Cinco produções assistidas no mês que merecem destaque:
terça-feira, 30 de abril de 2024
4EVER: Paul Auster
Paul Benjamin Auster nasceu em Nova Jersey e lançou seu primeiro livro com o nome de Paul Benjamin em 1982. Paul encontrou dificuldades para publicar sua segunda obra: Cidade de Vidro, que foi rejeitada 17 vezes até sua publicação de forma independente em 1985 já assinando como Paul Auster. A obra se tornou a primeira da famosa trilogia de Nova York e o tornou cult. Prolífico, conseguia lançar quase um livro por ano. Seus temas favoritos eram a perda, o luto e a identidade, enquanto suas referências vinham de Dostoiévsky, Hemingway, Fitzgerald, Faulkner, Kafka, Beckett e Proust. Considerado por muitos um dos maiores escritores dos Estados Unidos, Auster se aventurou pelo cinema após a adaptação de seu romance Jogando com a Sorte (1993), que foi seguido pelo roteiro de Cortina de Fumaça (1995). Auster ficou tão animado com o resultado que co-dirigiu a sequência, Sem Fôlego (1995) de narrativa bem mais fragmentada. Depois dirigiu mais dois filmes com base em seus livros, O Mistério de Lulu (1998) e Kimera (2007). Se alguns críticos identificavam em seus livros a influência do cinema, em seus filmes muitos críticos identificavam um cineasta tímido. O último livro do escritor foi Baumgartner (2023) sobre um professor de Filosofia prestes a se aposentar. Enquanto finalizada o romance, Auster foi diagnosticado com câncer de pulmão que passou a tratar desde então.
NªTV: Bebê Rena
Jessica, Gadd e Nava Mau: sentimentos complicados. |
.Doc: Ascensão e Queda - John Galliano
Galliano: o ícone cancelado. |
domingo, 28 de abril de 2024
PL►Y: Dias Perfeitos
Koji Yakusho: merecido prêmio de atuação em Cannes2023. |
Faz um tempo que assisti Dias Perfeitos na Mubi, mas não me sentia preparado para escrever sobre ele. Até agora acho que ainda não estou pronto. A começar porque é um daqueles filmes que tem uma vibe que acho difícil de me conquistar: o filme de ficção que pretende ser um recorte da vida real de um personagem. Não sei se deu para entender, mas é aquele tipo de filme que não quer soar como um filme, mas como um pedaço da vida de alguém. Sei que é o tipo de filme mais difícil de se fazer, já que invariavelmente soa artificial, pedante e por vezes deixa a sensação que nada acontece. Com Dias Perfeitos não acontece nenhum desses problemas. O filme soa tão honesto e real que achei muito fácil ser levado pelo cotidiano do protagonista que é um dos responsáveis por limpar os banheiros públicos (de estética única) nas ruas de Tóquio. Ele é Hyraiama, vivido por Koji Yakusho (eleito melhor ator no Festival de Cannes de 2023), um senhor de poucas palavras que parece gostar bastante do seu dia a dia sem grandes acontecimentos. Ele tem algumas interações com outros personagens ao longo do filme, mas não parece ter vínculos fortes com nenhum deles, embora o roteiro coloque aqui e ali a promessa de laços afetivos que nunca avançam (talvez o mais interessante seja a pessoa misteriosa através de um registro em um papel deixado escondido em um dos banheiros em que trabalha). Sabemos que ele também gosta muito de ler e ouvir álbuns clássicos de Lou Reed, Van Morrison e Patti Smith, o que consegue tornar o filme muito agradável de se ouvir. Dirigido pelo alemão Win Wenders, Dias Perfeitos nasceu de uma ideia que girava em torno de um documentário sobre os estilosos banheiros públicos de Tóquio, mas logo ganhou corpo de um filme de ficção sobre um senhor que parece não ligar muito para a solidão. Em tempos acelerados e de redes sociais, Hyraiama não faz ideia do que é Spotify e quase surta quando seu colega de trabalho (Tokio Emoto) propõe que venda uma de suas fitas cassete (e Hyraiama tem uma vasta e apetitosa coleção). Ele parece sempre na contramão. É um filme que avança sem grandes acontecimentos, mas que ao final nos faz indagar sobre a história daquele homem e o que pode ter lhe acontecido para ter escolhido viver afastado da família e sem "grandes ambições" (e é importante ressaltar as aspas, porque, afinal de contas, quais são as ambições do protagonista? Por que as que são ambientadas seriam menores que as de outras pessoas?). Até agora não saberia dizer muito bem o motivo, mas o fato foi que o filme me deixou bastante comovido, muito por conta da interpretação de Yakusho. Talvez em alguns momentos eu tenha lembrado de mim mesmo, de minha relação com o trabalho (que piorou muito no último ano), o gosto por ouvir música o dia inteiro e o fato de também morar sozinho distante da família (nem tão distante, são três horas de viagem). Quando o filme terminou eu só queria conhecer mais sobre aquele personagem que termina o filme quase do mesmo jeito que começou. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional, Dias Perfeitos tinha poucas chances de levar o prêmio para casa, mas sabe como tornar marcante a sua forma sutil de contar a história de pedaço da vida de um personagem que parece ser alguém de verdade.
Dias Perfeitos (Perfect Days / Japão - Alemanha / 2023) de Win Wenders com Koji Yakusho, Tokio Emoto, Arisa Nakano, Min Tanaka e Reina. ☻☻☻☻
PL►Y: Propriedade
Malu: as desigualdades sociais movendo a barbárie. |
A estilista Tereza (Malu Galli) passou por um grande trauma após se tornar refém de um homem armado nas ruas da cidade. Diante da resolução violenta da situação, Tereza desenvolveu um trauma que impossibilita que volte a sair de casa. Sua sensação de insegurança faz com que seu esposo, Roberto (Tavinho Teixeira) blinde o carro da família para que ela se sinta mais segura para voltar a ter vida social. Ele pretende leva-la até a fazenda de sua família para passar alguns dias, mas ao chegar lá, o casal é surpreendido pela revolta dos empregados da fazenda que descobriram que a propriedade será transformada em um hotel e que, provavelmente, eles terão que arranjar um novo lugar para trabalhar. No momento em que Roberto e seus empregados se encontram na fazenda, o caldo já entornou faz tempo e o se ele pensa que os empregados não deveriam se meter em seus negócios, existe a contraposição na ideia de que eles teriam direito a continuarem ali. Tudo poderia se resolver com uma conversa, mas aí não haveria filme, então tudo vai de um conflito sobre desigualdades sociais em um caso de barbárie. O cineasta Daniel Bandeira começa seu segundo filme de forma interessante, mas ao optar por criar uma tensão crescente entre os personagens através da violência, alguns pontos importantes se perdem pelo caminho. Tudo aqui é resolvido na força bruta, ao ponto de Tereza encontrar refúgio no carro blindado, que aos poucos ao invés de expressar segurança se torna sua prisão até o final do filme. Na tentativa de criar situações cada vez mais extremas, o roteiro revela algumas situações que não fazem sentido (como a gasolina de um carro blindado consegue ser retirada de forma tão fácil? Como a enorme fazenda tem uma internet tão boa em todos os cantos? Por que umaa família que viu que tudo aquilo daria errado, resolve deixar o filho mais novo no meio da confusão? Sem falar na personagem que ao encontrar com a protagonista prefere fazer um vídeo de celular para seus cúmplices). Se havia alguma intenção séria na trama do filme, ela se enfraquece com tantos tropeços no seu texto. Talvez a ideia do filme seja essa mesmo, que a tensão entre as pessoas faça com que todos percam a razão, até o roteirista. O que poderia ser um drama de suspense interessante sobre as diferenças sociais, se torna numa obra um tanto trash sobre um problema social sério. Bandeira não julga as atitudes de seus personagens, mas também não lhes oferece tridimensionalidade suficiente para que sejam percebidos como pessoas de carne osso. Quem consegue se sair melhor em cena é Malu Galli, mas a complexidade de sua personagem não chega a ser bem aproveitada na situação horripilante em que se meteu. No fim das contas, Propriedade parece um filhote de Bacurau (2019), que ainda que eu não considere o filme maravilhoso que muitos dizem, ainda consegue trabalhar a violência sem perder de vista suas intenções.
Propriedade (Brasil/2023) de Daniel Bandeira com Malu Galli, Tavinho Teixeira, Anderson Cleber, Zuleika Ferreira, Sandro Guerra, Roberta Lúcia, Marcílio Moraes e Nivaldo Nascimento. ☻☻
#FDS Madonna: Destino Insólito
Madonna e Giannini: parceria traumatizante. |
Acho que todo o casal tem o direito de fazer uma loucura, mas é sempre bom lembrar que existem consequências. Talvez algum dia alguém consiga explicar o que se passou na cabeça de Madonna e Guy Ritchie para inventarem um remake de Por Um Destino Insólito (1974) da italiana Lina Wertmüller que é historicamente lembrada como a primeira diretora a ser indicada ao Oscar de melhor direção. O filme era uma metáfora sobre luta de classes, a relação entre ricos e pobres, patrões e empregados encaram a vida, sendo que em determinado momento a lógica é invertida por conta de um naufrágio. Wertmüller era esperta para perceber que as relações da hierarquia social em si já são carregadas de tensão, mas ao adaptar o texto, Ritchie optou por tornar tudo mais exagerado e caricato. Destino Insólito conta a história de uma dondoca endinheirada Amber (Madonna) e um empregado humilde (Adriano Gianinni, filho do ator que encarnava o papel original) que surpreendidos por uma tempestade durante um passeio de iate, se separam da tripulação indo parar numa ilha deserta. Na tal ilha, o empregado demonstra ter as habilidades necessárias para que os dois sobrevivam àquela desventura e, obviamente que se imagina que os dois irão viver um romance. Se existem as mesmas tintas de crítica social na refilmagem, ao carregar demais as tintas, Guy cria um grande problema para estabelecer uma química entre os protagonistas (some isso ao desconforto de Adriano ter que interagir com a esposa do diretor nas cenas de amor e ódio e você entenderá ainda mais porque as coisas complicam). Também não ajuda o fato de Amber ser apresentada ao público como uma megera sem salvação - e Madonna torna a mulher insuportável, mas o que poderia ser um mérito se torna um problema quando a interpretação precisa lidar com a transição da personagem de mulher intragável em mulher apaixonada. Difícil. Nesta transição o filme começa a perder ainda mais o foco e depende cada vez mais da dinâmica entre os personagens para manter o interesse do público. O que era para ser um comédia com tintas de crítica social se torna num romance pouco convincente até naufragar (sem trocadilho) no melodrama. A dupla principal se esforça, mas não há muito o que fazer diante da base equivocada do projeto. Madonna e Guy casaram em 2000 e tiveram um filho (Rocco) e já haviam estabelecido parcerias anteriormente, seja em um comercial da BMW ou no clipe de What it Feels like for a Girl que possuem uma vibe parecida com os trabalhos anteriores do cineasta. Quem conhece a carreira de Guy (ele vinha de um sucesso mundial com Snatch/2000) sabe como Destino Insólito destoa completamente de seu estilo, talvez por isso Madonna tenha assumido a responsabilidade sobre o projeto. Ela estava animada depois dos elogios por Evita/1997 e o relativo sucesso de seu filme anterior, Sobrou Para Você (2000). Destino Insólito custou dez milhões de dólares e arrecadou pouco mais de um milhão ao redor do mundo, desagradando público, crítica e a própria Madonna. Ela ficou tão aborrecida com o massacre em torno do filme que anunciou que jamais atuaria novamente. Em seus recentes trabalhos com o cinema, a artista escolheu ficar atrás das câmeras, trabalhando como cineasta nos filmes Sujos e Sábios (2008) e W/E (2011). Por conta de todas as críticas exageradas que recebeu por seus trabalhos no cinema, a artista chegou a declarar que sofreu bullying por parte da imprensa (basta lembrar do Framboesa de Ouro de Pior atriz do século). Madonna e Guy se divorciaram em novembro de 2008.
Destino Insólito (Reino Unido / Itália - 2002) de Guy Ritchie com Madonna, Adriano Giannini, Bruce Greenwood, Elizabeth Banks, Jeanne Triplehorn, David Thornton e Yorgo Voyagis. ☻☻
sábado, 27 de abril de 2024
#FDS Madonna: Evita
Banderas e Madonna: polêmica adaptação de uma opera rock. |
sexta-feira, 26 de abril de 2024
#FDS Madonna: Procura-se Susan Desesperadamente
Procura-se Susan Desesperadamente (Desesperately Seeking Susan / EUA - 1985) de Susan Seidelman com Madonna, Rosana Arquette, Aidan Quinn, John Turturro e Gary Blum. ☻☻☻
quarta-feira, 17 de abril de 2024
PL►Y: Suzume
Suzume: por trás dos terremotos japoneses. |
domingo, 14 de abril de 2024
PL►Y: Viver
Bill: pensando sobre a vida que resta. |
Bill Nighy é um rosto bastante conhecido dos cinéfilos. Com 74 anos de vida e mais de quatro décadas de carreira, o ator inglês já participou de inúmeras produções para teatro, cinema e televisão. Apesar de ser mais conhecido por seus trabalhos em comédias, Bill tem uma cota de personagens sérios respeitáveis, mas que o Oscar parecia não dava muita bola até que em 2022 ele atuou neste filme de Oliver Hermanus. Viver conta a história de Sr. Rodney Williams (Nighy), burocrata de Londres que chefia um grupo de funcionários que são responsáveis por obras na cidade. Sisudo e fleumático, Williams não é muito aberto a intimidades com seus colegas e parece aquele tipo de pessoa que passou todo o tempo agarrado em seus compromissos - enquanto a vida passava junto aos ponteiros do relógio sem que ele se desse conta. Sua rotina rígida é quebrada quando ele descobre que possui câncer e alguns meses de vida. Naquele momento ele percebe que a vida não poderia ser só aquilo que fez até ali e deseja fazer algo diferente no tempo que lhe resta. O roteiro segue então pelo caminho mais óbvio, que é inserir o personagem por noitadas, com mulheres, bebidas e gastos que não caberiam na vida de um sujeito tão regrado. A diferença é que mesmo nesses momentos, Sr. Williams não parece encontrar satisfação, deixando que algo mais se revele em momentos mais intimistas, como aquele em que toma coragem para bancar um projeto que há muito tempo é barrado no trabalho ou nos momentos em que passa a se encontrar com uma jovem colega de trabalho, a senhorita Margaret Harris (Aimee Lou Wood), momentos em que a suspeita de um romance tardio ganha menos espaço do que a sensação de tempo perdido ao longo da vida. São nos detalhes que a atuação de Bill Nighy se revela merecedora de espaço entre os indicados ao Oscar de melhor ator de 2023, seu trabalho é sutil, preciso e consegue transparecer a sensação de quem está no fim da vida e não há muito mais o que se fazer além de aproveitar o tempo que resta. O filme só me parece curto demais para dar conta das nuances do personagem junto aos outros que o cerca, isso acontece tanto com Margaret quanto com o novato Peter (Alex Sharp), que parece ser o dono do olhar sobre o protagonista oferecido pela produção. Viver é na verdade uma adaptação da adaptação, já que é baseado em Ikiru (1952) de Akira Korosawa que é pautado pela obra A Morte de Ivan Ilich de Tolstói. O texto aqui ficou por conta do romancista Kazuo Ishiguro, que é craque em sutilezas e transporta o dilema do protagonista num encaixe perfeito para a realidade britânica. Mesmo que você não a considere uma produção empolgante, Viver deixará a sensação de uma reflexão sobre a forma que encaramos a vida ao indagar se entre nosso compromissos cotidianos estamos realmente a viver.
Viver (Living / Reino Unido - Japão - Suécia / 2022) de Oliver Hermanus com Bill Nighy, Alex Sharp, Aimee Lou Wood, Michael Cochrane, Zoe Boyle, Hubert Burton e Oliver Chris. ☻☻☻
sexta-feira, 12 de abril de 2024
4EVER: Eleanor Coppola
quinta-feira, 11 de abril de 2024
FESTIVAL DE CANNES 2024
Motel Destino: filme brasileiro disputa a Palma de Ouro. |
The Second Act (Quentin Dupieux)
All We Imagine as Light (Payal Kapadia)
Anora (Sean Baker)
Bird (Andrea Arnold)
Feng Liu Yi Dai (Jia Zhang-Ke)
Emilia Perez (Jacques Audiard)
Grand Tour (Miguel Gomes)
Kinds of Kindness (Yorgos Lanthimos)
L’Amour Ouf (Gilles Lellouche)
Limonov: The Ballad (Kirill Serebrennikov)
Marcello Mio (Christophe Honore)
Megalopolis (Francis Ford Coppola)
Motel Destino (Karim Ainouz)
Oh Canada (Paul Schrader)
Parthenope (Paolo Sorrentino)
The Apprentice (Ali Abbasi)
The Girl With the Needle (Magnus von Horn)
The Shrouds (David Cronenberg)
The Substance (Coralie Fargeat)
Diamant Brut (Agathe Riedinger)
Armand (Halfdan Ullman Tondel)
Gou Zhen (Guan Hu)
Les Damnes (Roberto Minervini)
L’Histoire de Souleymane (Boris Lojkine)
Le Royaume (Julien Colonna)
Boku No Ohisama (Hiroshi Okuyama)
Norah (Tawfik Alzaidi)
On Becoming a Guinea Fowl (Rungano Nyoni)
Santosh (Sandhya Suri)
The Shameless (Konstantin Bojanov)
Viet and Nam (Truong Minh Quy)
The Village Next to Paradise (Mo Harawe)
Vingt Dieux! (Louise Courvoisier)
Who Let the Dog Bite? (Laetitia Dosch)
Furiosa: Uma Saga Mad Max (George Miller)
Horizon: An American Saga (Kevin Costner)
Rumours (Evan Johnson, Galen Johnson, Guy Maddin)
She’s Got No Name (Chan Peter Ho-Sun)
C’est Pas Moi (Leos Carax)
En Fanfare / The Matching Bang (Emmanuel Courcol)
Everybody Loves Touda (Nabil Ayouch)
Le Roman de Jim (Arnaud Larrieu, Jean-Marie Larrieu)
Miséricorde (Alain Guiraudie)
Rendez-Vous Avec Pol Pot (Rithy Panh)
I, the Executioner (Seung Wan Ryoo)
The Surfer (Lorcan Finnegan)
Exibições Especiais
Apprendere (Claire Simon)
Le Fil (Daniel Auteuil)
Ernest Cole, Lost and Found (Raoul Peck)
The Invasion (Sergei Loznitsa)
La Belle de Gaza (Yolande Zauberman)
quarta-feira, 10 de abril de 2024
Pódio: Andrew Scott
Bronze: o vilão doido. | |
3º Sherlock (2010-2017) Nascido em Dublin na Irlanda em 1976, Andrew Scott começou a atuar no teatro até começar sua carreira no cinema em 1995. Apesar de ter participado de muitas produções para televisão e para a tela grande, o grande público parece ter reparado nele somente quando viveu o vilão Moriarty na cultuada série protagonizada por Benedict Cumberbatch que trazia os personagens de Arthur Conan Doyle para os dias atuais. Na pele do grande inimigo do detetive, o ator carrega nos exageros para criar um personagem estranho mas de inteligência inquestionável em suas armações contra o genial protagonista. Pelo papel ganhou o BAFTA de coadjuvante em 2012.
Prata: o grande enganador. | |
Ripley (2024) Tive que resistir muito para não colocar o trabalho do ator na série da Netflix no lugar mais alto do pódio. Acho magnífica a forma como o ator desenvolve o personagem antológico de Patricia Highsmith nos detalhes de sua atuação. Um leve movimento de sobrancelha, um pequeno esboço de sorriso ou até mesmo aquele olhar fixo de quem está estudando seu interlocutor para saber exatamente o que deve ser feito e dito. É um trabalho tão bom que merece aparecer em outras temporadas que explorem as desventuras seguintes de Tom Ripley e sua escalada amoral de golpes, falsificações e enganações variadas. O moço merece todos os prêmios da temporada. Imperdível.
Ouro: o padre gato. | |
NªTV: Ripley
Andrew: Tom Ripley de respeito. |
Em 2024, o ator irlandês Andrew Scott esteve cotado para receber sua primeira indicação ao Oscar pelo filme indie Todos Nós Estranhos, mas apesar de ter colhido indicações ao Gotham Awards e ao Globo de Ouro, não foi dessa fez que o ator caiu nas graças da Academia. Na verdade, apesar de Andrew ter dezenas de papéis no cinema, a impressão é que Hollywood ainda não sabe o que fazer com ele. Será que é por conta do rapaz ter assumido sua homossexualidade em 2013? Se for por conta disso, Hollywood é que sai perdendo. Não apenas pelo preconceito, mas principalmente por perder a chance de ter um baita ator no alto dos créditos. A sorte é que enquanto o cinema não lhe dá a devida atenção, ele coleciona bons papeis na televisão. A última grande conquista do ator foi ser escolhido para viver o antológico Tom Ripley na minissérie Ripley da Netflix (que se tudo der certo, deverá render novas temporadas. Oremos!). Tom é o personagem mais famoso da escritora Patricia Highsmith (1921-1995), que rendeu cinco obras cultuadas e que já foram levadas ao cinema algumas vezes, mas sem a configuração de uma franquia cinematográfica. O público deve lembrar da versão de O Talentoso Ripley (1999) de Anthony Minghella em que Matt Damon viveu o personagem, um filme que aprecio muito, mas sei que trai as origens de seu personagem amoral. Nesta versão da Netflix. Ripley surge em sua essência, um americano que vive de pequenos golpes, mas que tem a grande chance de mudar de vida quando um milionário pede a ele que vá até a Itália convencer que o filho volte para casa. O filho em questão é Richard Greenleef (Johnny Flynn), o herdeiro que foi curtir a vida na Itália enquanto tenta se tornar um artista. No entanto, o que sobra de dinheiro para manter a vida de Richard, ou melhor, Dickie, falta em talento. Ele passa os dias ao lado da namorada Marge (Dakota Fanning) e não faz a mínima ideia de quem é aquele homem que diz conhecê-lo dos tempos de escola. Talvez não conheça mesmo, já que ambos habitam esferas totalmente diferentes. O fato é que enquanto Ripley convive com Richard, começa a desejar aquela vida, ou talvez mais, começa a desejar ser o próprio Dickie. Começa então uma sucessão de situações nem tão planejadas que mudarão a vida dos personagens para sempre, especialmente de Tom que se supera a cada passo para conseguir o que quer. Andrew Scott está estupendo na pele de um personagem desprovido de qualquer senso moral ou culpa, mas dotado de uma engenhosidade impressionante para mentir e enganar quem cruze o seu caminho. Mesmo quando tudo se complica, a impressão é que ele sempre saberá o que fazer para se safar. A adaptação da obra por Steven Zaillian se afasta o máximo possível da adaptação feita por Minghella e acerta ao utilizar o formato de minissérie para ser ainda mais meticulosa ao desbravar as entranhas do personagem. Colabora muito na construção da identidade da produção a magnífica fotografia em preto e branco, que pinta cada cena como um quadro de homenagem ao cinema noir. O jogo de luzes e sombras é impressionante, seja nas cenas internas ou externas, construindo de um espetáculo que merece se repetir em novas temporadas (por favor, Netflix!). Adoraria ver o personagem ser aproveitado com tamanho esmero à obra de Highsmith em novos episódios, além disso, ver Andrew arrasador em um personagem tão complexo é um deleite para os sentidos. Forte candidata à minha série favorita do ano.
Ripley (EUA / 2024) de Steven Zailian com Andrew Scott, Johnny Flynn, Dakota Fanning, Kenneth Lonergan, Margherita Buy, Eliot Summer e Maurizio Lombardi. ☻☻☻☻☻
terça-feira, 9 de abril de 2024
Na Tela: O Homem dos Sonhos
Cage: o verdadeiro Freddy Krueger? |
KLÁSSIQO: O Franco Atirador
Meryl e De Niro: as cicatrizes do Vietnã. |
Mais interessante do que lembrar que filme ganhou o Oscar de melhor filme em determinado ano e ver quem estava na disputa ao seu lado. Em 1979 os indicados eram Amargo Regresso, O Céu Pode Esperar, O Expresso da Meia-Noite, Uma Mulher Descasada e o prêmio foi para O Franco Atirador de Michael Cimino. Muita gente imaginava que Amargo Regresso de Hal Ashby levaria o grande prêmio da noite, especialmente depois que ao longo da entrega dos prêmios havia recebido o de roteiro original, ator e atriz. O Franco Atirador já havia levado duas categorias técnicas (som e edição) além da estatueta de melhor ator coadjuvante, para Christopher Walken por interpretar o personagem mais memorável do filme, quando o longa levou o prêmio de melhor direção era certa sua vitória na categoria principal. Por algum tempo ouvi muita gente acusando o filme de ser um melodrama de guerra e quando fiquei sabendo de sua duração (três horas) fiquei bastante receoso de assistir. Com o tempo o filme passou a ser reconhecido como um marco nos filme de guerra, um dos exemplos de um novo gênero: filme antiguerra. Assim, se firmou cada vez mais como um clássico do gênero, abaixo somente de Apocalipse Now que foi lançado no ano seguinte. Cimino tinha apenas um filme no currículo quando embarcou neste projeto ambicioso que conta a história de um trio de amigos da Pensilvânia que são enviados para a Guerra do Vietnã. Mas ao invés de se concentrar somente na realidade da guerra, o filme prefere expandir esta marca em quatro atos distintos. No primeiro conhecemos a realidade daqueles amigos, cheios de planos e um tanto inconsequentes. Esta parte se concentra no dia do casamento de um deles, Steven (John Savage), mas o destaque fica por conta de Michael (Robert DeNiro) e Nick (Christopher Walken), que são os melhores amigos do grupo. Nick é apaixonado por Linda (Meryl Streep) que precisa lidar com o pai abusivo. O grupo de amigos se completa com Stan (John Cazale), John (George Dzundza) e Axel (Chuck Aspergen), o trio que não foi convocado para ir à guerra. Nesta parte o roteiro apresenta os personagens sem pressa, mas com um tom vibrante, alegre e apesar do clima de que o melhor está por vir, paira sobre Steven, Michael e Nick a ida para a guerra. No segundo ato, os horrores da guerra são apresentados com a intensidade necessária para mudar o trio de personagens para sempre, sobretudo quando se tornam prisioneiros e se tornam alvo de torturas psicológicas envolvendo a prática de roleta russa (algo que se tornou marca do filme). No ato seguinte, Michael tenta voltar a ser ele mesmo após tudo o que viveu, até que precisa cumprir com uma promessa do passado que o leva de volta ao Vietnã no último ato do filme. A proposta é uma verdadeira odisseia que mergulha em traumas de guerra e seu efeito num micro-universo que retrata bastante o fantasma que pairou sobre a sociedade americana por várias décadas. O efeito devastador daquelas histórias são ainda mais valorizadas pelas interpretações de Savage, Walken e DeNiro. Eles dão conta de transições impressionantes em seus personagens, sobretudo Walken que de um charmoso rapaz (tente resistir às cenas do moço enamorado por Streep, especialmente nas cenas em que ele dança - e Walken foi realmente dançarino) se torna uma espécie de zumbi com olhos vazios. DeNiro demonstra aqui mais uma vez a intensidade que o tornou um dos maiores astros de Hollywood, oscilando entre uma aparência de galã e o total descontrole. Não por acaso ele conseguiu sua terceira indicação ao Oscar. Meryl Streep foi indicada ao Oscar pela primeira vez por um papel pequeno, mas que ela soube ampliar muito bem entre os amigos sobreviventes. Quem não se deu muito bem foi o diretor Cimino, que torrou uma fortuna em seu filme seguinte e gerou um fiasco. O Portal do Paraíso (1980) fez os produtores repensarem a autonomia de diretores consagrados com orçamentos inchados e o resto você já sabe. Cimino acabou dirigindo somente outros cinco filmes ao longo de sua carreira até seu falecimento em 2016. O Franco-Atirador é sua obra-prima e o coloca entre os grandes nomes do que era conhecido como a geração da nova Hollywood.
O Franco Atirador (The Deer Hunter / EUA - 1978) de Michael Cimino com Robert De Niro, Christopher Walken, John Savage, Meryl Streep e John Cazale. ☻☻☻☻
segunda-feira, 8 de abril de 2024
PL►Y: Reality
Sydney: atuação de respeito. |
Reality Winner era uma tradutora contratada pelo governo dos Estados Unidos que se tornou responsável por um dos vazamentos de informações confidenciais mais escandalosos da história do país. Ela foi presa por cinco anos e muitos questionaram que sua ação tenha chamado mais atenção do que o fato que ela havia tornado público. A situação chamou atenção da mídia e ao que parece a transcrição do seu interrogatório pelo FBI se tornou público. A dramaturga Tina Satter transformou o interrogatório em peça de teatro e ano passado fez um filme que leva aqueles diálogos na íntegra para a tela do cinema. O filme foi exibido no Festival de Berlim em 2023, recebendo muitos elogios pela atmosfera tensa ao longo de uma hora e vinte de narrativa e a interpretação contundente de Sydney Sweeney como protagonista. Este é o filme de estreia de Satter e ela merece atenção por fazer aquele tipo de filme que é bastante complicado de acertar: uma única locação, poucos atores e ação através de diálogos. Ela não usa muitos outros artifícios para contar essa história, mas ancorada nas atuações e nos diálogos, ela constrói uma pequena joia de tensão cinematográfica. Quando conhecemos Reality em seu contato com o FBI ficamos imaginando que ela seria incapaz de ter cometido um crime. Sua preocupação constante com seus animais de estimação, a forma polida como controla o stresse e a naturalidade com que conta suas atividades nos fazem até imaginar que tudo não passa de um engano. Satter sabe exatamente a hora de revelar o que precisa ser dito e fico imaginando o filme se construindo em sua mente quando leu a transcrição do interrogatório. De ponto em ponto, ela captura o espectador para aquela tensão e por vezes torna difícil até piscar no meio das conversas com o FBI. Muito dessa atmosfera precisa se deve à forma como Sydney Sweeney (que ficou famosa com a série Euphoria da HBO e se tornou uma das atrizes mais badaladas da atualidade) encarna a personagem. A forma como sua espontaneidade aos poucos se torna calculada até que seu controle desmorone perante a acusação que recai sobre ela demonstra um domínio impressionante da personagem, um trabalho de primeira grandeza que revela o quanto ela merece papeis interessantes no futuro. Para além dos méritos de fazer tanto com tão pouco recurso, Reality ainda provoca uma interrogação na mente do espectador sobre o mundo em que vivemos, um mundo repleto de informação, mas que esconde segredos que sequer imaginamos. Na era da pós-verdade e de propagação de fake news, fica a impressão que o conhecimento da realidade pode custar mais caro do que se imagina. O filme está disponível atualmente na MUBI e merece ser conferido.
Reality (EUA-2023) de Tina Satter com Sydney Sweeney, Josh Hamilton, Marchánt Davis, Benny Edledge e John Way. ☻☻☻☻
NªTV: O Regime
Kate e Matthias: atração carnal em meio à crise. |