Guskov e Laurent: momentos sublimes embalados por Tchaikovsky.
Em 2010, o fanco-russo O Concerto foi indicado aos principais prêmios do cinema (incluindo o Globo de Ouro), o sucesso perante a crítica lhe garantiu a distribuição em diversos países, com relativo sucesso - e o fato de ter no elenco Mélanie Laurent, estrela de Bastardos Inglórios (2009) ajudou um bocado na campanha boca-a-boca. Quando vi O Concerto minha primeira impressão foi de decepção, apesar do filme ser vendido abertamente como uma comédia, considerei tudo debochado, exagerado e até preconceituoso com os russos - ainda mais que um monte de amigos viviam dizendo que os tipos que aparecem no filme retratava "as diferenças daquela nação". Diante da serenidade do protagonista, deixei que ele me guiasse até o fim da sessão - e não me decepcionei. Trata-se de um filme belíssimo com um olhar bastante particular sobre as pessoas que atravessaram as bruscas mudanças daquele país e alcança momentos sublimes quando chega a hora anunciada pelo título - e o melhor é que nem precisa ser grande admirador de música clássica para ficar comovido. Se no início tiver a impressão que tudo irá resvalar num enorme clichê, você irá se surpreender! Andrei Filipov (Aleksey Guskov) era o renomado maestro da cultuada orquestra Bolshoi, mas foi perseguido pelo regime comunista, considerado inimigo do povo pela sua defesa aos músicos judeus e foi obrigado a ganhar a vida fazendo serviços de limpeza. Perdendo o posto por perseguições políticas, resta-lhe as memórias de um tempo que não volta mais... pelo menos até uma noite de trabalho num escritório e vê um fax convidando a orquestra de Bolshoi para tocar no Teatro Châtelet em Paris. A oportunidade várias ambições: reviver seus dias de glória, vingar-se dos que causaram a interrupção de sua carreira e visitar a França e... você precisa assistir o filme para descobrir o resto. O maior problema é que Andrei precisa arranjar pouco mais cinquenta músicos para compor uma orquestra, além de roupas, instrumentes, vistos, passagens e neste momento o filme não tem medo do ridículo para criar situações engraçadas (mistura ciganos, músicos pretensiosos, máfia russa, interesses comerciais, estereótipos do leste europeu e muito álcool), apesar de não descambar para a baixaria, investe pesado no exagero. Enquanto Andrei procurar criar alguma coesão no grupo de músicos que agregou, acompanhamos a sua convidada francesa para a apresentação, a jovem violinista Anne Marie Jacquet (Mélanie Laurent), que se depara com a oportunidade de tocar ao lado de seu ídolo e ainda vencer seus medos em tocar os solos de Tchaikovsky - para horror de sua misteriosa empresária. Quando chegam à França as confusões continuam, os músicos se perdem pela França e as oportunidades que representa, brigam por cachê, faltam ensaios, além de lidar com as lembranças que não correspondem mais à realidade local. Porém, todas as trapalhadas ficam de lado quando o roteiro investe no segredo que une o maestro e a solista. São nesses momentos que a tensão do filme aumenta e revela os motivos de todos os elogios rasgados que recebeu. É justamente na ameaça de que o concerto não se realize que a relação de Anne Marie com Filipov chega aos seus momentos cruciais, neste momento que O Concerto torna-se um filme excepcional. A ideia do diretor Radu Mihaileanu de evitar o óbvio e investir nos pensamentos do maestro ao lado do solista durante a apresentação eleva o filme a outro patamar. A edição é perfeita e a música impregna cada momento de uma textura épica à trajetória pessoal desses personagens. Torna-se sublime quando nos damos conta dos fios de vida que se ajustam àquela melodia. Só pelos seus vinte minutos finais o filme já merecia ser visto, uma verdadeira aula de cinema e a forma como palavras, música e imagens são capazes de levar o espectador numa viagem pelas emoções de outras pessoas, algo que só uma obra de arte é capaz de proporcionar com tamanha desenvoltura.
O Concerto (Le Concért/França-Itália-Romênia-Bélgica-Rússia/2009) de Radu Mihaileanu com Aleksey Guskov, Mélanie Laurent, Miou Miou e Dmitri Nazarov e Laurent Bateau. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário