O mágico e o seu companheiro: um mundo sem lugar para magias.
O animador francês Sylvain Chomet ganhou o mundo quando realizou o diferente As Bicicletas de Belleville (2003) que foi indicado ao Oscar de animação e canção. Belleville já deixava claro que Chomet não estava disposto a se render aos recursos mais modernos da animação, preferindo os desenhos a mão. Seu traço também estava longe das linhas arredondadas e tons rosados dos filmes clássicos da Disney - e seu roteiro não se preocupa muito com as falas, deixando que elas apareçam raramente, de forma que devemos nos concentrar nas expressões faciais e físicas dos personagens criados por ele. A história flerta todo o tempo com o surreal e a força narrativa da trilha sonora combina sempre com as imagens caprichadas. Enfim, Sylvain Chomet tem um estilo próprio de fazer cinema, de forma que ao colocarmos os olhos em uma de suas obras somos capazes de reconhecê-la instantaneamente (quantos cineastas são capazes disso?). Lançado em 2010 no Festival de Berlim, O Mágico chamou a atenção do público e da crítica, recebendo fôlego para concorrer ao Oscar de animação (o filme ainda ganhou o César de melhor animação e o Prêmio do Cinema Europeu na mesma categoria). Baseado numa obra inédita de Jacques Tati (escrita em 1957), Chomet conta a história de um velho mágico (com traços inspirados em Tati) que na década de 1950 percebe que existe uma mudança no mundo das artes. Trata-se dum período de menos contemplação e nascimento do Rock'n roll (a cena em que espera a banda The Britoons acabar o show rende boas risadas) com suas fãs histéricas - e seus números de tirar o coelho da cartola chama cada vez menos a atenção do público. Ele faz shows pela Europa sempre com a mesma impressão de que o mundo está mudando e que ainda não encontrou o seu espaço no meio de tanta transformação. É na Escócia que encontra uma jovem que se interessa por seus números e ela segue viagem com ele, fazendo-lhe companhia e dando um pouco de graça à uma vida deslocada - afinal, a única companhia do mágico era o seu temperamental coelho branco. É na relação de ambos que o filme caminha em seu segundo ato, sempre equilibrando melancolia com um humor sutil típico de Jacques Tati combinado ao de Chomet. O diretor capricha nos planos de fundo, deixando tudo como se Paris houvesse se transformado num belíssimo livro infantil. Mas nem tudo é belo como o cenário, o mágico tem que pagar as suas contas e percebe que para ganhar dinheiro precisa vincular seu trabalho cada vez mais com a propaganda e o consumo (chega a trabalhar fazendo mágicas com lingeries numa vitrine ou pintando outdoors com trapezistas num dos momentos mais geniais do filme). É visível o desconforto do personagem nesses momentos, acrescente o fato de sua amiga começar a namorar um vizinho e ver o triste destino de um ventríloquo e sua marionete que a situação se agrava ainda mais. Mesmo quem não curte o tom "artístico" do desenho irá reconhecer que todos os prêmios que Chomet receber serão merecidos, mas quem gostou do humor amalucado de As Bicicletas de Belleville irá estranhar a mudança quase brusca no tom, já que por trás de todas as gracinhas que vemos nas cenas, o filme fica cada vez mais deprimente quando o protagonista percebe que não há espaço para sua arte no mundo. São belíssimas as cenas em que o destino dos personagens tomam seus caminhos rumo ao final, especialmente na cena do vagão de trem, onde podemos sentir o dilema do mágico em alegrar uma criança com sua mágica ou não. Ainda que termine fazendo surgir um um nó em nossa garganta, O Mágico é mais um belo trabalho de Chomet.
O Mágico (L'Illusionist/França-Reino Unido-2010) de Sylvain Chomet com vozes de Jean Claude Donda, Eilidh Rankin e Duncan MacNeil. ☻☻☻☻
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