Gosling: mãos para destruição e não para diversão...
Ao assistir ao primeiro filme da trilogia Pusher (1996) tive a impressão de que havia uma vontade do dinamarquês Nicholas Winding Refn ser uma versão hardcore de Quentin Tarantino. Com menos humor e citações cinéfilas, sobrava espaço para cenas de violência elaborada e a criação de cenas tensas ao extremo. Sorte que quando o diretor realizou o sucesso Drive (2011) essa impressão não existia mais. Observamos um diretor pleno na construção de sua identidade, usando referências da década de 1980 (os créditos iniciais, a trilha, a jaqueta cool do protagonista...) para criar a narrativa de um dublê de cinema que dirige carros para criminosos nas horas vagas - papel defendido por Ryan Gosling. Refn e Gosling ficaram tão satisfeitos com a elogiada parceria que engataram um segundo filme juntos: Só Deus Perdoa. Eu já fiquei assustado quando um bando de marmanjos entusiastas aclamavam o primeiro poster da produção, onde o rosto do ator aparecia cheio de hematomas. Com as críticas que o filme recebeu (e a demora na estreia por aqui) hesitei em acreditar que a dupla criou um fiasco. Assistindo ao filme, aquela impressão de que Refn queria ser Tarantino voltou ainda mais forte, pena que não seja tão hábil com uma caneta na mão. Refn demonstra uma dificuldade danada em construir uma história que preste dentro das referências que escolheu aqui. A violência estilizada beira o humor involuntário (ou o pastelão) e as referências ao cinema oriental me remeteram a uma espécie de Kill Bill (2003) pobre, que se leva mais a sério do que deveria. Outra referência na história é a tragédia clássica de Édipo Rei, mas faltou ao diretor a humildade de perceber que não tinha uma história pronta, apenas o esboço de uma história sobre vingança. Refn parece implorar para que Ryan Gosling atue como uma estátua, com poucos momentos em que podemos perceber o talento do moço na pele de Julian (e a lembrança fresca de Drive faz sua atuação soar como uma paródia de si mesmo). Julian é o administrador de uma casa de Muay Thai em Bancoc, na Tailândia. Apesar do ator chamar atenção para a produção, os minutos iniciais são dedicados ao irmão dele, Billy (Tom Burke) e sua jornada em busca de uma adolescente para estuprar e matar. Billy acaba assassinado pelo pai de sua vítima a mando de um policial (Vithaya Pansringarm) que vive com uma espada de samurai presa às costas. Ciente da conduta do irmão, Julian acaba desistindo de vingar a morte do mano, mas a mãe dele não fica nada satisfeita com isso e busca a vingança por meios próprios. A narrativa parece fazer questão de nos fazer não se envolver com os personagens, mas Kristin Scott Thomas consegue chamar atenção como a estranha mãe de Julian. Bastante diferente dos tipos elegantes que estamos acostumados a vê-la, Kristin constrói uma espécie de poderosa chefona brega de tendências incestuosas, graças à ela que o filme consegue ter alguma graça. - já que o policial vilão acaba gerando risadas sempre que está pronto para usar sua espada. Já o pobre Julian serve apenas para o diretor exercitar seu fetiche pelas mãos do personagem - que parecem destinadas somente à violência (que renderá a cena conclusiva mais bizarra dos últimos tempos). Só Deus Perdoa tem a ambição de ser um filme estiloso sobre vingança, mas o estilo acaba ficando restrito ao uso da iluminação e da trilha sonora. As cenas arrastadas e simbólicas não conseguem disfarçar a preguiça de construir uma história que prestasse, o que torna o filme uma experiência frustrante para quem esperava que Nicholas Winding Refn havia alcançado o domínio de seu estilo próprio. Só Deus Perdoa mostra que ele é capaz de recair num velho mosaico disforme de referências, mas só uma nova obra irá dizer se Refn é digno de perdão.
Só Deus Perdoa (Only God Forgives/Dinamarca-França/2013) de Nicholas Winding Refn com Ryan Gosling, Kristin Scott Thomas, Vithaya Pansringarm e Tom Burke. ☻
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