Keaton e seu herói voador: o preço de voltar em grande estilo.
Michael Keaton era um dos
comediantes mais populares da década de 1980 e causou estranhamento quando foi
escolhido para ser o super-herói Batman nos cinemas. Escolhido para vestir a
capa do homem morcego nos filmes de Tim Burton o ator foi bastante criticado.
Vale ressaltar que em 1989 os filmes baseados em histórias em quadrinhos
estavam bem longe do que são hoje, afinal, depois de bilheterias mirradas por
décadas, os estúdios fugiam dessas obras... até que a Warner resolveu arriscar com o herói da DC Comics.
Keaton teve um bocado de coragem, mas sabia que depois de viver o herói sua
carreira não seria a mesma. O ator viveu Batman em 1989 e em 1992 em dois
filmes que foram sucesso de bilheteria, mas sua carreira não foi muito além
disso. Com poucas exceções (como as adaptações das obras de Elmore Leonard em
que viveu o policial Ray Nicolette em Jackie Brown/1997 e Irresistível Paixão/1998), seus
filmes caíram no esquecimento. Não por acaso Alejandro González Iñárritu
escolheu o Keaton para viver (com maestria) o ator Riggan Thomas, sujeito que esteve no auge
quando estrelou uma trilogia do herói Birdman no cinema, mas depois de viver
esquecido, quer provar que não é de um personagem só, mas um ator de verdade. O Birdman de Alejandro é um primor técnico ao fazer o espectador mergulhar na espiral que é a
mente de seu protagonista nos tensos dias que precedem a estreia da peça que produz,
dirige e estrela na Broadway, chamada, não por acaso de "Sobre o que Falamos quando Falamos sobre
Amor" de Raymond Carver. Embora a intenção de Riggan seja a melhor
(reerguer sua carreira com uma produção de alta qualidade), desde que começa a
semana de prévias, tudo parece anunciar o fracasso. Tudo acontece: estanhamentos com o
ator principal egocêntrico Mike Shinner (Edward Norton), desentendimentos
com a filha Sam (Emma Stone), inseguranças de sua estrela (vivida por
Naomi Watts), o estremecimento na relação com a namorada atriz (Andrea
Riseborough) e a coisa ainda piora quando sabe que uma renomada crítica irá
estraçalhar o espetáculo após a noite de estreia. Riggan tenta manter-se
na linha, mas é evidente que sua tensão o transforma numa espécie de bomba
relógio, motivadas por tudo listado acima e pela voz que fala em sua cabeça o tempo inteiro coisas sobre a
peça que irá terminar com o pouco de dignidade que lhe resta. Alejandro utiliza alguns efeitos especiais para ressaltar o quanto o estado mental do
protagonista é complicado (ou será que algumas coisas acontecem de verdade como a última
cena parece revelar?), além de uma trilha sonora inusitada (somente com o som de uma
bateria que às vezes é incorporada ao cenário) e a montagem que reproduz os dias
na vida de Riggan com efeito de um plano sequência de duas horas (como se fosse
feito em uma tomada só, sem cortes... bem... eles existem, ainda que
invisíveis) fazendo com que a angústia do personagem seja contínua (e é isso que o espectador sente). Tenso e estranho, o filme mantém um proposital ar de descontrole, no entanto, o cineasta sabe exatamente o que está fazendo, exalando referências do filme sobre o filme num universo bastante particular. Repleto de elementos
metalinguísticos, o filme de Iñárritu afasta o cineasta dos filmes de tragédias
multifacetadas lançada com Amores Brutos/2000, prosseguiu em 21 Gramas/2003 e
terminou em briga com Babel/2006 (a briga, no caso, foi com o roteirista Guillermo
Arriaga, parceiro do diretor nas três obras). Sozinho, Alejandro patinou no
melodramático Biutiful/2010, mostrando que estava na hora de repensar seu cinema. Com Birdman, o cineasta reencontra seu caminho com o inesperado tom de humor
negro sobre o mundo do espetáculo. O longa faz referências às motivações de ser
famoso, o reconhecimento, o sentir-se querido, a influências das redes sociais,
a acidez nas relações... temas que aqui aparecem em torno de uma ator, mas que
fala muito sobre a imagem que temos de nós mesmos. Esse é o principal motivo para a Academia,
geralmente conservadora em suas indicações, colocar o filme no páreo em 9
categorias (filme, diretor, ator/Keaton, ator coadjuvante/Norton, atriz
coadjuvante/Stone, roteiro original, fotografia, mixagem de som e edição de som, poderia ser dez se a edição genial fosse reconhecida), ou seja, "a inesperada virtude da ignorância" trouxe Michael Keaton de volta em grande estilo num filme adoravelmente estranho.
Birdman - ou A Inesperada Virtude da Ignorância (Birdman or the Unexpected Virtue of Ignorance/EUA-Canadá/2014) de Alejandro González Iñárritu com Michael Keaton, Edward Norton, Emma Stone, Naomi Watts, Amy Ryan, Andrea Riseborough, Lindsay Duncan e Zach Galifianakis. ☻☻☻☻☻