Sigurður em silêncio no coral: da comédia para a tragédia.
Não é novidade que a intolerância está cada vez mais forte ao nosso redor. No meio das auto-verdades os conflitos se tornam cada vez mais presentes e inflamados, de forma que qualquer pequena discordância ou suspeita pode gerar uma verdadeira guerra. Embora seja ambientado na Islândia, a história de A Sombra da Árvore poderia ser ambientada em qualquer lugar que os acontecimentos poderiam ser exatamente os mesmos. Por esta capacidade de universalizar seu olhar sobre os relacionamentos humanos o filme foi escolhido pelo país para representar sua cinematografia no Oscar de filme estrangeiro. A obra acabou ficando de fora (afinal, são apenas cinco vagas para filmes de todo tipo do mundo inteiro), mas continua digno de atenção por sua trama que começa inofensiva e descamba para a tragédia. O início é quase cômico quando uma esposa percebe que seu marido gravava vídeos de sexo com a ex-namorada e ainda os utiliza para se satisfazer sozinho diante do computador. O episódio acaba o levando de volta para a casa dos pais, um lar aparentemente confortável no subúrbio de casas de quintal verde e tons pastéis. Enquanto ele tenta convencer a esposa a aceitá-lo de volta, sua mãe começa a ter conflitos crescentes com um casal de vizinhos. As discussões começam por conta de uma árvore que faz sombra no quintal deles, mas o que poderia ser resolvido sem maiores problemas, começa a gerar suspeitas e discussões cada vez mais aguçadas entre os vizinhos. Um dos pontos mais interessantes do roteiro é justamente apresentar personagens que são pessoas comuns, ainda que sejam calcados em alguns arquétipos, estão bem longe de se caracterizarem como heróis e vilões, são pessoas que poderiam estar próximas seja em Reykjavik, Buenos Aires ou Niterói - da mesma forma, todos podem perder as estribeiras quando o bom senso se perde no meio das percepções subjetivas sobre a realidade, afinal, a verdade é bem mais complicada do que a minha opinião. Ao escolherem suas verdades, o diálogo se torna cada vez mais inviável, a crueldade surge implacável disfarçada de "justiça", as palavras se tornam mais ásperas e as pessoas param de perceber que no fundo todos são feitos de carne e osso, qualidades e defeitos, erros e acertos.. Lá pelo fim das contas você até consegue entender o motivo de um personagem decidir sair daquele ambiente de um forma dolorosamente radical. A Sombra da Árvore ilude seu público com seu humor cortante e aos poucos se revela um drama devastador sobre seres humanos presos em sua Torre de Babel pós-moderna.
A Sombra da Árvore (Undir Trénu/Islândia-2017) de Hafsteinn Gunnar Sigurðsson com Steinþór Hróar Steinþórsson, Edda Björgvinsdóttir, Sigurður Sigurjónsson e Selma Björnsdóttir. ☻☻☻☻
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