Taika e Roman: amigo imaginário perigoso.
Faz um tempo que acompanho a carreira do neozelandês Taika Waititi, tempo suficiente para saber que ele tem uma ideias muito estranhas, mas que casam com seu senso de humor ácido e sem firulas. Quando descobri que depois de ganhar fama mundial com Thor Ragnarok (2017) o novo projeto de Waititi era levar para as telas uma história sobre um garotinho que tem como amigo imaginário Adolf Hitler... juro que pensei que ele havia surtado de vez. Todo mundo deve ter dito isso para ele. Com o roteiro pronto e embaixo do braço, foi difícil conseguir dinheiro para bancar a produção, assim como convencer o elenco a entrar nesta sandice. Embora o mundo hoje esteja vivendo um clima extremista polarizado assustador, o livro que inspirou o filme foi lançado em 2004 e somente uma mente como de Taika poderia imaginar um longa baseado nele para lançar em tempos perigosos. Obviamente que polêmicas em torno do filme não faltam, mas penso que ele foi concebido para ser do jeito que é, incluindo suas provocações. A começar que o Hitler do filme (vivido pelo próprio diretor de origem judaica) não é aquele que conhecemos nos livros de História, mas uma fantasia criada por um menino que sonha em ser um pequeno soldado nazista. Se você considera isso ridículo, basta lembrar de quem idolatra líderes que vivem dizendo sandices por aí com um bando de gente para dar razão ainda. O amigo imaginário do pequeno Jojo pelo menos é feito de forma quase Chapliana por Taika, mas as falas hediondas estão todas ali e, por incrível que pareça, a postura de muitos seguidores na Alemanha da Segunda Guerra Mundial não era diferente do que se vê no filme. É verdade que aqui o apelo cômico está presente através do exagero caricatural, mas que só ressalta o que já foi real. Não podemos esquecer que Hitler não chegou ao poder sozinho e se conseguiu fazer o que fez foi por conta dos fieis seguidores que abraçaram suas ideias questionáveis. Jojo (o ótimo estreante Roman Griffin Davis) é um deles, assim como seu amigo irresistível Yorki (Archie Yates), como freio para as ambições do desastrado Jojo está sua mãe (Scarlett Johansson indicada ao Oscar de coadjuvante), que sabe o filho que tem e, mesmo assim, abriga uma menina judia (Thomasin McKenzie) em segredo enquanto os campos de concentração já existem. É nesta relação entre Jojo e a menina que o discurso em que o menino acredita se desmonta aos poucos. Esta relação já foi vista sob outro prisma em O Menino do Pijama Listrado (2008) e aqui o resultado chega ao mesmo objetivo por caminhos diferentes. Houve gente que reclamou que o filme enquanto comédia "incomoda" - como se isso fosse um defeito, a intenção de Waititi é esta mesma, basta ver a origem da comédia clássica para perceber que o objetivo é este: desmontar o espectador pelo riso para tocar em assuntos sérios minutos depois. Assistir Jojo Rabbit é perceber um diretor ousando tocar num vespeiro e buscar o equilíbrio o tempo inteiro com o que tem em mãos. Não é uma tarefa fácil e só ajuda o espectador a ficar apreensivo com o que vê na tela. Se nem o Oscar de roteiro adaptado te motiva a ver o filme, vá assistir pelo excelente trabalho de Roman e Archie, os meninos são espetaculares e valem o ingresso!
Jojo Rabbit (Nova Zelândia / EUA / República Tcheca - 2019) de Taika Waititi com Roman Griffin Davis, Taika Waititi, Scarlett Johansson, Archie Yates, Thomasin McKenzie, Sam Rockwell, Rebel Wilson e Stephen Merchant. ☻☻☻☻
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