Anne e Jim: Um dia de cada vez.
O livro de David Nichols se tornou um bestseller por sua prosa bem humorada sobre dois amigos que nutrem uma paixão quase platônica por cerca de 20 anos, se Um Dia fosse apenas uma comédia romântica dessas que estreiam às pencas nos cinemas durante o ano, talvez a decepção fosse menor. Ao ser baseado no livro de Nichols fica a estranha sensação de que o espírito do livro foi exorcizado em sua transposição para a telona. Após ler o livro fiquei curioso para ver como o artifício de narrar sempre o mesmo dia do ano (15 de julho de 1988, 1989, 1990...) para Emma Morley e Dexter Mayhew ficaria no filme. Minhas piores expectativas foram deixadas (um pouco) de lado quando soube que a dinamarquesa Lone Scherfig (do aclamado Educação/2009) assinaria a direção e que o próprio Nichols assinaria o roteiro. Curiosamente é a edição desses dias (ou capítulos) que deixam o filme com o ritmo comprometido e o público sem entender muito bem como se pauta os conflitos de Emma (Anne Hathaway) e Dexter (Jim Sturgess). O casal se conhece na noite de formatura, Emma tem grandes pretensões intelectuais, Dex quer só curtir a vida. O que poderia ser uma noite de amor acaba se tornando o início de uma amizade - já que os dois dormiram (literalmente) um ao lado do outro. A partir deste ponto, o filme acompanha Dex e Em nos anos seguintes de suas vidas. Sempre no dia 15 de julho podemos ver como vai a vida dos personagens, vemos que Emma se distancia do seu sonho de se tornar escritora ao se perder entre burritos e tortillas num restaurante mexicano enquanto Dexter seduz alunas na França. Dex passeia pelo mundo, Emma fica presa às suas frustrações. Nos anos seguintes eles vão até viajar juntos, mas perceber que existe uma distância crescendo entre os dois, especialmente quando Dex se torna apresentador de televisão, um mundo repleto de álcool e drogas. É no trato com esses momentos mais obscuros de Dexter que o filme sai perdendo em comparação ao livro, no filme a opção por esconder esses momentos na edição final (o que prejudicaria o apelo perante os fãs das comédias românticas) fica parecendo que todo mundo implica com o rapaz sem motivo - momento em que isso é mais comprometedor é quando visita sua mãe (a ótima Patricia Clarkson) e o pai observa que o filho está suando em excesso. Dexter diz que está muito calor, o pai diz que não e acabou. No livro, Dex toma toma uns drinques e ecstasy antes de ir para a casa da mãe, o que quase acarreta um acidente, no filme isso fica de fora e não existe nada além do sermão do pai. A ausência dessas cenas mais comprometedoras para o personagem faz muita falta quando sua vida volta aos eixos com um casamento e o nascimento de sua filha, a impressão é que Dex ainda é o mesmo doidinho de antes - o que não é verdade. Jim Sturgess tem uma atuação que até ajuda a compreender o personagem, mas é prejudicado pelo processo de mutilação que a trama do livro sofreu nas mãos do próprio autor na hora de escrever o roteiro. O mesmo acontece com Emma, pra começar Anne Hathaway tem pouco (ou nada) da personagem no livro, não só fisicamente, nacionalmente ou estilo (acho que Romola Garai que interpreta Sylvie lembra mais a personagem que a estrela americana). A Emma do livro é forte, politizada e até chatinha ao criticar a origem burguesa de seu amigo, no filme ela é uma típica personagem de comédias românticas americanas, com a intenção de só ficar esperando o dia que Dex irá se declarar, Emma Morley perdeu alguns dos seus melhores momentos (o discurso motivacional com os alunos antes da peça na escola, seu caso com um homem casado, sua tristeza em não engravidar e o desgaste com o relacionamento com Ian), dando sempre a impressão de que está em segundo plano. A graça de acompanhar as dores do amadurecimento dos personagens é menos saboroso na tela já que a transição dos anos aparece, na maioria das vezes, apressada e sem tempo para que possamos degustar o crescimento de Dexter e Emma. A trilha sonora melosa também não ajuda muito o que só piora o megaclichê que Nichols reservou para o final do livro/filme (que ainda funciona em sua denúncia do tempo desperdiçado). Ainda assim, o filme consegue ser mais interessante do que a maioria dos filmes do gênero que estreiam toda semana. Gosto de pensar que futuramente o filme receberá uma nova versão, onde as cenas que foram cortadas da versão final irão compor uma adaptação que seja equivalente ao livro.
Um Dia (One Day/EUA- Reino Unido-2011) de Lone Scherfig com Jim Sturgess, Anne Hathaway, Romola Garai, Rafe Spall, Patricia Clarkson e Tom Mison. ☻☻☻
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