Cinco filmes assistidos no mês que merecem destaque:
quarta-feira, 31 de agosto de 2022
PL►Y: Como ser Malvada
Construir a identidade é uma das coisas mais difíceis na vida do ser humano. Tentar encontrar aquele equilíbrio entre o que se quer, o que se pode e o que não de deve fazer... articular o que te ensinaram com o que você deseja, saber lidar com as relações de forma a aceitar o que não pode ser alterado e seguir em frente... enfim, parece complexo demais (e é, haja terapia...) mas o filme alemão Como ser Malvada consegue trabalhar algumas destas questões naquela fase em que a construção de quem se é começa a se tornar mais latente no indivíduo: a adolescência. No entanto, para ficar diferente da maioria dos filmes do gênero, a produção utiliza um toque de fantasia que funciona melhor do que se imagina ao colocar no centro da narrativa a filha do coisa ruim, sim, isso mesmo, uma herdeira do inferno, a filha de Lúcifer é uma das personagens principais do filme. Como os tempos mudaram o anjo caído (vivido pelo veterano Samuel Finzi) agora administra uma empresa em que acompanha as maldades que andam fazendo por aí (e haja funcionários para isso) e no meio de tudo, sua filha, Lilith (Emma Bading) funciona como uma espécie de aprendiz (lidando com tretas online, claro). No entanto, ela quer fazer algo mais prático e importante. Como ela ainda é jovem, o pai não confia muito em suas habilidades e, afim de que ela fracasse, a manda para uma tarefa quase impossível: transformar a doce e educada Greta (Janina Fautz) em uma garota malvada. Lilith acha que vai tirar a lição de letra, mas vinda de uma família humilde e com uma paciência de Jó, Greta lhe dá muito mais trabalho do que imagina. Nada parece capaz de tirar a menina do sério. Das recorrentes humilhações que passa na escola, passando por sua total invisibilidade perante aos olhos dos meninos e a aceitação plena das ordens de seus pais, Greta realmente parece merecer o céu. Mas a que preço? Enquanto a novata Lilith começa a criar atritos na escola, o filme começa a mergulhar em um campo muito interessante ao fazer pensar que a passividade tem um preço e ele pode ser bastante alto se você não tiver um pouquinho de malícia para se impor no mundo e, não por acaso, Greta e Lilith (em saboroso contraste nas atuações) se tornam amigas e a influência de uma sobre a outra começa a provocar alguns efeitos inesperados. Obviamente que Como ser Malvada tem um bocado de ingenuidade, mas funciona ao criar uma história sobre crescimento que foge um pouquinho do óbvio, além de deixar as duas personagens principais em torno do mesmo dilema: até que ponto vale a pena agradar os pais e esquecer o que se quer. Essa construção identitária entre ser o que você é com o que os outros esperam que você seja nutre o desfecho do filme e, de certa forma, deixa claro que até os bonzinhos precisam extrapolar de vez em quando (e os malvados baixar a guarda quase sempre). O filme está perdido no imenso catálogo da Netflix (com o nome original em alemão, o que dificulta bastante a busca por aqui, e merece uma olhada!
Como ser Malvada (Meine teuflisch gute Freundin/Alemanha - 2018) de Marco Petry com Emma Bading, Janina Fautz, Ludwig Simon, Samuel Finzi, Emilio Sakraya, Oliver Korittke e Thomas Klemens. ☻☻☻
terça-feira, 30 de agosto de 2022
PL►Y: Adeus, Solo.
Red e Souleymane: crônica de uma morte anunciada. |
Na Tela: X
Quando X chegou nos cinemas americanos, eu li e ouvi tantas críticas positivas que imaginei: será que é tudo isso mesmo? A desconfiança conteve bastante minhas expectativas, especialmente com base na premissa "da equipe que vai para uma fazenda isolada nos cafundós do interior americano e se envolvem num verdadeiro banho de sangue". De certa forma foi bastante positivo imaginar que o filme do diretor Tin West era uma slasher genérico que bebia diretamente no apelo sexual de jovens fogosos nos originais dos anos 1970. Misturar horror e pornografia é quase a base do gênero (basta lembrar de um dos comentários de Pânico/1996 que perder a virgindade num filme de terror é praticamente assinar a sentença de morte), portanto, utilizar uma equipe de filmes pornôs já era uma sacada bastante irônica. A diferença na percepção de tudo que X poderia ser está na sua produtora, a A24, que tem feito história no cinema indie do Tio Sam com lançamentos de peso e o catálogo mais interessante dos últimos tempos. Enquanto a maioria dos grandes estúdios dos EUA temem encontram dificuldade [sic] para bancar filmes originais, a A24 prova que ainda existe criatividade por lá - embora o Oscar faça vista grossa para tudo que o estúdio representa hoje. Sendo assim, ao assistir X (que por aqui recebeu o aposto "A Marca da Morte" por alguém que não faz a mínima ideia do que a letra do título significa perante a censura americana) o filme me surpreendeu positivamente por todas as camadas que insere numa história que poderia ser só mais um terror sanguinolento. A começar pela ambientação no ano de 1979 (o ano em que nasci e que marcava o final da década em que a contracultura e a liberação sexual alcançava seu auge antes do fantasma da AIDS pairar sobre a década seguinte) em contraste com o discurso conservador que assistia tudo aquilo com declarada insatisfação. No filme, o discurso da moral e os bons costumes está em um programa de televisão que sempre aparece em cena com um pastor pregando sobre a danação aos seus fieis fervorosos. Do outro lado está a equipe que chega na fazenda texana cheia de ideias para fazer um filme pornô com alguma pretensão artística (que era comum antes da chegada do home video e seus VHS). Na equipe estão o produtor Wayne (Martin Henderson), uma diva do gênero, Bobby-Lyne (Britany Snow), a novata com ambições de se tornar estrela mundial Maxine (Mia Goth), o astro Jackson (Scott Mescudi), a assistente de direção Lorraine (Jenna Ortega) e seu namorado diretor RJ (Owen Campbell). Todo mundo sabe o que vai acontecer com a equipe quando entra na sala de cinema, a diferença está na desenvoltura com que Tin West conduz o início da trama com bastante paciência, como se fosse um drama que deixa o suspense fermentando abaixo do que se vê. O entrosamento dos atores e a naturalidade com que encaram seu ofício lembram Boogie Nights (1997) de Paul Thomas Anderson e ajuda ao espectador se importar com cada um dos personagens. Se você acha o proprietário da fazenda estranho (Stephen Ure), espere até conhecer a esposa dele que parece ter vivido por anos numa catacumba nas fazendas do Texas. A senhorinha chamada Pearl explode de desejo por Maxine e o desequilíbrio se estabelece, fazendo com que a segunda parte do filme se inicie. Ela enxerga uma identificação com a jovem que, não por acaso é interpretada pela mesma atriz, a Mia Goth. Mia está ótima na pele de Maxine e está mais do que convincente na pele de Pearl, num trabalho duplo brilhante (digno de Oscar, se a Academia não tivesse preconceito com atrizes em filmes de terror). Vale destacar que Mia é neta da atriz brasileira Maria Gladys e tem chamado cada vez mais atenção em seus trabalhos, os olhos expressivos acompanhados de sobrancelhas quase inexistentes tornam sua imagem ainda mais interessante na tela de cinema. Quando o banho de sangue começa, sabemos que o desfecho terá aquele duelo final e ainda guarda uma surpresa. Muita gente ressalta no filme a hipocrisia do discurso conservador, que projeta no outro um desejo sufocado é seu, mas penso que existe um outro aspecto que deixa o filme ainda mais rico. O fantasma do envelhecimento e do corpo que se deteriora e "afeta" o prazer. Existem vários diálogos no filme sobre a impossibilidade de satisfazer desejos sexuais devido à idade, também existem pontos sobre a imagem que começa a se alterar com o tempo e o fato de Pearl e Maxine serem interpretadas pela mesma atriz reforça ainda mais esta ideia. Uma projeta seu horror na outra e deixa tudo mais interessante. Em X (que vem do selo X-Rated destinada aos filmes pornôs) os desejos reprimidos e o tempo, que cria uma contagem regressiva para satisfazê-los são os grandes vilões da história. Esta ideia é tão boa que o filme já tem uma sequência em produção: Pearl (em pessoa).
X - A Marca da Morte (X - EUA / 2022) de Tin West com Mia Goth, Martins Henderson, Britany Snow, Jenna Ortega, Scott Mescuddi, Owen Campbell e Stephen Ure. ☻☻☻☻
domingo, 28 de agosto de 2022
.Doc: O Apocalipse de Um Cineasta
Por vezes a produção de um filme pode sofrer tantos percalços que já renderia um filme. Algumas vezes rende dramatizações para reconstituir, mas quando temos rico acervo de cenas de arquivo pode virar um documentário surpreendente. O Apocalipse de um Cineasta é sobre a feitura de uma das maiores obras-primas de todos os tempos: Apocalypse Now (1979) o filme de guerra de Francis Ford Coppola que quase acabou com sua vida. A ideia era fazer uma adaptação livre de O Coração das Trevas de Joseph Conrad, transpondo a história para a Guerra do Vietnã. Quem leu o livro sabe que a espinha dorsal do livro e do filme são as mesmas, mas o desenrolar dos fatos bem diferente... Se ao ver o filme temos a dimensão de toda a genialidade do diretor em seu processo criativo, vendo este documentário (com base nos registros da esposa de Coppola durante as filmagens e de Faz Bahr e George Hickenlooper para o que seria um making of tradicional), temos a exata dimensão de como nada foi fácil nesta produção. Tudo que pudesse dar errado, deu. Foram 238 dias direcionados ao caos completo e a tentativa de contornar tudo o que acontecia durante as filmagens. Entre cenas de arquivo, momentos cortados do longa, citação à narrativa de Orson Welles para o O Coração das Trevas, o filme se constrói na angústia da filmagem de um dos filmes mais adorados de todos os tempos. Situações como a interrupção das filmagens pelas forças armadas filipinas (onde o longa foi filmado), o ator principal Martin Sheen sofrendo infarto, Dennis Hooper chapado o tempo inteiro, Marlon Brando enorme e sem saber o texto, a demissão de Harvey Keitel, um tufão que destruiu boa parte dos cenários... a Lei de Murphy imperava no set. Obviamente que o resultado foi um desânimo generalizado e o desespero pessimista do cineasta que não conseguia ver uma forma do seu filme finalizado. Com o cronograma estourado, orçamento esgotado foram gastos três anos para colocar em ordem o que havia sido filmado e completar as cenas que faltavam. No entanto, enquanto Coppola se desesperava, encontrava apoio em sua equipe e esposa para concluir o projeto que imaginava concluir em apenas 16 semanas. No entanto, O Apocalipse de Um Cineasta é mais do que sobre uma catástrofe, mas um triunfo mediante todos os percalços que é fazer cinema. O documentário me faz indagar se a visceralidade do filme seria a mesma sem os problemas que enfrentou. Vendo este documentário eu entendo porque, hoje, Coppola prefere ser produtor, filma de vez em quando e não está nem aí para o que acham dos seus últimos filmes. O cara já deu sangue, suor, lágrimas e o coração para as trevas de si mesmo na filmagem de um dos seus maiores clássicos - e aquela cena final um tanto deslocada é a prova de que a dor permanece até hoje.
Francis Ford Coppola - O Apocalipse de Um Cineasta (Heart of Darkness: A Filmmaker's Apocalypse / EUA - 1991) de Faz Bahr, Eleanor Coppola e George Hickenlooper com Francis Ford Coppola, Eleanor Coppola, Sam Bottoms, Marlon Brando, Robert De Niro, Laurence Fishburne, Robert Duvall, Dennis Hopper e Martin Sheen. ☻☻☻☻
NªTV: Uncoupled
Emerson, Neil e Patrick: a idade fora do armário. |
Eu ainda estou penando para colocar minhas séries em dia (para você ter ideia, já ultrapassei quinze séries pendentes para assistir), mas encontrar um desvio do porte de Uncoupled é uma delícia. Com oito episódios que beiram uma hora de duração, o programa se assiste sem fazer muito esforço com seu humor sarcástico sobre a vida real, especialmente sobre os gays maduros de Nova York. As conversas e dilemas do protagonista renderam comparações com a cultuada Sex & the City, mas eu, particularmente prefiro o resultado alcançado nesta aqui. A série estrelada por Neil Patrick Harris tem o trunfo de parecer ser um retrato da vida real (lembrando que Harris é gay assumido e casado na vida real), ainda que seja a vida real de um grupo bem específico de gente bem de vida nos Estados Unidos. Na verdade, tudo está bem em termos financeiros, porque o coração de Neil, ou melhor, de Michael está em pedaços desde o primeiro episódio, afinal, após realizar uma festa surpresa pra seu companheiro, Colin (Tuc Watkins) com quem vive há 17 anos, ele descobre que Colin está prestes a viver sozinho em outro apartamento, outro bairro... ou seja, o relacionamento que parecia tão sólido de desfez subitamente. Obviamente que Michael irá viver o luto pelo fim do relacionamento, irá tentar encontrar uma causa, as nóias sobre Tuc estar com outro cara são inevitáveis... mas passando por tudo isso, vem o que dá um sabor especial para a série: abordar gays maduros e a forma como são vistos em uma sociedade que cultua a juventude e tem ojeriza de tudo que possa parecer velho. Michael vai sofrer um pouquinho para entender os signos dos relacionamentos de 2022 - como o uso de aplicativos, o desprezo ao uso de preservativos e, digamos, lidar com novos parceiros de estatura diferenciada... Embora tenha uma cena apimentada aqui e outra ali, o seriado é moldado para ter apelo para além da comunidade LGBTQIAN+, uma vez que consegue universalizar o luto com o fim de um relacionamento e a dificuldade de encontrar um novo parceiro quando as referências de beleza e relações são outras. Debaixo de todas as gracinhas, Uncoupled é mesmo sobre envelhecer e o impacto disso nas relações, seja pela crise de meia-idade de Colin, pelas inseguranças de Michael ou de sua amiga, Suzanne (Tisha Campbell) uma mãe solo que também tem problemas para encontrar um parceiro. De brinde temos Marcia Gay Harden na pele de uma ricaça que ainda não se recuperou de ser trocada por uma mulher algumas décadas mais jovem. Os amigos de Michael, o famoso Billy (Emerson Brooks) e o marchand Stanley (Brooks Ashmanskas) complementam o olhar da série sobre os relacionamentos na maturidade e seus percalços. Com o gancho para uma nova temporada, resta torcer para a Netflix não decepcionar os espectadores que curtirem esta diversão.
KLÁSSIQO: O Espelho
Existe um certo consenso de que O Espelho é o filme mais difícil do cultuado cineasta russo Andrei Tarkovsky. Eu poderia dizer que este foi o motivo para eu demorar tanto para comentar sobre ele, mas, de alguma forma, a dificuldade de encontrar uma versão legendada do filme deve estar relacionada à fama que precede a obra. Adepto de filmes com narrativas em que se mistura tempos, sonhos, fantasias e longos silêncios, neste longa o diretor insere também situações autobiográficas. O resultado lembra muito as comparações que sempre ouvidas entre o cinema de Tarkovsky e o de Ingmar Bergman, especialmente pelo mergulho psicológico no personagem principal. Por isso mesmo, fica mais interessante notar que o protagonista não aparece na fase adulta, na maioria das vezes o que ouvimos é sua voz narrando ou dialogando como se a câmera fossem seus olhos e a forma como enxerga o mundo. Nesta particularidade, ele enxerga a esposa com a mesma aparência de sua mãe, embora as duas sejam de épocas distintas e temperamentos diferentes. Freud explica. Da mesma forma, existe um propósito de confundir (ou desafiar?) o espectador sobre o passado e o presente do personagem, seja pelo uso da mesma atriz, o uso de preto e branco, cenas jornalísticas, enfim, em O Espelho tudo se reflete e projeta no que está em cena. As mulheres, as crianças, os filhos, a afetividade... não satisfeito com isso, o diretor ainda espalha vários espelhos pelo cenário, além de criar algumas cenas fantasmagóricas habitando a mente do narrador chamado Aleksei. Filmado em cores, sépia e preto e branco, o filme busca a reprodução do fluxo de consciência do personagem, embaralhando fatos, lembranças e delírios de forma nada linear mais pela intenção de provocar o espectador do que ter início meio e fim. O quarto longa-metragem do diretor para o cinema (curiosamente entre dois filmes de ficção científica, Solaris/1972 e Stalker/1979 que me despertam sensações opostas) soa para alguns como uma obra-prima, para outros, o exercício mais hermético e cerebral de um cineasta brilhante que aqui parece ter desejado se tornar indecifrável (não que isso seja um problema). No entanto, mesmo composto por diversas camadas, ao chegar ao seu desfecho, o filme deixa a sensação de que olhar o passado é como ver a vida refletida no espelho do título (e tudo fica ainda mais bonito se lembrarmos que o que vemos no espelho é apenas a luz refletida).
O Espelho (Zerkalo/ União Soviética - 1975) de Andrei Tarkovsky com Margarita Terekhova, Oleg Yankovskiy, Filipp Yankovskiy, Ignat Daniltsev, Nikolay Grinko, Alla Demidova e Yuriy Nazarov. ☻☻☻
#FDS Viggo Mortensen : 13 Vidas
sábado, 27 de agosto de 2022
#FDS Viggo Mortensen: Ainda Há Tempo
sexta-feira, 26 de agosto de 2022
#FDS Viggo Mortensen: Crimes do Futuro.
E muito interessante pensar que ano passado um filme que reverenciava o calejado body horror tenha ganho a cobiçada Palma de Ouro no Festival de Cannes após sua controversa exibição. Titane (2021) dividiu opiniões quando foi exibido no Festival, mas foi considerado o melhor pelo júri. Ainda que tenha toda sua originalidade atestada, Titane bebe diretamente na fonte do cinema do canadense David Cronenberg, que fez escola na forma de revirar o estômago do espectador numa sala de cinema com filmes do porte de Videodrome (1983) e A Mosca (1986). Portanto, foi ainda mais interessante ver Cronenberg voltando ao body horror em sua estreia em Cannes deste ano, o resultado não poderia ser outro: divisão de opiniões, pessoas saindo enojadas no meio da sessão e problemas de distribuição. A MUBI comprou os direitos para exibição do filme no Brasil e já disponibilizou o filme para os cinéfilos curiosos que sabem exatamente o que esperar do cultuado diretor. Depois de uma fase mais contida inaugurada por Spider (2002), seguida pelos aclamados Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2007), ele percebeu que estava ficando meio careta com Um Método Perigoso (2011) e resolveu voltar à sua verve mais irônica em Cosmópolis (2012) e o fabuloso Mapa Para as Estrelas (2014). Crimes do Futuro, mistura a ironia destes dois últimos filmes com os longas mais esteticamente desafiadores do diretor. Esta mistura funciona por um lado, mas no outro... O filme é ambientado num futuro em que as pessoas sofrem mutações constantes que as fazem produzir órgãos extras, sejam apenas excessos a serem extirpados, orelhas espalhadas pelo corpo ou sistemas digestórios capazes de digerir plásticos. No centro da narrativa está Saul (Viggo Mortensen em sua quarta parceria com o diretor), um homem que realiza shows performáticos que são cirurgias ao vivo capitaneadas por sua parceira, Caprice (Léa Seydoux). O corpo de Saul produz órgãos desconhecidos e isso desperta atenção de muita gente que aprecia suas exibições, além de curiosos que possuem uma proposta mais científica, como Wippet (Don McKellar) e sua assistente, Timlin (Kristen Stewart). Obviamente que existe um submundo em torno destes personagens "especiais" e seus espetáculos em que o corpo é tudo o que resta. O filme não se preocupa em construir uma história com começo, meio e fim, mas se dedica à construção de um mundo próprio, bastante estranho, mas que bebe diretamente em vários filmes do diretor. Além do tom de ironia farsesca dos seus filmes anteriores, aqui existe um resgate de muitos pontos de filmes como Gêmeos - Mórbida Semelhança (1988), Mistérios e Paixões (1991), ExistenZ (1999) e Estranhos Prazeres (1996), na construção de um universo repleto de libido, cortes e fetiches. É uma salada de tudo que Cronenberg fez até aqui (incluindo o título igual de um média metragem feito por ele em 1970). As cenas das máquinas estranhas que parecem orgânicas em seu formato de osso, assim como as deformidades e cortes sangrentos que causam excitação em quem assiste são aspectos que já vimos antes no universo criativo do cineasta. A graça aqui está em ver Kristen Stewart usando sua imagem límpida e asséptica como uma casca de repressão sexual e ter que ouvir Viggo lhe dizer que não sabe como fazer sexo à moda antiga. Ainda que apareça pouco, Kristen está mais interessante (e um tanto cômica em seus tiques e inseguranças) do que Léa Seydoux que parece não fazer a mínima ideia do que está fazendo por aqui. Viggo no entanto, no auge de seus quase 64 anos, continua um homem atraente e um ator cada vez mais interessante em buscar papéis desafiadores. Aqui seu desafio é no meio de toda estranheza ser o corpo mais desejado que aparece na tela e, para terminar, tem aquela cena final em que se confirma que o gozo ocorre ao ser mutilado. Tão grotesco quanto erótico, o filme perde pontos em sua segunda metade - e acho que o espetáculo ficaria mais interessante se a balança pendesse mais para o erotismo e a mente viajasse em fantasias que só existiriam neste mundo de colagens cronenberguianas.
Crimes do Futuro (Crimes of the Future/ Canadá - Reino Unido - França / 2022) de David Cronenberg com Viggo Mortensen, Léa Seydoux, Kristen Stewart, Don McKellar, Scott Speedman, Nadia Litz, Tanaya Beatty, Welket Bungué e Tassos Karahalios. ☻☻
NªTV: Sandman
Sandman (EUA-2022) de Neil Gaiman com Tom Sturridge, Jenna Coleman, Boyd Holbrook, Gwendoline Christie, Mason Alexander Park, Kirby Howell Baptiste, David Thewlis, Patton Oswald, Joely Richardson e David Thewlis. ☻☻☻☻
quinta-feira, 25 de agosto de 2022
PL►Y: O Novato
Benoit (Réphaël Ghrenassia) é novo na escola. Quem já passou por isso (e quem nunca passou?) sabe que é um período complicado. Aqueles dias de parecer estar pisando em ovos enquanto precisa conviver com pessoas que nunca viu na vida. A necessidade de ser aceito logo se junta à outra necessidade: fazer amigos. Olhando aquelas crianças na estranha fase de transição para a adolescência parece ainda mais difícil a tarefa de estabelecer novas amizades, afinal, tudo é ampliado pela insegurança e efervescência hormonal da adolescência. Esta fase de transição para a vida pré-adulta é um dos pontos que fazem O Novato de Rudi Rosenberg estar acima da média, mas o que mais achei interessante é como o filme aos poucos se torna um retrato bastante espontâneo do que é fazer amigos. Benoit até tenta fazer amizade com uns meninos que parecem populares, mas não demora para que demonstrem ser completos idiotas implicantes. Fosse um filme americano, a grande jornada de Benoit seria em busca de popularidade, namorar a garota mais bonita da escola e fazer amizade com alguns personagens estranhos estereotipados. Como O Novato é um filme francês, aos poucos ele começa a se aproximar de alguns personagens de forma bastante natural, assim, aparece aquele colega engraçadinho que senta ao lado dele no refeitório, o garoto de óculos que pretende ser representante de turma e uma menina com deficiência que ainda enfrenta comentários maldosos em toda parte. Obviamente que o pequeno Benoit também terá um interesse amoroso, mas este não é o ponto principal do filme. O mais interessante é notar como os personagens se aproximam e descobrem afinidades meio que por acaso e aprendem que não precisam de uma multidão de pessoas para terem bons momentos de conversa e diversão. É verdade quem em alguns momentos o pai de Benoit parece ter a mesma idade que os colegas do filho (e a forma como ele ensina os meninos a lidarem com comentários maldosos é quase didático em sua espontaneidade), mas o efeito só amplia a ideia de que crescer é um exercício contínuo. Filmado de forma simples com atores desconhecidos e muito eficientes, o longa carrega um maior jeitão de improviso, sem muita intervenção da diretora em tom quase documental (mera ilusão, já que é o tipo de trabalho mais difícil de se fazer na condução dos atores), O Novato se torna uma pequena pérola sobre uma fase da vida que aparece muitas vezes em terceiro plano em outros filmes, aqui, o cento da narrativa está justamente nestes personagens que ainda estão aprendendo a crescer e, neste trajeto, estar em boa companhia é fundamental.
O Novato (Le Nouveau / França - 2015) de Rudi Rosenberg com Réphaël Ghrenassia, Joshua Raccah, Géraldine Martineau, Guillaume Cloud-Roussel, Johanna Lindstedt e Max Boublil. ☻☻☻☻
PL►Y: Pequena Mamãe
Em cartaz no Prime Video, Pequena Mamãe foi indicado ao BAFTA e ao Independent Spirit na categoria de Melhor Filme estrangeiro. O filme chegou a ser cotado para uma indicação ao Oscar por seus fãs fervorosos e isso deve ter mexido com as minhas expectativas quando assisti ao novo filme da diretora Céline Sciamma. A ideia é bastante simples, e pode funcionar com seu apelo universal para todas as idades, mas a diretora confia tanto nesta ideia que esquece de fazer o mais importante: contar uma história a partir dela. A personagem principal é uma menina que acaba de perder a vovó. Nelly (Joséphine Sanz) tem oito anos e ajuda os pais arrumarem os objetos da falecida. A arrumação de tantos objetos é em si uma representação do luto daquela família da ausência causada pela morte que ainda paira sobre seus pensamentos e lugares que costumavam ser acolhedores - o que torna todos os personagens do núcleo familiar distante nas situações e diálogos. No entanto, um dia Nelly encontra uma menina, Marion (Gabrielle Sanz), muito parecida com ela num bosque perto dali e as duas ficam amigas. Aos poucos percebemos que as vidas de ambas possuem mais coisas em comum do que somente a aparência semelhante. Sciamma não faz mistério com o que vemos na tela, já que as duas meninas são praticamente idênticas e uma delas carrega o nome da mãe da outra. Sciamma conta a história nos detalhes, poupa seu elenco de verter lágrimas diante da câmera e conduz sua trama com cenas do cotidiano em que quase nada demais acontece (a construção de uma casa no bosque, o dia de fazer a barba do papai, um passeio de barco, a feitura de um bolo...). Pequena Mamãe é uma história de fantasia filmada como se fosse uma trama realista. Fala sobre família, sentimentos, perda, morte, vida... lindamente fotografado, o que o torna uma produção muito bonitinha (assim como as duas meninas), mas que não avança muito em suas possibilidades, dependendo muito da vontade do espectador comprar a ideia e se sensibilizar. Embora entenda a presença do luto na atmosfera, achei um filme bastante frio, especialmente com as duas meninas passando a maior parte do filme com a mesma cara. Embora a proposta seja um convite ao encantamento, o resultado é incrivelmente duro em sua formatação emocional. Parece ter vergonha de encantar, o que é uma pena.
Pequena Mamãe (Petite Maman / França - 2021) de Céline Sciamma com Joséphine Sanz, Gabrielle Sanz, Nina Meurisse, Stéphane Varupenne e Margot Abascal. ☻☻
domingo, 21 de agosto de 2022
PL►Y: Noite Passada em Soho
Matt, Tomasin e Anya: só desperdício. |
Podemos dizer que Edgar Wright tem três filmes nos pedestais da cultura pop (ainda farei um pódio sobre o moço), um é a melhor comédia sobre zumbis (Todo Mundo Quase Morto/2004), o outro é uma subestimada adaptação de HQ para (Scott Pilgrim Contra o Mundo/2010) e recentemente provou que filme de ação poderia ter alma de musical (Em Ritmo de Fuga/2017). Portanto, quando ele anunciou um novo projeto para a temporada de ouro, os olhos e ouvidos dos cinéfilos cresceram. Cresceram tanto que a expectativa chegou no topo e Noite Passada em Soho dividiu opiniões. A minha não é muito boa. O filme tinha tudo para dar certo, o visual é super caprichado na tentativa de emular a efervescência do bairro londrino, a fotografia é caprichada no uso das cores neon, os figurinos são competentes, os penteados são caprichados, o elenco é de encher os olhos, mas... faltou um roteiro sólido para dar alma para tudo isso. O filme conta a história de uma jovem órfã que pretende ser estilista e é aceita em uma conceituada faculdade em Londres. Assim que chega, Eloise (Thomasin Mckenzie) começa a ser hostilizada por suas colegas e, não bastasse isso, ela é sensitiva e tem o hábito de ter visões que ela não sabe muito bem o motivo. Chegando no Soho é como se ela viajasse para os anos 1960, ela fica fascinada com isso, mas tudo muda memso quando ela começa a ter visões repetidas sobre a vida de uma misteriosa garota (Annya Taylor-Joy), que também foi tentar a vida por lá e se envolveu em uma trama sombria no passado. Eloisa tenta desvendar os mistérios em torno da garota e o filme fica indo e voltando sem revelar nada de realmente surpreendente, até que um crime acontece e a trama se enrola mais ainda para desenvolver o labirinto em que se meteu. Particularmente eu comecei a desconfiar do filme quando ninguém avançava muito nos comentários sobre a trama em seu lançamento - e pudera, realmente ela é isso descrito acima - e se contar mais é o desfecho. Falando em desfecho, confesso que achei uma das coisas mais esquisitas os caminhos escolhidos pelo diretor para concluir a trama, afinal, ela é repleta de homens abusivos que em alguns momentos fazem o filme patinar no gelo de seus posicionamentos. Fosse uma ideia bem amarrada não teria problema, mas o gelo é finíssimo aqui, quebradiço até. Fora isso, me causou certo déjà vu esta mistura do ponto de partida e das cores do Suspiria (1977) de Dario Argento, com os delírios de Repulsa ao Sexo (1965) - tem cenas que parecem verdadeiras cópias deste último. A sensação de já vi este filme antes (e melhor) provocou alguns cochilos inevitáveis. Se você sente pena de ver Anya Taylor-Joy tentando dar dignidade aos caminhos previsíveis de sua personagem, repara no último trabalho da excepcional Diana Rigg como a senhoria da protagonista, ela faz até o filme parecer melhor do que é, mas nem sempre o talento é suficiente para operar milagres na sétima arte.
Noite Passada em Soho (Last Night In Soho / Reino Unido - China / 2021) de Edgar Wright com Thomasin McKenzie, Anya Taylor-Joy, Diana Rigg, Terence Stamp, Matt Smith e Connor Calland. ☻☻
sábado, 20 de agosto de 2022
4EVER: Claudia Jimenez
sexta-feira, 19 de agosto de 2022
PL►Y: The Humans
sexta-feira, 12 de agosto de 2022
4EVER: Wolfgang Petersen
Nascido em Emden, na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, Wolfgang Petersen começou os seus trabalhos no cinema nos anos 1960, mas antes estudou História do Teatro nas faculdades de Berlim e Hamburgo. No início da carreira realizou vários filmes para a televisão alemã - incluindo o seriado de sucesso Tatort. Esta experiência ajudou a realizar seu primeiro longa-metragem para o cinema: Einer von uns Beiden (1974) em que já demonstrava a competência técnica que se tornaria marca de sua carreira. O sucesso internacional chegou com O Barco (1980) em que o tom claustrofóbico dá o tom e rendeu seis indicações ao Oscar para a produção (direção, roteiro adaptado, montagem, fotografia, som e efeitos especiais). A indicação ao Oscar carimbou o passaporte do diretor para Hollywood, onde se especializou em superproduções como A História sem Fim (1984), o subestimado Inimigo Meu (1985), Na Linha de Fogo (1993), Epidemia (1995), Força Aérea Um (1997), Troia (2004) e Poseidon (1996). Vale ressaltar que O Barco ainda é uma referência para o cinema mundial. O premiado diretor e roteirista faleceu em decorrência de câncer no pâncreas.
quinta-feira, 11 de agosto de 2022
4EVER: Anne Heche
Anne Celeste Heche nasceu na cidade de Aurora (Ohio). Filha caçula de uma família com cinco crianças, a pequena sofreu com as constantes mudanças da família. O pai era diretor de coral e os problemas financeiros eram comuns e o trabalho no teatro começou a lhe render cem dólares por semana, o que a tornou a grande fonte de renda da família. A situação da família complicou quando o pai faleceu vítima de HIV em 1983. Dez anos depois, Anne Heche estreava no cinema, chamando atenção no indie Amigas Curtindo Adoidado (1996) de Nicole Holofcener. No ano seguinte ela já aparecia em grandes produções como Donnie Brasco, Volcano, Mera Coincidência e o sucesso Eu Sei o Que Vocês Fizeram no ano Passado. No ano seguinte vieram a controversa refilmagem de Psicose de Gus Van Sant e Seis Dias e Sete Noites ao lado de Harrison Ford, mas nenhum deles foi mais falado do que seu relacionamento com a atriz Ellen DeGeneres - que durou de 1997 até 2000. Anne passou os últimos anos realizando trabalhos para a TV, mas particularmente considero que o melhor trabalho de Anne foi no incompreendido Reencarnação (2004) de Jonathan Glazer, em que ela interpreta (digna de prêmios) a amarga cunhada de Nicole Kidman. A atriz faleceu em decorrência de um acidente de carro e deixa oito projetos já filmados a serem lançados.
segunda-feira, 8 de agosto de 2022
4EVER: Olivia Newton-John
26 de setembro de 1948 ✰ 08 de agosto de 2022 |
Olivia Newton-John nasceu em Cambridge no Reino Unido em uma família ilustre, já que é neta do físico ganhador do Nobel Max Born. Embora fosse cantora desde 1971, Olivia se tornou mais famosa quando respresentou seu país no Festival Eurovision em 1974. Ao todo a artista lançou 26 álbuns de estúdio, ganhou quatro Grammys e quatro People's Choice Awards, três como cantora e um como melhor atriz em 1979 impulsionada pelo sucesso estrondoso do musical Grease (1978) nos cinemas. Embora tenha feito outros filmes, nenhum deles repetiu o êxito comercial ao lado de John Travolta. Desde os anos 1980, Olivia se dedicou a alguns filmes em que, na maioria das vezes fazia participações especiais e priorizou sua carreira de cantora. Ao ser diagnosticada com câncer de mama no início dos anos 1990, Olivia se tornou importante na luta por investimentos em pesquisas de combate ao câncer. Por seus esforços pela causa, a Rainha Elizabeth a nomeou com o título de Dama na lista de honrarias de 2020.