Ritmo de despedida: a obra-prima de Atom Egoyam.
Lembro do principal motivo que me levou a assistir a O Doce Amanhã pela primeira vez: foi um comentário da crítica de cinema Ana Maria Bahiana onde ela dizia que era o seu filme favorito de 1997 - isso em pleno ano em que Titanic eclipsava produções como Los Angeles - Cidade Proibida (de Curtis Hanson), Jackie Brown (de Quentin Tarantino) e Boogie Nigths (de Paul Thomas Anderson). O filme foi ignorado no Globo de Ouro, mas o Oscar lembrou dele nas categorias de melhor roteiro adaptado (do romance de Russell Banks) e direção para Atom Egoyan. Egoyan (que nasceu no Egito e foi criado no Canadá) já havia chamado atenção pelo seu trabalho curioso em Exótica (1994), mas quando exibiu O Doce Amanhã em Cannes a plateia agradeceu a bela surpresa que havia reservado. Lento e belíssimo, o filme é uma dolorosa história sobre uma cidade no interior gélido do Canadá que perde quase todas as suas crianças de uma só vez - e a forma como o sofrimento e o oportunismo se cruzam pelo meio do caminho. Num dia comum, um acidente com o ônibus escolar irá modificar a vida daqueles habitantes para sempre. Egoyan trata a situação sem firulas, sem melodramas, com a velocidade crua que somente um pesadelo pode ter. Mas enquanto tentam lidar com o luto, os moradores recebem a visita do advogado Mitchell Stephens (Ian Holm). Stephens quer aproveitar a tragédia para tentar convencer os pais a processar a companhia de ônibus, sob a argumentação de que a companhia sabia que o ônibus não era seguro o suficiente para realizar o trabalho. Enquanto conhece os pais que perderam os filhos, o advogado tenta lidar (por telefone) com a filha adolescente que é viciada em drogas. Stephens é apenas uma amosta de como Egoyam constrói um cenário humano interessantíssimo, repleto de culpas, pecados e perdão (temas que acentuam o teor religioso da trama) especialmente em torno de uma sobrevivente do acidente, a jovem Nicole (Sarah Polley). Nicole pode mudar a forma como lidam com a situação a partir do seu testemunho sobre as ações da motorista do ônibus no momento do acidente, Dolores (Gabrielle Rose). Focalizando personagens como o pai viúvo que hesita diante das intenções do advogado, a mulher adúltera que pensa em mudar de vida diante da tragédia, a adolescente que mantém um relacionamento incestuoso com o pai, Atom cria um filme sobre uma cidade que encontra-se morta em seus personagens que tentam sobreviver. Além da belíssima trilha sonora e da fotografia que valoriza o tom gélido do lugar, O Doce Amanhã ainda estabelece paralelos com o conto O Flautista de Hamelin - aquele em que para se vingar de uma cidade, um flautista leva todas as crianças para longe dali - com um efeito poético inesquecível. ainda que pouco lembrado, O Doce Amanhã é um desses filmes que descobrimos aos poucos os seus méritos e, depois de muito tempo, ainda habita a nossa lembrança com seus personagens e situações. Deve ser um dos filmes mais tristes que já assisti, mas é também um dos mais bonitos. O considero a obra-prima de Atom Egoyan.
O Doce Amanhã (The Sweet Hereafter/Canadá-1997) de Atom Egoyan com Ian Holm, Sarah Polley, Gabrielle Rose, Bruce Greenwood e Tom McCamus. ☻☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário