segunda-feira, 24 de março de 2014

DVD: Cores do Destino

Carruth e Amy: amor, larvas, porcos e esquizofrenia. 

Devo confessar que tenho uma queda por produções estranhas, mas de vez em quando encontro algumas que até eu duvido que consegui assistir, talvez por isso, fiquem martelando na minha cabeça por dias depois que acabo de assisti-las. Ontem assisti Cores do Destino, filme independente que chamou a atenção no ano passado desde que foi aclamado em Sundance, de onde saiu com o prêmio especial do júri pela "forma inventiva como utiliza som e imagem". Ainda que as plateias possam rejeitar a proposta do diretor Shane Carruth, há de se perceber que a mente do rapaz é bastante engenhosa na hora de construir quebra-cabeças dramáticos sobre tramas de ficção científica. Ele já havia realizado algo semelhante com Primer (2004) e aqui ele injeta doses cavalares de romance para narrar um experimento que beira o grotesco, mas tratada com uma plasticidade cênica e sonora que a torna uma bela experiência sensorial. No entanto, apesar dos nós que pode dar na mente do espectador, seu fio condutor é fácil de entender. Nas primeiras cenas nos deparamos com a criação de uma larva, cultivada a partir de uma planta. Quando essa larva é introduzida no ser humano, ela torna sua vítima submissa ao poder da sugestão, ela funciona como uma espécie de hipnose ou até amnésia. Ela é utilizada por um ladrão para fazer com que Kris (Amy Seimetz, ótima) lhe entregue todo o seu dinheiro. Depois, Kris tenta seguir a vida normalmente, mas não consegue devido aos efeitos daquilo em seu organismo. Quando descobre o que está acontecendo, ela busca uma cura através de um tratamento inusitado - realizado por um criador de porcos misterioso (Andrew Sensenig). Quando se considera curada, ela se envolve com Jeff (vivido pelo diretor Shane Carruth). Parece que a coisa ficará mais tranquila? Bem... aí a narrativa do filme se rende a uma rede de cenas fragmentadas, que podem ser vistas como analogias entre o casal e os animais criados pelo personagem misterioso... entre outras coisas. Kris continua ouvindo sons estranhos, tem sensações esquisitas e percepções que parecem além do seu corpo. É visível que Kris ainda padece dos efeitos da larva  e isso afeta a forma como segue sua vida e o relacionamento com o compreensivo Jeff. Não espere respostas, clareza ou sentidos explícitos na narrativa, Carruth nos submete à mesma percepção fragmentada da realidade vivenciada por sua protagonista. Ainda que o espectador possa compreender a essência da trama, torna-se um desafio acompanhar a narrativa e superar a suspeita de que na verdade não estamos entendendo muito bem o que está acontecendo. O fato é que o filme consegue ser tão instigante quanto confuso. A ideia de sobrepor os efeitos da larva no organismo com a chegada do amor na vida de Kris é interessante e traz uma aura esquizofrênica que motiva acompanhar, no entanto, não é todo dia (e nem é todo mundo) que está disposto a desbravar os paralelos propostos pelo roteiro. Porém, nada chama mais atenção que a coragem de Carruth, afinal, estamos diante de um diretor de 42 anos que dirigiu somente dois longas e que costuma fazer tudo em seus trabalhos: dirige, atua, escreve, produz, edita, fotografa... talvez por isso seu cinema tenha uma identidade tão forte (que me lembra muito o caminho que Darren Aronofsky teria seguido se continuasse na seara de seu longa de estreia, o famigerado Pi de 1998) ainda que distante do grande público (que não está acostumado a ter suas concepções alteradas a cada dez minutos de projeção). A boa notícia é que Shane não ficará nove anos sem instigar a audiência (entre Primer e Cores do Destino ele deu forma e abandonou um projeto, A Topiary I que não vingou), seu novo filme The Ocean Modern já está em produção e deve envolver "comércio de commodities, piratas e corsários...", resta esperar para ver se criará tanto barulho quanto as interpretações subjetivas provocadas por Cores do Destino.

Cores do Destino (Upstream Color/EUA-2013) de Shane Carruth com Amy Seimetz, Shane Carruth e Thiago Martins. ☻☻☻

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