Charlbi e Harris: casal em crise no purgatório.
Carl (Harris Dickinson o bom estreante de Beach Rats/2017) e Yaya (Charlbi Dean, infelizmente falecia por conta de uma virose) são namorados, e modelos. Ele já viveu dias melhores na carreira, ela está em ascensão. Não demora muito para perceber que o casal está em crise e, sempre que o dinheiro entra em pauta, as discussões se tornam ainda mais acaloradas. Devido ao grande número de seguidores em redes sociais, Yaya também é uma influenciadora e está acostumada a ganhar brindes pela publicidade que gera para determinadas marcas. É por conta disso que ela e Carl vão parar num cruzeiro habitado por pessoas muito ricas e viver por algumas situações que nunca imaginaram em suas vidas. O relacionamento entre o jovem casal é o fio condutor da nova provocação do sueco Ruben Östlund que recebeu sua segunda Palma de Ouro no Festival de Cannes por este Triângulo da Tristeza (a primeira foi The Square, meu filme favorito lançado por aqui em 2018). Até Força Maior (2014), Östlund disfarçava suas sátiras com um tom tão seco que as pessoas não sabiam se era para rir ou levar a sério o que ele apresentava, desde então, ele resolveu deixar claro que suas obras são para sátiras equilibradas no que pode ser dito e o que é melhor ficar escondido. Por aqui ele resolve mirar na elite econômica, apresenta tipos que beiram a caricatura, como o capitalista russo grosseirão, o casal de simpáticos velhinhos que fizeram fortuna na indústria bélica ou o homem milionário da tecnologia que não sabe muito bem como parecer atraente. Se esta é a elite do barco, existem ainda o capitão alcóolatra do navio (Woody Harrelson) e toda a tripulação que padece sob os devaneios de quem considera que pode fazer o que quer apenas por ter muita grana. No segundo ato, o diretor atira para todos os lados, sucumbindo à cena de jantar mais escatológicas da história do cinema (numa cena que já ficou famosa quando comentam sobre o filme). Esse tom de Titanic do século XXI ganha tons de purgatório quando todo aquele universo de privilégios é comprometido pela ameaça de naufrágio, com passageiros passando mal acompanhados por uma narrativa pesadelesca sobre capitalismo. No terceiro ato, quando alguns personagens se veem isolados em uma praia, as regras sociais estabelecidas anteriormente não valem de muita coisa e a camareira Abigail (Dolly de Leon indicada ao BAFTA e ao Globo de Ouro) percebe que pode estabelecer novas regras a seu favor, gerando consequências que conduzem a trama até o seu desfecho um tanto enigmático. Fazendo parte do clube da série White Lotus e filmes recentes como O Menu (2022) e Parasita (2019), a primeira experiência de Östlund totalmente em língua inglesa caiu nas graças do Oscar e concorre aos prêmios de roteiro e direção, além de melhor filme. Sei que muita gente torce o nariz para o filme e sua ausência de sutileza, mas ainda acho que o diretor continua acertando ao criar filmes provocadores instigantes, além de filmar cada vez melhor. A ideia do barco luxuoso que se torna um purgatório e uma ilha paradisíaca que marca um recomeço podem não ser inéditas, mas funcionam muito bem perante a proposta do diretor.
Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness / EUA - Suécia - Reino Unido / 2022) de Ruben Östlund com Harris Dickinson, Charlbi Dean, Dolly de Leon, Woody Harrelson, Vicki Berlin, Zlatko Buric, Henrik Dorsin, Alicia Eriksson e Sunnyi Melles. ☻☻☻☻
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