terça-feira, 31 de março de 2020

PL►Y: Bacurau

Sonia (ao centro): faroeste no sertão. 

Antes de escrever qualquer outra coisa, acho importante ressaltar que gosto muito de O Som ao Redor (2013) e Aquarius (2016), acho os dois bastante evocativos sobre a realidade que conhecemos tão bem em nosso país. No primeiro sobre a sensação de insegurança e o segundo sobre a desvalorização da história/memória através da trama centrada em uma personagem forte (defendida com força impressionante por Sonia Braga). Dito isso, vamos ao novo filme de Kleber Mendonça Filho, Bacurau que foi exibido e premiado (Grande Prêmio do Júri, espécie de segundo lugar) no Festival de Cannes. Vale dizer que o filme se tornou um sucesso nos cinemas brasileiros, uma espécie de unanimidade entre a crítica... o tipo de produção que tenho até medo de assistir pela expectativa gerada e, especialmente, por qualquer coisa que eu venha escrever aqui no blog. Talvez seja bom eu adiantar que não acho Bacurau um filme ruim, apenas acho que merecia ser mais lapidado. A história não se pode contar demais para não estragar as surpresas que reserva, já que retrata a história de uma cidade que da noite para o dia se dá conta que não está mais no mapa. Começa a ser rodeada por situações estranhas (um casal de motoqueiros que aparece não se sabe de onde, um disco voador que aparece voando por aí... é verdade, um disco voador e se você considera isso estranho aguarde até a carnificina começar). Este deve ser o roteiro mais carregado de Kleber Mendonça Filho (assinado com o co-diretor Juliano Dornelles), existem tantas simbologias na trama que seria complicado tentar abordar todas elas aqui, mas assim como nos filmes citados anteriormente, elas estão no compasso do que muitos brasileiros observam e temem em nossa realidade, por isso mesmo, a identificação com a história é imediata por aqui. No entanto, em nome de tantos elementos a serem trabalhados, Kleber  e Juliano abrem mão de aprofundar vários temas que tentam abordar, deixando que estes apenas se misturem. No entanto, o que mais me incomoda é a ausência de desenvolvimento dos personagens, a única que recebe mais contornos é Domingas (Sonia Braga), um personagem pequeno, mas importante. Eu não sei se o fato dos diretores gostarem de trabalhar com atores amadores cria essa sensação de quem ninguém está exatamente atuando além de Sonia, mas a ideia de um realismo improvisado fica bastante evidente e por vezes incomoda. Em contraponto temos aqui outro rosto conhecido, o alemão Udo Kier, que simboliza aqui tudo o que há de mal no mundo. Em sua primeira parte Bacurau se arrasta apresentando a cidade seus moradores com cenas um tanto soltas até chegar à uma verdadeira guerra pela sobrevivência. Parece um faroeste no sertão, só que ao invés dos caucasianos exterminarem índios, eles exterminam a população local que precisa utilizar a violência para não perecer. É evidente como nesta parte o filme ganha ritmo e tensão, mas os personagens já estão pelo meio do caminho faz tempo. Bacurau em seu desfecho com conchavos desmascarados e a história colocada à mostra enquanto conta seus mortos é um filme sobre o horror do extermínio de pessoas invisíveis no mapa. Não sei até que ponto a direção dividida com Juliano Dornelles (diretor de O Ateliê da Rua Brum/2016) influenciou este resultado final, que é bem menos sutil do que as outras obras de Kleber. Em Bacurau tudo é exposto, tudo está à mostra sem a habitual elegância do aclamado diretor de Aquarius

Bacurau (Brasil/2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles com Sonia Braga, Udo Kier, Karine Teles, Bárbara Colen, Silvero Pereira, Antonio Saboia e Danny Barbosa. ☻☻☻

Nenhum comentário:

Postar um comentário