - 2012) de Bart Layton com Frederic Bourdin, Adam O'Brien, Carey Gibson, Ken Appledorn e Anna Ruben. ☻☻☻☻☻

DVD: Histeria

Pryce, Everett e Dancy: criando aparelho revolucionário. 

Considerado o brinquedinho sexual favorito em todo o mundo, eu não fazia ideia que a invenção do vibrador havia acontecido de forma acidental. A diretora americana Tania Wexler resolveu contar essa história curiosa ambientada na Inglaterra vitoriana, especificamente no ano de 1880. Perto do século XX, o título faz referência à uma patologia que há tempos é associada à irritabilidade feminina. Diagnóstico de histeria é uma  coisa rara desde 1960, mas na época em que acontece a história do filme era bastante comum. Embora os nomes dos personagens sejam fictícios, a história do apetrecho aconteceu de forma semelhante. No entanto, lá pelo meio da sessão, você percebe que o filme desvia o foco, seja para o casal protagonista ou para o papel da mulher na sociedade da época. Mortimer Granville (Hugh Dancy) é um jovem médico incompreendido, adepto da assepsia e da existência dos germes, seus métodos são considerados caros e desnecessários para a época. Ele acaba trabalhando com Dr. Robert, um ginecologista, e se torna o doutor favorito das senhoras da região pela, digamos, habilidade em seus exames. Com o novo trabalho, Granville conhece as filhas de Robert, a meiga Emily (Felicity Jones) e a aguerrida Charlotte (Maggie Gyllenhaal). Enquanto Emily ajuda o pai em seus estudos sobre avaliação do formato de cabeças humanas (?!), ela ajuda nos afazeres de casa e parece a esposa perfeita para o jovem médico, a Charlotte é vista como rebelde - trabalha num centro de assistência social ajudando os proletários, participa de movimentos sufragistas e critica todo mundo que não percebe que o mundo está em transformação. É verdade que ela e Granville tem muitas afinidades, mas o roteiro prefere colocar os dois brigando durante a sessão. Entre os personagens está o inventor Edmund (Rupert Everett, cuja barba atenua o efeito da passagem do tempo com cirurgias plásticas que o deixaram bem diferente do amigo gay de Julia Roberts em O Casamento do Meu Melhor Amigo/1997). Edmund divide o apartamento com Granville e tenta inventar um revolucionário espanador, que, após massagear uma cãibra na mão de Granville terá outro destino. É desse jeito quase por acaso que inventa-se o tal brinquedinho - já que o jovem doutor chega à conclusão que o efeito massageador pode ajudar as mulheres irritadas do consultório ginecológico. Wexler decora seu filme com toques de feminismo através da personagem Charlotte e acaba deixando o apetrecho em segundo plano. Ao invés de fazer um filme apimentado, ela prefere fazer uma comédia romântica simpática, ainda que previsível. É bem realizado, mas quem espera um filme escandaloso irá se surpreender com a sexualidade brejeira e inofensiva do filme - mas sua reflexão sobre a insatisfação sexual ainda pareça atual como o objeto inventado.

Histeria (Hysteria / Reino Unido - França - Alemanha/2011) de Tania Wexler com Hugh Dancy, Maggie Gyllenhaall, Felicity Jones, Jonathan Pryce e Rupert Everett. ☻☻☻

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

CATÁLOGO: Vigaristas

Ruffalo, Kikuchi e Adrien: perdendo a noção entre os golpes e a vida real. 

Eu admito, foi preconceito o que me fez demorar tanto para ver esse segundo filme de Ryan Johnson. Celebrado por sua estreia em A Ponta de Um Crime (2005) - um noir moderno ambientado numa escola americana - Johnson demorou três anos para realizar seu segundo longa metragem. A comédia Vigaristas é bem diferente do seu filme anterior - e o elenco com dois ganhadores de Oscar (Adrien Brody e Rachel Weisz) e uma indicada à estatueta (Rinko Kikuchi de Babel/2006 que gasta mais o tempo em produções orientais) mostram que o cineasta ganhou prestígio em Hollywood. Ainda que exista violência, golpes e reviravoltas o filme é em sua essência uma comédia romântica, ainda que pouco convencional. O início chega a lembrar as obras de Wes Anderson quando narra a infância conturbada dos irmãos Bloom - órfãos criados pulando de lar em lar (num total de 38 famílias adotivas). O filme não perde tempo com muitos detalhes, só deixa claro que desde pequenos a arte do trambique corria na veia dos manos. Crescidos, Stephen (Mark Ruffallo) e Bloom Jr. (Adrien Brody) tornaram seus golpes mais elaborados, se tornando profissionais no ramo, ao lado da silenciosa comparsa Bang Bang (Kikuchi, numa participação pequena, charmosa e divertida). Tudo é motivo de piadas espertas no roteiro, o interesse constante de Bloom pelos seus alvos do sexo feminino, o passado misterioso de Bang Bang e os outros trambiqueiros esquisitos que vão aparecendo pelo caminho. O roteiro gira em torno do golpe que armam para a milionária excêntrica Penelope (Rachel Weisz). Vivendo isolada numa mansão, Penelope ocupa seu tempo com inúmeros hobbys (de fotografia, passando por origami até malabarismo com serras elétricas) quando na verdade deveria aprender a dirigir seu carrão. Como era de se esperar, Bloom se apaixona por ela e a recíproca é verdadeira.  Quando você pensa que o filme vai seguir o caminho de tantos outros do gênero, o roteiro surpreende ao deixar Penelope animada com a possibilidade de se tornar uma contrabandista junto com o trio. Aos poucos, a personagem se mostra mais excêntrica do que deveria, instigando o hesitante Bloom a continuar a viver aventuras na contravenção. No decorrer da história, o filme traz várias reviravoltas e o espectador, assim como os personagens, perdem a noção do que é golpe e o que é real. Aqui, Johnson deixa evidente que sabe muito bem escolher os atores ideais para seus filmes, até porque, gostando de assinar suas tramas elaboradas, ele parece ter o dom de saber quem é capaz de tornar seus personagens mais interessantes do que possam parecer. Assim, todos tem seus bons momentos (apesar de Weisz não me convencer muito como ricaça ingênua, já que a proximidade dos quarenta já lhe torna um tanto inadequada para o papel), gostei muito de Adrien Brody (ainda não entendo porque um ator tão talentoso é tão pouco aproveitado em Hollywood, me recuso a acreditar que é por causa do nariz!) que exala um bom mocismo insuspeito em cada cena. O filme, pouco celebrado em seu lançamento (custou cerca de 20 milhões e arrecadou pouco mais de 3 milhões nos EUA), Vigaristas pode ser lembrado futuramente como um dos fracassos mais injustos do século XXI. O ritmo nervosinho e as piadas que parecem saídas de um cartoon dão ao filme um estilo incomum (que alguns podem achar bobo) e garante a diversão de quem está cansado de comédias de baixaria.  Depois da bilheteria problemática o diretor deixou a comédia e fez sucesso com o recente Looper (2012). Desculpe pelo preconceito de outrora, Rian!

Vigaristas (The Brothers Bloom/EUA-2008) de Rian Johnson com Adrien Brody, Mark Ruffallo, Rachel Weisz, Rinko Kikuchi, Robbie Coltrane, Maximilian Schell, Max Records e Noah Segan. ☻☻☻

APOSTAS PARA O OSCAR 2014 - CAPÍTULO IV: CAPÍTULO FINAL

Saving Mr. Banks
Filmes que costumam revisitar a produção dos clássicos do cinema costumam dividir opiniões, costumam ser benevolentes demais ou acabam perdendo os seus personagens pelo meio do caminho, será que John Lee Hancock irá conseguir emplacar seu longa entre os favoritos ao Oscar 2014? O filme sobre os bastidores da produção de Mary Poppins conta com Tom Hanks na pele de Walt Disney e Emma Thompson na pele da escritora P.L. Travers (criadora da personagem vivida por Julie Andrews). O filme pode agradar por ser um tributo terno ao legado de Walt Disney. 

O Conselheiro do Crime (The Conselour)
Já em cartaz no Brasil, o longa dirigido por Ridley Scott recebeu severas críticas por utilizar um elenco talentoso para defender um roteiro fraco em fogo brando. A trama sobre ganância motivando a criminalidade traz Michael Fassbender na pele do sujeito que descobre ser menos esperto do que pensava da pior forma possível. Em seu caminho está o casal de bandidos vivido por Javier Bardem e Cameron Diaz (que pode cravar sua primeira indicação como a maior vilã da trama). Conclusão: alguém do elenco deve salvar o filme do esquecimento.  

Fruitvale Station
Premiado em Cannes (com o prêmio da mostra paralela Un Certain Regard) e em Sundance, o filme já soma dez prêmios pré-temporada de ouro - e isso aumenta consideravelmente suas chances de se consagrar neste fim de ano. Contando a história real de Oscar Grant (Michael B. Jordan) um jovem de 22 anos que decide ser uma pessoa melhor no último dia de 2008, mas o encontro com alguns policiais pode modificar suas percepções sobre si mesmo. Dirigido por Ryan Coogler, o filme conta ainda com uma forte atuação de Octavia Spencer na pele da mãe de Oscar. O problema do filme é o seu maior mérito: o conteúdo de crítica social (já que a Academia costuma rejeitar polêmicas).

The Monuments Men
A Academia adora George Clooney, por isso mesmo, seu novo longa na direção não deve ser esquecido. O filme mostra um grupo de historiadores de arte que durante a Segunda Guerra Mundial tenta resgatar importantes obras de arte antes que Hitler as destrua. Com um elenco estelar (Clooney, Jean Dujardin, John Goodman e Matt Damon) o que pode comprometer é o tom cômico da produção e as comparações com Bastardos Inglórios de Tarantino. Mas nunca subestime o poder de George Clooney com um elenco desse nas mãos. 

Refém da Paixão (Labor Day)
Quem também ganha forças para voltar ao páreo é Kate Winslet. Com as boas críticas que o novo filme de Jason Reitman vem colhendo, sua interpretação como dona de casa insatisfeita que se envolve com um homem suspeito (Josh Brolin) a que resolveu dar carona num dia qualquer. O encontro fará a dona de casa repensar nos rumos de sua vida. Parece que depois das severas críticas recebidas em seus filmes anteriores, Reitman resolveu mudar o tom para um drama romântico que pode cair no gosto das premiações - e ter uma atriz do porte de Kate em mãos faz a diferença.

Mandela: Long Walk to Freedom
A vida de Nelson Mandela deve impulsionar ainda mais esse longa estrelado por Idris Elba  e Naomie Harris. Dirigido por Justin Chadwick o filme conta a história de Mandela desde os tempos em que era um menino numa vila rural, até a vida adulta em que luta pelo fim do Apartheid, que perdurou na África do Sul por vários governantes do ano de 1948 até 1994. Na corrida da temporada de ouro, a avassaladora atuação de Idris Elba deve ser lembrada pela Academia.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

DVD: Somos o que Somos

Os manos: tabus e verniz de crítica social. 

Recentemente vi esse filme de terror mexicano e não fazia a mínima ideia que iria estrear a versão americana nessa sexta-feira nos cinemas brasileiros. Da versão americana realizada pelo diretor Jim Mickle eu só vi o trailer e pude perceber algumas diferenças (a atmosfera mais policial, a mudança do sexo dos personagens e a ausência de crítica social presente no original), fiquei curioso, mas vale a pena conferir o original antes de encarar o remake. O canibalismo é um tema que se bem aproveitado pode gerar bons arrepios (Silêncio dos Inocentes/1991) ou apenas nojo (Hannibal/2001), mas a ideia do diretor Jorge Michel Grau era mesclar o tabu com doses de drama sobre uma família aparentemente comum. Quando o patriarca da família morre de forma misteriosa, a esposa e os três filhos ficam preocupados com o rumo que a família deve tomar. De início pensamos que trata-se do medo de como a família terá que lidar com a ausência de quem promove o sustento da casa, mas a situação é bem mais complicada. A mãe vive reclamando do envolvimento do falecido com prostitutas e os filhos vivem em conflito pela responsabilidade que agora devem abraçar. Demora um pouco para que nos demos conta de que os receios da família residem no fato de que estamos diante de uma família de canibais, sendo adeptos de um tipo de ritual onde precisam colocar a carne humana na mesa. Com a morte do pai, a responsabilidade parece cair sobre os ombros hesitantes de Alfredo (Francisco Barreiro), que precisa lidar com a histeria do luto da mãe, com a intransigência da irmã (Adrián Aguirre) e a agressividade do irmão caçula (Alan Chavéz). As discussões para o novo arranjo dos papéis dentro da casa são constantes e a tendência é piorar quando a comida torna-se escassa. Além do horror que cresce sutilmente, não é por acaso que o roteiro escolhe o menu da família. Prostitutas, crianças de rua e homossexuais aparecem como as alternativas ideais para que a família não levante suspeitas das autoridades (chega a ser cômica a cena dos policiais conversando com os legistas não se interessam nem um pouco pelo que anda acontecendo na vizinhança). Além desse verniz social, o cardápio dos personagens ainda revela um bocado sobre os desejos de seus personagens, especialmente de Alfredo que sabe da impossibilidade de satisfazer seu real apetite quando precisa ser o macho provedor da família. A revelação de suas preferências irá comprometer a tradição da família. Essas incompatibilidades entre as tradições e os anseios de cada membro da família torna a história mais interessante. Vale ressaltar a habilidade com que o filme consegue mais sugerir do que expor suas feridas durante a sessão - até o inevitável momento em que o desespero domina seus personagens. Sua parte final é de perder o fôlego e seu desfecho consegue ser ainda mais arrepiante com o auxílio da excelente trilha sonora de Enrico Chapela. Dramático, denso e nada indigesto, Somos o Que Somos é um dos filmes de horror mais inventivos dos últimos anos. 

Somos o Que Somos (Somos Lo Que Hay/México-2010) de Jorge Michel Grau com Francisco Barreiro, Adrián Aguirre, Miriam Balderas, Alan Chávez e Daniel Giménez Cacho. ☻☻☻☻

DVD: Paz, Amor e Muito Mais

A Grande Família em Woodstock: cadê o muito mais?

Os anos em que Jane Fonda ganhou seus Oscars deixam claro o tempo em que a atriz era musa em Hollywood. O primeiro ela recebeu em 1972 como a prostituta de Klute - O Passado Condena e o segundo por Amargo Regresso em 1979. No currículo a atriz obteve outras cinco indicações ao careca dourado. Depois de atuar ao lado de Robert DeNiro em Stanley & Iris (1990) a atriz resolveu dar uma longa pausa na carreira, retornando às telas em 2005 na comédia A Sogra ao lado de Jennifer Lopez. Ainda atraente e divertida, a personagem era uma espécie de brincadeira com a imagem de diva que a atriz ostenta ainda hoje - sem falar que vê-la espinafrando Jennifer Lopez era divertido. A segunda brincadeira não foi tão legal Ela É A Poderosa (2007) já parecia sem muito fôlego. E Se Vivessemos Todos Juntos (2011) também valia mais pelo elemento nostálgico do que pelos méritos do filme em si. Houve quem ficasse animado quando ela se juntou ao veterano Bruce Beresford (Conduzindo Miss Daisy/1989), mas o sinal vermelho soou assim que o filme estreou. Não que Paz, Amor e Muito Mais seja um filme ruim, mas ele nunca aprofunda os seus temas, tudo é superficial ao ponto de até as risadas serem brandas. O que torna a experiência ainda mais decepcionante é que o filme conseguiu juntar um grupo de bons atores que se esforçam para tirar o filme do ponto morto. O filme parte da crise no casamento de Diane (Catherine Keeener), advogada bem sucedida que diante do desmoronamento do lar, parte com os filhos (Elizabeth Olsen e Natt Wolff) para a casa da mãe, Grace (Jane Fonda), seria uma história como tantas outras se a matrona não morasse em Woodstock e vestisse totalmente  o papel de hippie que parou no tempo. É até engraçado ver a chegada da certinha Diane ao lar da mamãe, dando para perceber porque elas ficaram sem contato por tanto tempo. Sabe a história dos pais caretas que costumam ter filhos certinhos? É por aí. Da mesma forma, os filhos de Diane sentem-se atraídos por aquele ambiente em que Grace parece ser um símbolo vivo do movimento hippie. Existem várias piadinhas pontuais sobre conflitos entre os membros da família e todo mundo terá sua chance de arrumar um par. A neta natureba irá se apaixonar por um açougueiro com cara de modelo (Chace Crawford), o neto com pretensões de cineasta gostará de uma jovem riponga e até Diane irá se envolver com um marceneiro romântico (Jeffrey Dean Morgan). As gracinhas acontecem com algumas briguinhas no caminho e no final você sabe que tudo irá se resolver da melhor forma possível no roteiro previsível e água com açúcar. Desde o seu retorno à telona, Grace é o papel mais sem graça de Jane Fonda. Sua personagem nunca se concretiza, se configurando mais como um acessório para a narrativa do que propriamente um sujeito da história. Além disso, a direção de Beresford não se arrisca no formato de filme família com toques melodramáticos (maconha? Ah, vai, todo filme independente tem cena com baseado...). Apesar do esforço do elenco e da aura simpática o filme fica devendo o "muito mais" que anuncia. Tudo é bastante convencional, previsível e esquecível. Pelo menos Fonda anda se dedicando à prestigiada série The Newsroom da HBO. Saudades de Barbarella...

Paz, Amor e Muito Mais (Peace, Love & Misunderstanding - 2011) de Bruce Beresford com Jane Fonda, Cahterine Keener, Jeffrey Dean Morgan, Elizabeth Olsen, Chace Crawford e Kyle MacLachlan. ☻☻

terça-feira, 19 de novembro de 2013

DVD: O Melhor Pai do Mundo

O insuportábel Kyle e o pai: comédia pessimista. 

Filmes sobre grandes mentiras podem ser muito bons se o roteirista não se achar mais esperto que os personagens e conseguir levar a farsa até as últimas consequências. Em O Melhor Pai do Mundo o diretor e roteirista Bobcat Goldthwait esbanja boas ideias, mas também subestima  a inteligência de seu articulado protagonista. Parece um problema pequeno, mas ele acaba comprometendo a composição de Lance (Robin Williams), um bom sujeito capaz de criar uma grande farsa sobre a morte de seu filho, mas tolo o suficiente para não perceber que o garoto era o adolescente mais insuportável que já apareceu numa tela de cinema e que a mulher que ama é uma pilantra. Talvez Lance finja não perceber as coisas que o incomoda porque alguns fatos quando são falados incomodam mais ainda, mas até quando essa sua acomodação artificial irá funcionar? Lance é um professor que deve se contentar com suas aulas de poesia com poucos alunos medíocres, além disso, escreve romances que nunca são publicados e precisa lidar com Kyle, o filho adolescente que só pensa em pornografia. Durante o filme Lance não consegue estabelecer um diálogo com o herdeiro, ele apenas fala, mas o garoto não está nem aí para o que ele diz. Quando os dois parecem estabelecer algum vínculo, uma das taras do jovem acaba causando um suicídio involuntário. Desesperado, Lance modifica a cena da morte para que seja percebido como um caso típico de adolescente suicida incompreendido. Lance escreve uma carta de despedida e já estaria satisfeito se as pessoas não descobrissem como o garoto morreu de verdade. O problema é que as poucas palavras presentes na carta tornam Kyle numa espécie de ícone da escola. Os colegas que antes o ignoravam o percebem como uma espécie de herói, capaz de inspirá-los a mudar o rumo de suas vidas. Os professores se surpreendem como um menino tão desagradável podia ter uma alma tão sensível e profunda e Lance começa a alimentar essas impressões alheias, numa mentira que cresce desordenadamente como uma grande bolha - com direito à publicação do diário de Kyle (escrito pelo próprio Lance), entrevistas e aparições em programas de TV. Apesar do humor negro, Goldthwait parece fazer questão de deixar a vida de seu protagonista bastante amarga, especialmente quando temos que aturar a oportunista namorada de Lance que não convence durante o andamento da história (a culpa nem é da atriz Alexie Gilmore, é que o personagem está sobrando desde a sua concepção), esse é um aspecto pequeno, mas que incomoda. Se tivesse os personagens coadjuvantes mais lapidados o filme poderia render muito mais (em determinados momentos todos parecem alienados por uma espécie de hipsnotismo coletivo, o que artificializa as questões que o diretor parece querer aprofundar).  O filme recebeu alguma atenção da crítica por ter sido produzido por Richard Kelly (do culturado Donnie Darko/2001), mas foi um grande fracasso nas bilheterias - o que pode ser resultado de sua visão pessimista sobre a humanidade. No caminho de Lance parece se salvar apenas a vizinha fã de zumbis e o melhor amigo de Kyle, o carente emocional Andrew (Evan Martin), o resto é só um bando de aproveitadores. Acho que essa visão um tanto unidimensional dos personagens é o que engessa as boas ideias do filme.

O Melhor Pai do Mundo (World's Greatest Dad/EUA-2009) de Bobcat Goldthwait com Robin Williams, Daryl Sabara, Alexie Gimore, Evan Martin e Henry Simons. ☻☻☻

DVD: Quase um Anjo

Shirley e Black: a megera e o queridinho da cidade. 

Não sou grande fã do diretor Richard Linklater, mas gosto muito quando ele investe em comédias espertas, principalmente se for ao lado de Jack Black. Jack também é outro, geralmente seu estilo de atuar soa exagerado e parece mais cansativo do que engraçado, mas ao lado do diretor seu estilo casa perfeitamente com os personagens que lhe são oferecidos. Foi assim com Escola de Rock/2003 onde ensinava um grupo de guris o efeito moral que o bom e velho rock'n roll é capaz de provocar. Com esse Quase um Anjo a química entre ator e diretor funciona mais uma vez numa história completamente diferente. Além disso, mais uma vez, a pecha de "baseado numa história real" serve para afastar o descrédito da história em torno do polêmico Bernie Tiede, um sujeito que trabalhava preparando os mortos para o funeral, envolvia-se em eventos religiosos, obituários em programas de rádio, eventos comunitários e tornou-se muito querido por todos na pequena cidade de Carthage, no Texas. Conhecido por ser uma pessoa agradável e prestativa, Bernie tem sua personalidade esmiuçada pelos vários personagens que prestam seus depoimentos para a câmera, numa estética documental que permanece até quando o personagem encontra sua antítese pelo caminho, a rabugenta Marjorie Nugent (a grande Shirley MacLaine). Marjorie ganhava a vida atrapalhando os pedidos de empréstimo que seu marido recebia - por essa e por outras mesquinharias era a pessoa mais odiada da cidade (tanto que em um dos depoimentos uma personagem diz que conhecia gente que a mataria por cinco dólares!). Odiada até pelos parentes (que chegaram a processá-la), a vida de Marjorie muda quando o esposo morre e Bernie cruza-lhe o caminho. A medida que cresce a afinidade entre os dois, Marjorie parece menos amiga e mais proprietária de Bernie. Aos poucos ele ocupa todos os cargos da criadagem da casa e os depoimentos deixam bem claro que não há nada de sexual entre o relacionamento dos dois., mas um caso de interdependência. Conforme Marjorie torna-se mais megera e possessiva, Bernie (um sujeito incapaz de brigar com alguém) tem um surto e acarreta um dos julgamentos mais interessantes dos EUA, já que, querido por toda a cidade, as pessoas não acreditavam que ele havia cometido um crime (mesmo ele tendo confessado sem grandes pressões). Talvez, se não aparecesse em seu caminho um promotor louco para se promover (vivido por Matthew McConaghey com todos os trejeitos que só um texano legítimo é capaz de reproduzir) as coisas tivessem outro desfecho. Linklater constrói uma narrativa brilhante dentro da proposta que oferece ao público, desenvolve a trama calmamente, revelando as nuances dos personagens numa envolvente atmosfera de humor negro (onde um bocado de pré-conceitos serão importantes para o desfecho). Se MacLaine de expressão quase única já funciona, sua química com Jack Black (com seu estilo quase infantil) alcança ótimos momentos no contraste entre os dois personagens tão diferentes. As cenas de Bernie desesperado, mostram o quanto Black está imerso no personagem (ele foi indicado ao Globo de Ouro pelo papel) e ajuda o filme em sua ambiguidade quase cínica sobre a forma como somos tendenciosos em nossos julgamentos. 

Quase um Anjo (Bernie/EUA-2012) de Richard Linklater com Jack Black, Shirley MacLaine, Matthew McConaghey e Richard Robichaux. ☻☻☻☻

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

DVD: O Que Traz Boas Novas

Alice e Lazhar: refletindo sobre a morte. 

Apesar de todos os problemas que afetam a educação eu ainda considero que o trabalho em uma escola tem uma magia que nenhum outro espaço pode proporcionar. Acho fascinante perceber as identidades dos alunos sendo construídas e a forma como professores e alunos podem influenciar essa construção de forma positiva (e até negativa). Talvez por perceber a escola como um espaço de construção, as primeiras cenas de O Que Traz Boas Novas tenha me deixado tão chocado. O filme não tem floreios ao mostrar os efeitos do suicídio de uma professora dentro do espaço escolar, especialmente quando a estratégia é evitar falar sobre o assunto. É como se todo aquele ambiente que parece seguro e de regras tão claras fossem destruídas no mesmo instante. Talvez isso seja um reflexo da própria sociedade, sempre com dificuldades em lidar com as perdas, que são consideradas como verdadeiras derrotas. Essa lógica tão presente em nossa sociedade ocidental recebe um olhar diferenciado no filme quando aparece o argelino Bachir Lazhar (Mohamed Fellag) para assumir a turma da finada professora. É verdade que existe um choque quando o professor aparece no universo dominado por mulheres, aumenta ainda mais esse efeito a visão mais conservadora sobre a educação. Cadeiras enfileiradas? Balzac para crianças? Cascudo? Aos poucos os alunos aprendem a lidar com esse professor diferente, ao mesmo tempo que ele aprende a lidar com seus pupilos. O mais interessante no elogiado filme de Phillippe Falardeau é como ele mostra uma escola um tanto engessada, mesmo em sua prática pedagógica progressiva. Mais do que pelo suicídio (que parece assombrar mais os adultos do que as crianças), um ambiente tão repleto de emoções aparece sufocando-as com a proibição de contato físico  (abraços estão terminantemente proibidos) e de abordar assuntos que incomodam. O diálogo sobre a morte parece exclusividade da psicóloga, que nunca conversa muito bem com Lazhar sobre a forma como os alunos estão lidando com a situação. Na classe de Lazhar dois alunos merecem destaques, a madura Alice (Sophie Nélisse) e o provocador Simon (Émilien Néron), ambos parecem dividir um segredo sobre os acontecimentos que precederam o suicídio da professora (além de serem os únicos alunos que viram o corpo antes de ser retirado do local). Esses, sobretudo, sentem o benefício do olhar estrangeiro do novo mestre, especialmente na forma como ele os ajuda, dentro dos meios possíveis a lidar com a perda da professora de forma tão repentina. Talvez por ter sido casado com uma professora e ter sua própria cota de dramas pessoais (que inclui a busca pela autorização de morar no Canadá), Lazhar veja na escola um espaço quase sagrado. A catártica cena em que Simon desabafa sobre sua culpa é um bom exemplo disso. Negando a sala de aula como um espaço para "transbordar seu desespero", Lazhar com todo o o seu conservadorismo parece o porto seguro, uma rocha sólida em que as crianças podem se apoiar enquanto esperam as nuvens pesadas se afastarem da escola. Não se trata de um discurso pró-conservador sobre educação, mas como a personalidade de um professor influência no desenvolvimento de uma classe. A direção de Falardeau é precisa. Sem excessos, nos torna observadores daquele universo, nos aproxima do olhar de Lazhar sobre aquela nova cultura (acha um absurdo as crianças terem que aprender duas línguas simultaneamente) e as pequenas violências daquele espaço. Além disso, o filme nos assusta com as atuações vigorosas dos pequenos Sophie e Émilien diante da morte como um tabu. Extremamente terno, O Que Traz Boas Novas (o significado do nome do professor) é uma pequena obra-prima que merece seu lugar entre melhores filmes sobre a relação entre professores e alunos, talvez por isso tenha sido indicado a vários prêmios, incluindo o Oscar de filme estrangeiro em 2012 (o qual perdeu para Separação ao lado de Bullhead e Nota de Rodapé). O filme nos faz pensar mais do que na educação, mas na forma como as relações humanas podem ser formativas.

O Que Traz Boas Novas (Monsieur Lazhar/Canadá-2011) de  Phillippe Falardeau com Mohamed Fellag, Sophie Nélisse, Emilien Néron e Brigitte Poupart. ☻☻☻☻

domingo, 17 de novembro de 2013

CATÁLOGO: A Outra

Gena e Gene: elaborado roteiro dramático de Woody Allen. 

Depois dos prêmios de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), Woody Allen deixou claro que seus dias de provocar apenas risos estavam ficando para trás. O próprio diretor ressalta que depois dos trabalhos com Diane Keaton estava cada vez mais interessado no olhar sobre as relações, especialmente sob a ótica feminina. Nesse período, Allen também estava fascinado pela obra do sueco Ingmar Bergman e não teve pudores em ser um tanto amargo ao abordar como três irmãs lidavam com o divórcio dos pais em Interiores (1978). Desde então o diretor passou a alternar produções cômicas com outras mais sérias. A Outra foi lançado dez anos depois dessa guinada em sua carreira e não empolgou muito a crítica ou o público, mas trata-se de uma obra bastante instigante, especialmente pela excelente atuação de Gena Rowlands. O nome em português não é digno do que o diretor quer abordar aqui, preferindo apelar pelo que há de mais trivial na mente do espectador. Talvez por isso, o filme possa surpreender ainda mais. O título original, Another Woman (Outra Mulher) oferece muito mais nuances à história da escritora e professora de filosofia Marion (Rowlands). Ela é a personagem madura que narra o filme e nos oferece um panorama curioso sobre aquele momento em que coloca a vida em perspectiva. Marion é casada com um médico renomado, Ken (Ian Holm) e não se incomoda de ter que lidar com a filha do primeiro casamento dele, a adolescente Laura (Martha Plimpton), mas precisa de um tempo de concentração para escrever seu novo livro. Ela começa a se incomodar quando percebe que é vizinha de um psicólogo e que consegue ouvir as confidências dos pacientes dele. Aquilo não lhe parece interessante até que começa a ouvir as consultas de uma mulher grávida (Mia Farrow) e infeliz com o casamento. Enquanto mergulha em suas impressões sobre a desconhecida, a protagonista começa a ficar mais atenta aos comentários das pessoas que estão ao seu redor. Sendo assim, os diálogos que tem com o esposo, com a entiada, com a melhor amiga (Blythe Danner), com a cunhada (Frances Conroy) - que precisa lidar com o divórcio - , com o irmão (Harris Yulin) - que quase não tem mais contato com ela -, com uma amiga que se tornou atriz ou com o amigo do marido (Gene Hackman) que flertava com ela passam a desconstruir a autoimagem que Marion tinha de si mesma. As certezas passam a se dissolver entre memórias e revelações que aos poucos aparecem no roteiro mostrando que uma vida que parecia tão cômoda e segura não era tão unidimensional quanto parecia. Solene e quase arrastado, A Outra mostra os méritos de Woody Allen como roteirista de drama, já que em nenhum momento o filme deixa de ser revelador. Apesar de subestimado, o filme ainda merece ser conhecido pela maestria com que o diretor lida com as imagens e as palavras diante do espectador.  

A Outra (Another Woman/EUA-1988) de Woody Allen com Gena Rowlands, Mia Farrow, Ian Holm, Blythe Danner, Frances Conroy e Gene Hackman. ☻☻☻☻  

sábado, 16 de novembro de 2013

KLÁSSIQO: Bananas

Allen: guerrilheiro barba ruiva postiça.

Agora que Woody Allen está em voga com o lançamento elogiado de Blue Jasmine, fica ainda mais interessante assistir um de seus primeiros filmes. A comédia Bananas é um dos filmes da época em que Woody Allen se preocupava apenas em fazer rir, não importa se era com humor físico, tons surrealistas, diálogos bem elaborados ou situações sem sentido, o importante era ouvir a plateia gargalhar. Muito antes de todo esse revival da comédia stand up, o judeu ruivo de Nova York já fazia esse tipo de graça antes de ser descoberto pelo cinema, faltava-lhe apenas convencer Hollywood de que seu humor funcionava na telona. Se O que Há Tigresa? (1966) não agradou o diretor e Um Assaltante Bem Trapalhão (1969) mostrava sua intenção de se comunicar com um público mais amplo,  Bananas (1971) selava de vez o seu humor no cinema. Bananas tem uma história que beira o absurdo - e por isso mesmo é bastante divertida. Só o início ácido em que os jornalistas narram o golpe militar em um pequeno país da América do Sul como se estivessem narrando uma partida esportiva já valeria o filme. Mas depois dessa sandice conhecemos o cobaia de produtos Fielding Melish (Allen), que apesar de toda a aparência de intelectual é um dos sujeitos mais atrapalhados que já apareceram num filme do diretor. Sua vida muda quando a ativista Nancy (Louise Lasser, uma das primeiras musas do diretor e que foi até casada com ele na época) bate à sua porta coletando assinaturas para apoiar a população de San Marcos, o tal país da América Latina que aparecia no início. Logo as diferenças entre o pacato Fielding e Nancy começam a gastar a relação. É depois que os dois terminam que ele vai parar em San Marcos e se vê entre uma conspiração militar para culpar os guerrilheiros de tê-lo matado. Esse incidente diplomático serviria para colocar a imprensa mundial contra a guerrilha do país, mas acaba colocando Fielding em contato com os próprios guerrilheiros que lhes salvam a vida. Não irá demorar muito para que o desastrado sujeito se torne um ícone da resistência política. Debaixo de tanto besteirol, Allen consegue tecer algumas provocações interessantes sobre política (a cena em que o líder da guerrilha abandona o discurso democrático para se tornar um ditador para benefício da massa "ignorante" é genial de tão simplório), além disso existem as alfinetadas sobre a relação do Tio Sam com os outros países (afinal no discurso em sua terra natal, Fielding precisa relatar tudo o que San Marcos tem a oferecer ao império americano - pouco além de mulheres, doenças e... bananas, claro!), mas claro que o diretor não perderia seu viés irônico sobre o amor quando reencontra Nancy (que cai de amores pela nova persona de seu ex-namorado - e não vou nem mencionar a barba fajuta que usa para criar o estereótipo comunista). É interessante como o filme me fez lembrar de Zelig (1983) pela forma como um personagem se torna um figurante da história quase sem querer. Bananas investe num tipo de humor que Allen não ousaria fazer novamente com medo ser considerado ridículo, por isso mesmo é uma obra bastante querida pelos fãs.  

Bananas (EUA-1971) de Woody Allen com Woody Allen, Louise Lasser, Charlotte Rae, Jacobo Morales e David Ortiz. ☻☻☻

DVD: Ovelha Negra

David, Vera e Graham: família diferente. 

David Duchovny ficou conhecido por interpretar o agente Fox Mulder no cultuado seriado Arquivo X. No meio do caminho, pouco depois que o seriado virou filme, ele foi seduzido por uma carreira no cinema. Como ator em Hollywood a vida não foi fácil e ele acabou voltando para a TV com o seriado Californication (que eu não aprecio nem um pouco). O engraçado é que depois dessa trajetória meio torta ele parece ter encontrado finalmente o seu melhor papel na tela grande, o barbudão Goat Man nesse Ovelha Negra (título que não tem nenhuma relação com a história do livro de Mark Poirier). Não se trata apenas do cabelão, da barba de profeta e da fala sempre chapada de quem passa todo o tempo fumando ou cultivando maconha, mas na forma espirituosa como David consegue transformar um personagem esquisito num sujeito bacana. Goat Man é o que o jovem Ellis Whitman (o bom Graham Phillips) tem mais próximo de um pai, já que seus pais se separaram quando ele ainda era muito pequeno. A mãe de Ellis, Wendy (Vera Farmiga) é uma hiponga histérica, que parece em crise com a ida do filho para uma escola distante - enquanto Goat Man encara tudo com a naturalidade de quem vai fazer trilha com cabras no deserto. Trata-se de uma espécie de filme sobre rito de passagem, já que aborda um período bastante particular na vida do jovem protagonista que, longe de sua família inusitada, terá que descobrir sua própria identidade. É nesse momento que começa a ter contato com o pai distante (Ty Burrell) e a madrasta grávida e compreensiva (Keri Russell), percebe que sua mãe é mais egoísta do que deveria e que por mais que goste de Goat Man, ele está longe de ser um modelo a ser seguido. Sem moralismo ou melodramas o filme se desenvolve com aquela cadência típica de filme independente, o que compromete a narrativa da metade para o final, já que aos poucos a história perde ritmo embora os personagens continuem vivendo situações interessantes. No entanto, o filme vale pela relação de Elli com os adultos ao seu redor como se fossem referências que deve (ou não seguir), enfatizando que ele precisa descobrir suas próprias aspirações e construir sua identidade. Enquanto Ellis e Goat Man tem bom desenvolvimento no decorrer da história, quem fica devendo é Wendy, que mesmo com o esforço de Vera Farmiga não consegue se distanciar do estereótipo manjado da mãe chata. Curioso é que apesar da constante presença de alguns elementos subversivos (cenas de nudez, maconha a rodo, sungas indiscretas...) o filme mostra uma família diferente sob uma ótica bastante generosa. 

Ovelha Negra (Goats/EUA-2012) de Christopher Neil com Graham Phillips, David Duchovny, Vera Farmiga, Ty Burrell e Kerri Russell. ☻☻☻

CATÁLOGO: Lembranças de Um Verão

Yelchin: promissor desde pequeno. 

Aos vinte e quatro anos, Anton Yelchin é um dos jovens atores mais requisitados de Hollywood. Só em 2013 ele esteve envolvido com seis produções lançadas (incluindo o blockbuster Star Trek: Além da Escuridão, onde lembra as origens russas da família na pele de Pavel Chekov). Curioso é que o moço é um dos poucos que começam a atuar na infância e consegue se manter em evidência em produções de grande apelo comercial ou em pequenas produções. Grande marco na carreira de Yelchin foi o quarto filme de Scott Hicks, Lembranças de Um Verão lançado em 2001. Baseado em uma obra de Stephen King, Hicks alcança um resultado agradável em seu filme, já que consegue construir um clima bastante semelhante ao antológico Conta Comigo (1986), que tornou-se um marco quando o assunto é filmar as histórias mais ternas do mestre do terror. Assim como no filme de 1986, o filme trata das memórias de um personagem sobre sua pré-adolescência. O ponto de partida é o dia em que um homem chamado Robert Garfield (David Morse) recebe pelo correio sua parte numa herança: uma luva de beisebol. A partir dali descobre que um amigo de infância faleceu e rumo ao funeral, espera reencontrar a menina que lhe deu o primeiro beijo. Mas uma notícia irá mudar os rumos de sua expectativa, o levando a lembrar de um verão muito particular em que esteve ao lado dos amigos. Quando pequeno, Robert era Bobby (Anton Yelchin com grande bochechas rosadas e onze anos), que morava com a mãe (Hope Davis) - que não podia lhe dar uma sonhada bicicleta, mas sempre tinha dinheiro para comprar vestidos novos. Na cidade não havia muito o que fazer além de se brincar com Carol (Mika Boorem) e John (Will Rothhaar), as coisas mudam um pouco quando se muda para o andar de cima da casa de Bobby, o misterioso Ted Brautigan (Anthony Hopkins). Brautigan nunca é muito claro sobre sua história, o que preocupa bastante a senhora Garfield. A coisa piora quando o inquilino paga um dólar por dia para que o menino lhe leia o jornal. É nesse contato diário com aquele desconhecido, que o menino irá conhecê-lo melhor e se tornarão amigos. Mas, nenhum filme pode ter Stephen King como inspiração impunemente. Como nas melhores obras de King, os elementos fantásticos aparecem nas entrelinhas. Existem algumas coisas estranhas em Ted. Em alguns momentos ele parece em transe, diz frases desconexas e parece antecipar o que está para acontecer. Esse elemento fantástico surge apenas como um tempero para que Bobby perceba que até os dias mais comuns tem seus próprios segredos e magias. Hicks tenta conciliar esses dois universos, o da fantasia e do realismo, alcançado um resultado agradável de assistir num filme redondo e sem pressa de desenvolver sua história. Bem realizado, Lembranças de um Verão é bastante despretensioso e, por isso mesmo, pode até surpreender os desavisados, especialmente pela garra com que Yelchin defende o seu personagem. 

Lembranças de Um Verão (Hearts is Atlantis/EUA-2001) de Scott Hicks com Anton Yelchin, Anthony Hopkins, Hope Davis, Mika Boorem, Alan Tudyk e Will Rothhaar. ☻☻☻

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

CATÁLOGO: Neve Sobre Cedros

Yûki e Ethan: romance proibido no frio. 

Prestes a dirigir a versão cinematográfica do sucesso literário juvenil Fallen, da escritora Lauren Kate, o cineasta australiano Scott Hicks parece cada vez mais distante do celebrado diretor de Shine (1996), elogiada produção independente que concorreu a sete Oscars e premiou Geoffrey Rush na categoria de melhor ator. Com toda a projeção alcançada com Shine, o diretor poderia bancar o projeto que quisesse e optou por adaptar o romance Neve Sobre Cedros de David Guterson. O resultado dividiu opiniões e já dava sinais de que perante Hollywood, a busca por uma cinematografia mais autoral do cineasta começava a apresentar fissuras. É verdade que Neve Sobre Cedros tem elementos que ainda hoje enchem os olhos do público: as belas paisagens, a fotografia belíssima (cortesia de Robert Richarson, que pelo serviço recebeu sua quarta indicação ao Oscar) e uma trama cheia de boas intenções. O problema é que Hicks tropeça em sua pretensão. A trama gira em torno de um julgamento na década de 1950, que é afetado pelo preconceito que os japoneses sofriam nos EUA durante o período. É interessante que a história aborde um tema tão pouco abordado, como o fato dos japoneses não poderem comprar terras americanas, ou, em determinado período serem enviados para campos de concentração na Terra do Tio Sam. O diretor apresenta um bocado de coragem por cutucar essa ferida, além de mostrar que o fantasma de Pearl Harbour assombrava imigrantes que lutaram na Segunda Guerra Mundial por um país que os enxergava com maus olhos (sem falar na bomba atômica usada contra o Japão durante o período). Um desses que lutaram na guerra contra o nazismo foi Kazuo Miyamoto (Rick Yune). A vida de Kazuo é mostrada sempre relacionada a Carl Heine Jr (Eric Thal). Os dois cresceram juntos, as famílias eram próximas e chegaram a negociar terras, mas um conjunto de acontecimentos atrapalhou essa relação de amizade. Portanto, quando Carl Heine é encontrado morto no mar, Kazuo é considerado o principal suspeito. Enquanto todas as provas parecem indicar que Kazuo é realmente um assassino, conhecemos a história dos personagens em inúmeros flashbacks. É quando um personagem coadjuvante começa a ganhar destaque na história. Ishmael Chambers (Ethan Hawke) é o calado filho de um jornalista local, que teve, na infância, um romance proibido com Hatsue (Yûki Kudô). O preconceito é um forte elemento no passado dos personagens e o julgamento parece tratar mais sobre isso do que o crime em si. Em determinada cena um dos personagens diz que um julgamento nunca é sobre os fatos e a verdade, existem outras coisas que aparecem e influenciam na sentença. Portanto, mais do que o duelo travado pelo advogado de defesa (Max Von Sydow, excelente) no tribunal, existe um outro julgamento corroendo a mente de Chambers, que pode provar a inocência de Kazuo, se conseguir exorcizar seus próprios fantasmas do passado. Misturando as histórias de Hatsue, Ishmael, Kazuo e Carl o diretor consegue filmar as memórias dos personagens com grande beleza, num conjuntos de cenas aleatórias que aos poucos montam um painel sobre os elementos que aparecem nas entrelinhas do julgamento - essas cenas me lembraram bastante o que Terrence Mallick costuma fazer em seus longas.  Romances, injustiças, preconceitos, rancores e fraquezas se misturam a todo instante e torna o filme interessante para o espectador, ainda que a pretensão de Hicks apareça em uma mão pesada que amarra as emoções de seu eficiente elenco. Assim, o romance entre Ishmael e Hatsue não decola, o que compromete a alma do filme. Os personagens despertam apenas simpatia e nada mais numa trama que caminha cada vez mais para um desfecho previsível. Mas isso não faz de Neve Sobre Cedros um filme ruim, pelo contrário é muito bem produzido, mas lhe falta algo de arrebatador, algo que o mantenha na memória sempre ressaltada pelo próprio filme.

Neve Sobre Cedros (Snow Falling on Cedars/EUA-1999) de Scott Hicks com Ethan Hawke, Max Von Sydow, James Cromwell, Richard Jenkins e Yûki Kudô. ☻☻☻

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

APOSTAS PARA O OSCAR 2014: CAPÍTULO III

Blue Jasmine
Não sei quanto a vocês, mas desde que eu soube que Cate Blanchett estaria no novo filme de Woody Allen eu já podia ver o nome dela nas bolsas de apostas para a temporada de ouro. Querida pelo público, crítica e votantes, Blanchett tem fortes chances pela sua interpretação da personagem do título, uma milionária que perde todo o dinheiro e é obrigada a morar em São Francisco com a irmã modesta (Sally Hawkins). O roteiro (que partiu de uma ideia da esposa de Allen), mescla a crise financeira à crise pessoal que a personagem atravessa entre o chique e o cafona. Essa comédia amarga, marca o retorno do cineasta aos EUA, já que desde 2009 ele filmava na Europa. 

Capitão Phillips (Captain Phillips)
Lançado nos cinemas brasileiros, tenho desconfianças de que todos os méritos do longa de Paul Greengrass pode ficar em segundo plano diante do tom aventuresco de sua narrativa. Há tempos sabemos que filmes que podem ser considerados de ação podem perder força perante a Academia. No entanto, todo mundo gostaria de ver Tom Hanks voltando ao primeiro time de Hollywood na pele do Capitão Richard Phillips, comandante naval experiente que tem seu navio (carregado de suprimentos para a Somália)  tomado por piratas somalianos. Greengrass confirma seu talento na extensa negociação que se segue. Resta cruzar os dedos para que o filme faça bonito na temporada de ouro. 

Ela (Her)
Fãs que adoram as esquisitices de Spike Jonze (Quero Ser John Malkovich/1999) já tem motivos para se alegrar com o aguardado lançamento de Her. O longa foi concluído em setembro e já pode ser considerado um dos mais promissores da temporada. O filme conta a história de Theodore (Joaquin Phoenix), um homem solitário que compra um sistema operacional de inteligência artificial que interage com o dono e atende pelo nome de Samantha (voz de Scarlett Johansson). Jonze disse que o filme é mais do que sobre uma história de amor, mas sobre nossa necessidade de conexão afetiva. No elenco ainda estão Rooney Mara (como a ex-esposa de Theo) e Amy Adams, como uma amiga do personagem. 

Nebraska
Filmado em preto e branco, elogiadíssimo em Cannes e com aura de cult, parece que depois de toda a celebração com Os Descendentes/2011, Alexander Payne resolveu voltar às suas origens indies. O filme conta a história de Woody Grant (Bruce Dern), que acredita ter ganho um milhão de dólares - mas para resgatá-lo precisa ir até Lincoln, no estado de Nebraska. Acompanhado pelo filho (Will Forte), acontece um fato inesperado que faz com que os dois comecem a visitar parentes na cidadezinha (e esses cobiçam cada vez mais o prêmio que Woody acredita ter ganho). A dramédia já coleciona fãs e deve garantir algumas indicações ao filme, especialmente pelo esmero de Bruce Dern. 

Philomena
De vez em quando um filme de Stephen Frears cai no gosto da Academia e em 2013 veremos um desses casos. Antes de ir para um convento em 1952, Philomenta (Judy Dench) teve um filho que foi entregue para adoção ainda recém nascido em 1952. Vários anos depois ela resolve buscar o paradeiro do filho com a ajuda de um jornalista temperamental Martin Sixmith (Steve Coogan, que também assina o roteiro). Quando o casal parte para os EUA, descobre informações surpreendentes sobre o filho de Philomena - ao mesmo tempo que se tornam grandes amigos. Aclamado pelos festivais por onde passou, Judy deve cravar outra indicação e Coogan deve ser lembado pela primeira vez pela Academia.  

O Quinto Poder (The Fifth State)
A medida que os aguardados filmes de fim de ano estreiam, alguns têm suas indicações comprometidas pelas críticas negativas. Isso acontece à Diana (com Naomi Watts) e com esse The Fifth State, em ambos os casos somente seus protagonistas ainda tem alguma chance de fazer bonito nas premiações. Benedict Cumberbatch está perfeito como  Julian Assange, o polêmico criador do website WikLeaks ao lado do amigo Daniel Domscheit-Berg (Daniel Brühl que está cotado como coadjuvante por outro filme, o acelerado Rush de Ron Howard). O filme mergulha na relação criativa da dupla, mas é impossível não comparar com a eficiência de A Rede Social (2010) de David Fincher. O Quinto Poder tem colecionado críticas por ser considerado cansativo e confuso e Assange faz questão de espinafrar o filme pela internet. Parece que o diretor Bill Condon continua em sua pior fase...

sábado, 9 de novembro de 2013

DVD: Primeira Posição

Rebecca e Aran: casal encantador. 

Acho que desde Cisne Negro (2011) ficou bem claro no imaginário pop o quanto a vida de um bailarino é desgastante, especialmente por vivenciar o grande paradoxo de toda a leveza apresentadas nos palcos ser resultado dos treinos exaustivos movidos a sangue, suor e lágrimas. Talvez por isso um documentário simples como Primeira Posição seja tão gostoso de assistir. O filme de Bess Kargman conta, sem firulas, a história de um grupo de jovens (de 9 a 19 anos)  de diferentes localidades que passam pela seleção para o Youth America Grand Prix um evento anual que é conhecido como a maior competição de jovens bailarinos do mundo. Além da projeção que suas carreiras recebem com o evento, muitos já conseguem bolsas para escolas renomadas e até contratos com companhias de prestígio. Kargman sabe que só as histórias presentes em seu filme já garantem o interesse da plateia e por isso mesmo, seu filme é um rico recorte de um universo bastante particular. Através do filme conhecemos a história, o empenho e a dedicação desse grupo de pessoas reais. Assim, fica difícil não torcer pelo casal de amigos Aran Bell e a israelense Rebecca, pequenos que encaram o balé com a seriedade de adultos em miniatura. Assim como os irmãos Miko e Jules Fogarty, enquanto a primeira é um prodígio, o segundo vê o balé apenas como uma diversão. Conhecemos ainda a história de Michaela, que além de todas os desafios que o reconhecimento de sua arte exige, ainda tem que lidar com variados preconceitos gerados pelo fato de ser negra,  adotada, nascida em Serra Leoa e com vitiligo. Outro que também vê no Grand Prix uma espécie de salvação é Joan Sebastian Zamora, originário de um país da América do Sul e que pretende ajudar a família com a projeção que o balé pode lhe dar. Além desses personagens, existem outros para os quais a câmera de Kargman se volta durante a sessão, num universo bastante vasto de pessoas. Questões como alimentação, a deformidade causada pelas sapatilhas, lesões, a relação com pais, treinadores e o alto custo para se tornar um bailarino reconhecido sempre aparecem durante a sessão, mas sem o tom melodramático que esses temas podem gerar. É encantador como toda a tensão dos bastidores parece se dissolver quando os personagens entram no palco. Há quem diga que o filme parece um Reality Show, mas faz tempo que já considero que existe uma grande semelhança entre os Reality Shows e os documentários e, curiosamente, enquanto um gênero costuma ser massacrado pelos intelectuais de plantão, o segundo é exaltado enquanto registro cultural. Primeira Posição consegue ser ainda mais emocionante, quando em seu desfecho nos faz desejar que todos aqueles prodígios consigam seu lugar. Nos faz pensar como o mundo só será um lugar melhor quando todos tiverem o seu espaço, sem que seja preciso competir para conseguí-lo ou valorizar apenas a história dos vencedores. 

Primeira Posição (First Position/EUA-2011) de Bess Kargman com Miko Fogarty, Aran Bell, Rebecca Houseknecht, Michaela DePrince, Joan Sebastain Zamora e Jules Fogaerty. ☻☻☻☻

domingo, 3 de novembro de 2013

DVD: Guerra Mundial Z

Mireille e Brad: mais do mesmo.

Filmes de zumbis costumam ser bem parecidos entre si. Tenho a impressão que até os resultados nas bilheterias costumam ser parecidos. É verdade que existem algumas exceções que vez por outra sacodem o gênero - como Extermínio (2002), Todo Mundo Quase Morto (2004) e até Meu Namorado é Zumbi (2013). Se Extermínio deu novo fôlego ao gênero com zumbis ágeis e furiosos, os outros chamaram a atenção pelo olhar cômico desses mortos-vivos. Guerra Mundial Z também tem um diferencial que fez toda a diferença nas bilheterias mundiais: Brad Pitt. Em geral o filme de Marc Foster (Dá para acreditar que ele foi revelado com o pesadão A Última Ceia/2001 que rendeu o Oscar para Halle Berry?) é bem parecido com muitos outros, mas é inevitável imaginar que o nome do astro deu crédito para a produção torrar em efeitos visuais e campanhas de marketing numa trama que tem como maior diferencial uma guerra em escala mundial com os zumbis. Pitt interpreta Garry Lane, um agente da ONU que decidiu dedicar mais tempo à família. Tudo vai bem até um dia em que uma misteriosa doença começa a transformar a população em zumbi e ele é convocado para combater a propagação da doença. O suspense é mantido pelo fato de ninguém saber muito bem como a propagação se iniciou, ao mesmo tempo em que nem os personagens se convencem de que aquela multidão ensandecida é formada por mortos-vivos (ou seja, zumbis). O que existe é uma série de boatos que começam a ser perseguidos em busca de pistas sobre a origem da propagação, além de busca por soluções. Existem procedimentos curiosos (como a população inteira que arrancou todos os dentes para conter o contágio por mordidas ou a muralha feita para evitar o contato com zumbis) que dão até algum charme para o roteiro baseado no romance escrito pelo "especialista" em zumbis Max Brooks (autor do antológico The Zumbi Survival Guide, com dicas para sobreviver a um apocalipse zumbi), mas em geral o filme não foge muito ao que se viu em outros do gênero. Talvez, a maior diferença seja o impasse que Garry Lane enfrenta por conta da família pela qual deixou a carreira de lado, afinal, enquanto ele está em missão para a ONU a família está segura num navio que serve de base militar, se ele perecer... a família deixa de ter prioridade entre os refugiados e voltará para terra firme com o bando de zumbis. Trata-se de um drama que aparece de vez em quando entre as cenas de ação (em que Marc Foster consegue empolgar mais do que sua experiência anterior com filmes de ação: 007 - Quantum of Solace de 2008), mas que não oferece muito material para Brad Pitt trabalhar. Eficiente, mas sem muito para fazer em cena, Pitt pareceu ter feito o longa para descansar das densas produções em que atuou nos últimos anos (que o colocaram várias vezes na lista das premiações mundiais). Valeu a pena, já que o filme foi bancado pela produtora de Pitt (a Plan B) e lhe rendeu o maior sucesso da carreira desde Sr. e Srª Smith (2005). Devo admitir que os efeitos são os melhores que já vi no gênero e a multidão de zumbis que se propaga impressiona (assim como o momento em que as vítimas se transformam entre convulsões e espasmos), mas o que difere o filme de tantos outros não é a história, mas a sua qualidade técnica. O que mais me deixou feliz ao ver o filme foi Mireille Enos (que interpreta a subaproveitada esposa de Garry Lane) cavando seu lugar no cinema depois de seu excepcional trabalho no seriado The Killing. A ruiva fez três filmes em 2013 e tem mais três preparados para o ano que vem.

Guerra Mundial Z (War World Z/EUA-2013) de Marc Foster com Brad Pitt, Mireille Enos, Matthew Fox, David Morse e Moritz Bleibtreu. ☻☻

sábado, 2 de novembro de 2013

Combo: Aos Mortos, com carinho...

5 Um Morto Muito Louco (1989) Atire a primeira pedra quem nunca riu com essa sandice na Sessão da Tarde? Dois amigos (Andrew McCarthy e Jonathan Silverman) trabalham para Bernie (Terry Kiser) numa companhia de seguros e acabam convidados para passar um fim de semana na praia. Tudo vai bem até que eles precisam lidar com a morte de Bernie. Para evitar suspeitas e depoimentos eles optam por vagar pelas ruas, praias, festas com o morto. O filme tem uma piada só (todos interagindo com um morto) mas que surpreende pela eficiência com que as situações em torno dela são conduzidas. A coisa funcionou tão bem e alcançou tanto sucesso que quatro anos depois recebeu uma continuação!!!! Ou seja, ainda mais surreal...

4 O Sexto Sentido (1999) Sempre que vejo o celebrado filme de M. Night Shyamalan, penso onde foi parar toda aquela engenhosidade em impregnar de sentido um filme aparentemente banal sobre um garoto que vê gente morta. O Sexto Sentido torna-se um clássico do drama de horror quando aprofunda a relação do menino (Haley Joel Osment, excelente!) com o psicólogo vivido por Bruce Willis. Acompanhar a relação entre os dois é interessante, mas torna-se genial em seu desfecho surpreendente. Num universo feito de mortos e vivos, o filme é um primor da forma como aborda o encontro esses dois mundos através dos olhos de um garotinho. Ironicamente, o filme foi indicado a 6 Oscars e não ganhou nenhum!

3 Os Outros (2001) Eu sei que se não fosse por O Sexto Sentido o filme de Alejando Amenábar talvez nem fosse produzido, mas acho brilhante a forma como vemos a história de uma casa mal assombrada por um ângulo completamente diferente! A família liderada por Nicole Kidman (em um dos seus melhores momentos) precisa lidar com os fantasmas da guerra que levou o patriarca para o front e com a anomalia das crianças que não podem ser expostas à luz. Alegorias religiosas? Metáfora sobre o iluminismo? Mediunidade? Amenábar destrincha assuntos nunca antes imaginados num tema aparentemente batido espetácular uso de pouca luz em cena, barulhos estranhos e algumas surpresas pelo caminho. 

 2 Ghost (1990) Romance com  fantasmas não chega a ser uma  novidade, mas poucos conseguem ser tão contemporâneos e bacanas de assistir como Ghost de Jerry Zucker. Lançado em 1990, o filme ainda coleciona fãs apaixonados pelo romance de Sam (Patrick Swayze) e Molly (Demi Moore), uma história de amor que nem a morte é capaz de atrapalhar. É verdade que Sam precisa aprender a ser uma alma penada para se despedir de Molly e perseguir quem o matou. O mais engraçado é que com a ajuda de Whoopi Goldberg (que ganhou o Oscar na pele da médium Oda Mae Brown) o tom cômico se sobrepôs ao romance e o filme e seus protagonistas foram indicados ao Globo de Ouro de Melhor Comédia e atores de comédia! Pela façanha o filme ganhou o Oscar de roteiro original. 

1 A Noiva Cadáver (2004) Só para lembrar essa lista é sobre personagens mortos e penso que no topo não poderia estar outra senão a doce Emily desta obra de Tim Burton. Baseado em uma lenda russa, A Noiva Cadáver é uma abordagem bastante lírica  e bem vinda sobre a morte. Acho maravilhoso que o filme apresente o mundo dos vivos cinzento e triste com todo seu jogo de convenções e interesses, enquanto o mundo dos mortos é colorido e cheio de vida. Na história de amor de Emily com (o ainda vivo) Victor, acompanhamos alegrias, tristezas, magoas, esperanças, amores e uma difícil escolha ao final. Burton capricha na direção de alguns dos bonecos mais carismáticos que já apareceram em uma animação e consegue abordar de forma leve um tema difícil ao público infantil, juvenil e adulto.