sexta-feira, 13 de abril de 2012

DVD: O Espião que Sabia Demais

Cumberbatch e Oldman: peças num xadrez da espionagem. 

O sueco Tomas Alfredson foi exaltado pelos quatro cantos do mundo quando realizou o drama vampírico Deixe Ela Entrar (2008) - que fez tanto sucesso que recebeu até uma versão Made in Hollywood -, nada mais previsível que seu talento fosse importado para o cinema de língua inglesa e com alcance maior de público. O mais interessante em sua transição é que seu primeiro filme em inglês pode ser considerado uma refilmagem e com o mesmo sucesso de sua última produção na terra natal. O Espião que Sabia Demais é a versão do livro de John LeCarré para a telona (o mesmo foi levado à TV no formato de minissérie com Alec Guiness no papel de George Smiley). Antes de continuar, vale ressaltar, que os fãs de ação desenfreada e explosões vão detestar o filme, mas aqueles que sempre acharam que como agente secreto James Bond é fantasioso demais irão se deliciar com a tensão e as informações que requerem toda a atenção do espectador. Carré (pseudônimo do escritor David Cornwell, que realmente trabalhou para o Serviço de Inteligência Britânico) criou todo um universo paralelo para o seu livro, repleto de ironias e analogias com o cotidiano dos agentes secretos. Chama a autoridade máxima da Inteligência Britânica de Control (o sempre vigoroso John Hurt), a casa de vidro onde se encontram de Circus (que faz referência ao bairro inglês onde se encontra na ficção, ou pode ser apenas um "circo" mesmo. Na realidade, a Inteligência era espalhada por Londres em pequenos cubículos em prédios decadentes - conforme afirma Carré nos extras), a conspiração é chamada de Witchcraft (traduzindo: bruxaria) e o próprio título original em inglês se refere aos apelidos que Control utiliza para os suspeitos de traição entre os membros de sua cúpula. Ambientado durante o auge da Guerra Fria, o fio condutor da trama é a suspeita de que existe um espião infiltrado no Serviço de Inteligência do Reino Unido (o MI6), a motivação em descobrir quem é este sujeito ardiloso que causa a missão malfadada em Budapeste no início da sessão - onde o agente Jim Prideaux (Mark Strong, provando que   é ainda melhor fazendo bons moços) é vitimado. Muita coisa muda com o descrédito da missão e elas só pioram quando o agente aposentado George Smiley é convidado a remexer as suspeitas de Control após a sua morte. Smiley era um dos membros da cúpula do MI6 quando Control estava no comando, dividia as decisões mais secretas com Percy Allelline (Toby Jones), Bill Haydon (Colin Firth), Roy Bland (Cyarán Hinds) e Toby Esterhase (um impressionante David Dencik), os quais Control costumava chamar  pelos respectivos codinomes: Fuzileiro, Alfaiate, Soldado e Pobretão. Conforme tenta encaixar as informações que possui nas mãos, Smiley torna-se a costura da arquitetura narrativa proposta por Alfredson.   Em vários momentos tive a impressão que interessa menos ao diretor descobrir quem é o espião do que expor os sacrifícios exigidos por uma vida de discrições e desejos abandonados pelo caminho. Smiley, assim como outros personagens, tentam lidar com seus problemas pessoais com o mesmo sigilo da profissão - e quando esse mundos colidem o resultado parece ainda mais doloroso. Pelo caminho Smiley ainda contará com a fidelidade do jovem agente Peter (Benedict Cumberbatch) e do misterioso Ricky Tarr (Tom Hardy), que possui outros interesses na busca pelo traidor. É interessante como os russos e a própria burocracia governamental aparecem como obstáculos para que Smiley destrinche os mistérios que surgem pelo caminho. O incrível mesmo é como Alfredson investe numa trama hipnótica, onde não entendemos muito o que acontece durante boa parte da sessão (o que acontece quase sempre quando vejo filmes de espionagem), mas conforme entrelaça os fios da trama tudo caminha para uma solução direcionada pela sutileza cortante de Smiley. Gary Oldman foi merecidamente indicado ao Oscar por sua atuação minimalista, mas que deixa transparecer toda a inteligência e perspicácia de seu personagem. É ele que nos guia pela trama com seus óculos antiquados (procurados por Gary exaustivamente ao ponto de quase desistir do papel por não encontrar os que considerava ideais para o papel). Entre cenas de um presente melancólico e um passado glorioso, Alfredson sobrepõe segredos, mentiras e (in)fidelidades e cria uma estética irretocável na construção de imagens e atuações. Sem medo de desagradar o grande público, Alfredson criou uma espécie de totem aos agentes apresentados quase sempre de forma espalhafatosa no cinema. Aqui eles se despem de bugigangas fantasiosas e se tornam seres de carne e osso, capazes de reflexões memoráveis. Os espiões perderam a ação desenfreada, mas ganharam um roteiro robusto (indicado ao Oscar) e brilhante trilha sonora de Alberto Iglesias (também indicado ao Oscar). Ao final do filme o que permanece é a visão de que todos aqueles conflitos da Guerra Fria não fazem muito sentido no mundo de hoje - mas as relações humanas, banhadas em traições e lealdades, continuam causando identificação nas plateias de qualquer tempo. 

O Espião que Sabia Demais (Tinker, Taylor, Soldier, Spy/Reino Unido-França) de Tomas Alfredson com Gary Oldman, Benedict Cumberbatch, John Hurt, Tom Hardy, Mark Strong, Colin Firth, Ciarán Hinds, David Dencik, Stephen Graham e Kathy Burke. 

Um comentário:

  1. Aqui no Brasil este filme foi MUTILADO para o formato 1.85:1, o que piora a imagem em todos os sentidos. Realmente somos um país de incompetentes!

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