terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Na Tela: Leviatã

Kolya e Lilya: o pão que a corrupção amassou. 

Fosse um filme americano, Leviatã não chegaria nem perto de uma indicação ao Oscar, tão pouco, seria o favorito a levar uma estatueta para casa depois de receber o Globo de Ouro de filme estrangeiro em 2015. A trama sobre corrupção e destruição de um homem (e tudo que o cerca) poderia acontece em qualquer lugar do mundo, da mesma forma como aparece aqui, se fosse ambientado num estado americano, poderia ser até mal visto pela Academia pelo seu tom pessimista que crava vagarosamente sua trama por mais de duas horas de duração. O que faz a diferença em Leviatã não é nenhuma de suas qualidades técnicas (que são apenas corretas), mas o fato de ser ambientado na Rússia. Em seu quarto longa metragem o russo Andrey Zvyagintsev conta a história de Kolya (Aleksey Serebryakov), um homem que já está no limite desde que  o prefeito da cidade ficou de olho em um terreno que lhe é de direito por herança familiar. Naquele terreno, Kolya construiu um lar confortável e seu trabalho (uma requisitada oficina), mas o prefeito planeja um grande empreendimento naquele vilarejo de pescadores e ele se tornou uma espécie de pedra no sapato. Para ajudá-lo a derrotar o prefeito, Kolya conta com o melhor amigo, um advogado de Moscou, Dmitri (Vladimir Vdovitchenkov) que possui um dossiê comprometedor sobre o tal prefeito. O mais interessante é que sempre que teremos contato com o impasse vivido por Kolya na justiça, tudo será dito num tom mecânico rápido e desprovido de qualquer emoção, deixando claro que o interesse do diretor  está na dissolução da vida do personagem. Além do problema com o prefeito, torna-se mais visível o relacionamento tempestuoso do filho de Kolya com a madrasta, Lilya (Elena Lyadova), e o cansaço dela com a atmosfera cada vez mais pesada dentro de casa - e não vai demorar muito para que um triângulo amoroso fadado ao fracasso comece a desenhar-se. Andrey Zvyagintsev mostra-se a vontade quando aborda a dissolução das relações de Kolya com quem o cerca, deixando o filme menos empolgante quando tende para uma caricatura quase cômica dos poderosos da região (envolvendo o prefeito, a igreja, as forças armadas, o judiciário...), sempre que a história tende para abordar esse núcleo governamental, a ideia de criar uma crônica sobre a corrupção resulta menos interessante do que a releitura do duelo entre Davi e Golias ou O Livro de Jó. Sem truques narrativos, o diretor arrasta a trama até o final devastador. O título cria uma analogia entre as carcaças de baleias e navios antigos no litoral norte da Rússia que aparecem em cena, criando a imagem de um mausoléu onde as ideologias de outrora jazem faz tempo - e o cinema de Andrey aborda isso de forma quadradinha para que seus personagens comam o pão que os poderosos amassaram. Enfim, acho pouco para ganhar Oscar. Ainda assim, Leviatã tem seu maior mérito no trio central de atores, especialmente nas interpretações de Elena Lyadova e Vladimir Vdovitchenkov (que já foi o melhor ator em cena no sonolento caleidoscópio de 360 assinado por Fernando Meirelles) num personagem interessante, mas que fica no meio do caminho - assim como todas as esperanças que aparecem ao longo da história.

Leviatã (Leviathan/Rússia-2014) de Andrey Zvyagintsev, com Aleksey Serebryakov, Vladimir Vdovitchenkov, Elena Lyadova e Roman Madyanov. ☻☻☻

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