Adam e Alba: casamento de diferenças.
Desde que assisti o excelente A Solidão dos Números Primos (2010) que aguardo o novo filme do cineasta italiano Saverio Costanzo. Em 2014 ele competiu no Festival de Veneza por Hungry Hearts e celebrou quando viu seus atores Adam Driver e Alba Rohrwacher sendo considerados os melhores intérpretes do Festival. No entanto, o filme ainda encontra problemas de distribuição e nem mesmo as boas críticas recebidas no Festival do Rio no ano passado contribuíram para ser lançado no circuito comercial brasileiro. Acredito que estão esperando ver o resultado da campanha realizada para o filme ser lembrado no Oscar do ano que vem - pelo menos o lobby em torno de Adam Driver está forte. O pior dessa história é que Corações Famintos é um ótimo filme que poucos brasileiros terão oportunidade de assistir na telona, já que periga até sair direto em DVD (assim como aconteceu com A Solidão...). Baseado no livro de Marco Franzoso, o diretor cria mais uma vez um drama que parece um suspense (e isso costuma frustrar os espectadores) a partir do relacionamento de um jovem casal. O americano Jude (Adam Driver) e a italiana Mina (Alba Rohrwacher) se conhecem da forma mais constrangedora possível ao ficarem presos num banheiro (depois que ele tem problemas estomacais por comer um certo tipo de peixe). Percebe-se ali o quanto Jude é espontâneo e Mina é contida. Nas próximas cenas eles serão namorados. Ela descobrirá que está grávida. Eles se casam. A ideia de que algo está errado com o casório precoce parece representada por um sonho que persegue Mina (onde um caçador mata um cervo após a festa de casamento e desaparece na escuridão). Eis que na gravidez, Mina começa a apresentar uma postura estranha, onde os excessos de proteção beiram a obsessão e podem prejudicar sua vida e a do bebê. Mais do que vegana, Mina começa a apresentar outras restrições e distúrbios que comprometem o desenvolvimento do seu filho e preocupa cada vez mais Jude - que não sabe o que fazer com o comportamento da esposa, apenas sabe que seu filho está a beira do raquitismo. Então começam os desentendimentos entre o casal numa atmosfera psicológica tensa onde, mais uma vez, Costanzo imprime uma atmosfera realista que flerta com ângulos surreais na vida dos seus personagens. Dos pesadelos, passando pela claustrofobia do apartamento (do qual a mãe proíbe que o filho saia até que o considere "pronto" para isso - e ele já tem sete meses de vida) ao uso de cenas distorcidas, Corações Famintos usa como referência o clima impresso por Polanski em O Bebê de Rosemary, conseguindo gerar grande angústia. Há de se elogiar como o diretor consegue construir um panorama complexo sobre o casamento a partir de uma história aparentemente simples. Das omissões, dos acordos, das violências e abusos que seguem de um lado e de outro, o filme é repleto de detalhes (que torna tudo mais interessante, como os animais empalhados ou a forma como Mina definha diante da câmera) num texto incomum. Além dos elogios merecidos à Driver e Alba (que aqui alcançou a impressionante marca de quatro prêmios de atuação no Festival de Veneza) há de se elogiar ainda a atuação da veterana Roberta Maxwell que tem poucas cenas para dar conta de um personagem complicado, mas fundamental para o desfecho da história que resvala num olhar doentio sobre a maternidade. Pode se dizer que Corações Famintos abraça o caos no relacionamento de seus protagonistas e o oferece ao espectador de forma assustadora.
Corações Famintos (Hungry Hearts/Itália-2014) de Saverio Costanzo com Adam Driver, Alba Rohrwacher, Roberta Maxwell, Al Roffe e Jason Selvig. ☻☻☻☻
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