Claire, Jessie, Rooney e suas colegas de cena: elenco de peso.
Se tudo acontecesse certo, eu teria escrito sobre o novo filme da canadense Sarah Polley antes a cerimonia do Oscar, mas como a vida é cheia de imprevistos, acabo escrevendo agora, depois que o filme já recebeu o Oscar de melhor roteiro adaptado - pelo menos eu pude apostar certeiramente nas chances do texto assinado por Polley (baseado no livro de Mirian Toews) como o melhor trabalho de adaptação da noite. A trama é baseada numa história real de um grupo de mulheres que, cansadas dos abusos sofridos em uma comunidade religiosa afastada dos centros urbanos, precisa decidir se permanecem por comunidade: se reagem perante a realidade que vivem ou vão embora para outro lugar. Parece uma decisão simples, mas existem alguns complicadores, as mulheres não sabem ler ou escrever, não conhecem o mundo distante daquele lugar e a ainda foram doutrinadas para acreditar que sair dali significa nunca ganhar o reino dos céus. Além disso, a ideia do perdão está muito presente quando se deparam com a insatisfação perante tudo o que acontece. Todos os prós e contras aparecem nas discussões que acontecem num celeiro enquanto os homens foram para a cidade para libertar um sujeito que foi pego em flagrante após abusar sexualmente de uma das moradoras do lugar. A forma como cada uma das mulheres observam a situações é que movimenta a trama. Se a grávida Ona (Rooney Mara) possui menos ressentimentos que suas colegas, Salome (Claire Foy) está disposta a fazer justiça por conta própria para evitar que sua filha passe pelas mesmas situações a que ela foi obrigada. Por outro lado, Mariche (Jessie Buckley) está cansada de tudo aquilo, mas sua raiva não permite que veja muitos caminhos além de voltar para casa e cuidar dos filhos ao lado do marido autoritário. Entre mulheres mais jovens e mais velhas, existe ainda o professor August (Ben Wishaw) que ajuda o grupo a registrar seus dilemas, enquanto ele mesmo se sente um peixe fora d´agua naquele ambiente de masculinidade tóxica. O filme é exatamente o que o título em inglês promete, são quase duas horas de mulheres dialogando sobre sua realidade opressora e tentando buscar um caminho diferente. As atrizes citadas tem trabalhos irrepreensíveis e a diculdade de escolher apenas uma nas votações para prêmios deve ter custado uma preciosa indicação para qualquer uma delas na temporada de ouro, por outro lado, Ben Wishaw erra o tom em algumas cenas, mas quem conhece o ator e observa sua última cena pode imaginar o motivo dele ter sido escolhido para dar camadas diferentes (e nunca ditas) ao personagem. Muito se falou sobre Polley merecer um lugar no páreo de melhor direção por driblar o caráter teatral da ambientação com algumas cenas externas, uma boa desenvoltura com a câmera e a edição que provam que ela sabe exatamente o que está fazendo. Além disso, dá um gosto especial à situação anacrônica ocorrida em 2010!! Para todas as qualidades do filme e apenas duas indicações ao Oscar, o filme ajudou a levantar um debate importante em Hollywood: vale a pena lançar filmes de qualidade ambiciosos somente ao final do ano para estarem “frescos” na memória das votações das premiações? Entre Mulheres foi colocado em vários festivais desde setembro, rendendo comentários positivos sobre ele, mas o lançamento no final de dezembro não ajudou para que tivesse a repercussão que merecia. Em uma ano que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, Elvis e Top Gun: Maverick haviam sido lançados em meados de 2022 e contou com a torcida do público para chegar ao Oscar, será que Entre Mulheres teria maiores chances se tivesse mais tempo para ampliar sua importância perante o público? Provavelmente sim.
Entre Mulheres (Women Talking / EUA -2022) de Sarah Polley com Rooney Mara, Jessie Buckley, Claire Foy, Ben Whishaw, Judith Ivey, Sheila McCarthy, Liv McNeil e Frances McDormand. ☻☻☻☻
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