Passei o ano inteiro preparando a minha lista de filmes favoritos que chegaram no Brasil em 2017. A minha lista original tinha dezenove filmes, mas tive que sofrer um bocado para cortar alguns. O lado bom é que olho para os dez que aparecem aqui e vejo que são os que mais se comunicaram comigo. Vale lembrar que é uma lista subjetiva - e você também deve ter a sua. Não significa que filmes como A Criada, Dunkirk e Corra! ficaram de fora porque são ruins, mas, apenas porque curti um pouco mais esses dez. Sei que tem algumas surpresas (que provavelmente aparecerão somente na minha lista de favoritos), mas tem outros que não poderiam ficar de fora. Os filmes que levarei do ano que está chegando ao fim são os seguintes (em ordem alfabética):
É preciso ter coragem para criar a continuação de um clássico mais de três décadas depois. Muita gente argumentou que o filme não foi tão bem nas bilheterias porque era lento demais, mas sinceramente, eu gosto dele do jeitinho que ele é (mas poderia durar umas cinco horas que eu não me incomodaria). Villeneuve cria um espetáculo visual que amplia completamente o clássico de Ridley Scott, enriquecendo sua mitologia e criando novos personagens que são autênticas continuações do filme original. Blade Runner 2017 traz algumas das cenas mais lindas que já vi numa tela de cinema, criando momentos de pura magia - que fez até os fãs mais durões se emocionarem na sala escura. Adoraria que o universo de Phillip K. Dick virasse uma trilogia, mas como o resultado não empolgou o estúdio, será difícil. No entanto, como nem o Blade Runner original fez sucesso de bilheteria no seu lançamento, só ganhando respeito ao longo do tempo... quem sabe quando eu tiver uns setenta anos a terceira parte chegue aos cinemas.
Fui ver Bady Driver quase que por acaso, sem esperar muito dele. No início eu não via nada demais nesta nova empreitada de Edgar Wright, mas conforme a trama avançava, me envolvi cada vez mais com a história do motorista de assaltos que quer mudar de vida. Sem perceber você começa a repensar os coadjuvantes que se tornam cada vez mais interessantes (sem que você saiba muito sobre eles) e o melhor de tudo: você percebe que o filme tem o ritmo de sua trilha sonora. Ao longo da narrativa fica latente a genialidade do diretor em criar coreografias com perseguições de carros, tiros e diálogos. Além do apelo visual (e sonoro) irresistível existem ainda as piadinhas internas que crescem em sua mente após o término da sessão. Em Ritmo de Fuga se tornou a minha maior surpresa do ano e não poderia ficar de fora das minhas melhores experiências cinematográficas de 2017 - e já aguardo a sequência.
Acho realmente fascinante como um filme econômico pode ser envolvente pelo trabalho do diretor conduzindo seus atores. Lady Macbeth é um filme aparentemente sem muitos recursos. Com locações quase todas dentro de uma casa, poucos atores em cena que fazem crescer uma tensão irresistível sobre a maldade humana - e do que ela se alimenta. Baseado na obra de Nicolai Leskov, o filme de William Oldroyd não tem efeitos especiais, monstros ou reviravoltas mirabolantes, mas conta com momentos de um vigor inacreditável. A atriz Florence Pugh merece desde já entrar nas listas de atuações favoritas do ano na pele da personagem que passa de mocinha infeliz ao posto de vilã diabólica. Regado por humilhações, rancores e desejos, Lady Macbeth torna-se uma obra arrepiante e um tanto desagradável de assistir, mas que você não consegue deixar de acompanhar, como se sofresse uma espécie de transe hipnótico - que permanece mesmo após o filme terminar.
Sabe aquela lista de diretores que você não pode perder filme algum. Jeff Nichols está na minha lista desde que assisti O Abrigo (2011), sobre um homem que não sabe se é louco ou profeta do apocalipse. Desde então Nichols já fez filmes bem diferentes, sendo o último esta bela biografia do casal que dá nome ao filme. Richard e Mildred Loving se casaram nos anos 1960 no estado da Virgínia e fica difícil perceber como o matrimônio entre duas pessoas que se amam poderia ser um crime, mas havia uma lei no estado que proibia casamentos interraciais e... foram presos, perseguidos e tiveram que se afastar da cidade onde cresceram por viverem um amor fora da lei. Loving incomoda principalmente por nos lembrar que nem sempre a lei está do lado certo e em tempos onde o racismo quer se passar por uma "questão de opinião", o filme ganha ainda mais importância. Lembrado no Oscar somente na categoria de melhor atriz (a magnífica e pouco conhecida Ruth Negga), Loving não encontrou espaço nos cinemas brasileiros, mas merece ser descoberto.
Por algum tempo Moonlight foi lembado como aquele filme da confusão do Oscar deste ano. Pareceu brincadeira que no ano em que todo mundo já dava como certo o anúncio de La La Land como o melhor filme do ano, Warren Beatty tenha trocado os cartões do anúncio e anunciado equivocadamente La La como melhor filme. Sorte que logo depois o equívoco foi reparado e ninguém entendeu muito o que aconteceu, mas não restava dúvidas de que Moonlight recebia um prêmio merecido. Feito com orçamento minúsculo e atores totalmente imersos em seus papéis, a história do menino negro que cresce num mundo violento em busca de afeto é de partir o coração. O melhor é que Jenkins conta uma história de traços fortíssimos com uma poesia que poucas vezes se viu numa tela. Tudo é tão comedido e sincero que até a forma como o desejo é inserido na história segue por um caminho não convencional. Moonlight despedaça nossa alma - e ainda agradecemos.
O cinema de Mills é um dos mais peculiares de Hollywood. A forma como constrói suas narrativas não parecem muito comprometidas com convenções, além disso, insere pontos de sua própria história nos roteiros. Pouca gente vai assistir seus filmes no cinema, o que é uma pena. Se Toda Forma de Amor/2011 revisitava partes de sua história com o pai, Mulheres do Século XX é dedicado ao relacionamento do diretor com a mãe. Que outro filme interrompe a história principal para falar de seus coadjuvantes pontuando o período histórico em que nasceram? Qual filme alterna a narrativa entre as vozes de mãe e filho sem perder o tom? Além disso tem aqueles recortes que só Mills sabe fazer, a trilha sonora com Talkin Heads e diálogos inéditos que só poderiam sair da mente criativa do diretor/roteirista. Mulheres do Século XX fala do passado, do presente e do futuro e você mal percebe.
Lançado no final de 2015 nos Estados Unidos, ignorado nas premiações e chegando por aqui somente este ano pela Netflix, o filme de Amereyda é uma dessas pérolas que se perdem no tempo e que merecem ser descobertas. O roteiro é uma construção interessantíssima em torno dos estudos do psicólogo Stanley Milgram que gerou muita polêmica com suas experiências comportamentalistas na década de 1960. Seu experimento mais famoso é o que dá corpo ao filme, demonstrando o que ele tinha de mais polêmico e fascinante dentro da psicologia social - além de motivar discussões sobre a ética em experimentos que perduram até hoje. Almereyda faz um filme que é uma delícia de acompanhar e prega peças no espectador tornando a obra ainda mais interessante, além disso tem uma atuação memorável de Peter Sarsgaard na pele do cientista - e acredite, ninguém consegue falar com a câmera como ele. Se você não assistiu, não perca tempo! Será um dos melhores filmes que verá neste ano.
Incrível é imaginar como um filme tão querido gerou tanta polêmica antes da estreia só por concorrer à Palma de Ouro do Festival de Cannes. O problema estava longe de ser a comovente jornada de uma menina para salvar seu porco gigante da indústria alimentícia, mas o fato do filme ter sido bancado pela Netflix e destinado ao serviço de streaming. Curiosamente, achei muito estranho o filme sofrer duras críticas antes que o vissem e ver a Netflix se tornar a vilã da história, quando legitimou a independência de um roteiro rejeitado por vários estúdios quando o cineasta coreano batia o pé para não atenuar a parte mais sombria de sua história. Debaixo de toda esta confusão, eu entendi que se todos os diretores resolverem recorrer à Netflix quando tem suas visões rejeitadas, os produtores terão uma grande dor de cabeça (tão grande quanto a de muitos carnívoros que cogitaram se tornar vegetarianos após cair de amores por Okja).
O espanhol Bayona está se tornando especialista em conseguir atuações marcantes de atores mirins. Desta vez quem impressiona é Lewis MacDougall, jovem ator que tinha treze anos durante as filmagens e que demonstra uma intensidade emocional de dar inveja à muito marmanjo. A história do menino perseguido na escola e que tenta superar a tristeza de ver a mãe em uma guerra contra o câncer poderia ser apenas mais um melodrama, mas Bayona torna o filme em algo muito maior quando seu protagonista passa a ser visitado por uma árvore monstro que irá lhe contar algumas histórias estranhas e mudar o olhar do menino sobre o mundo. Embora tenha sido ignorado no Oscar (sabemos que existe um grande preconceito com fantasia entre os votantes da Academia), o filme recebeu 12 indicações ao Goya, sendo premiado em nove (incluindo diretor, mas perdeu a de melhor filme). O filme merece maior atenção do público e traz uma história interessante conduzida de uma forma extremamente emocional (e com uma das últimas cenas mais belas dos últimos tempos).
Mesmo indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro pouca gente se interessou por esta comédia dramática sueca - e acredito que poucos irão lembrar dele na lista de melhores do ano. O diretor Hannes Homme leva para as telas o romance de Fredrick Backman sobre o homem mal humorado que deseja cometer suicídio e sempre algo atrapalha. Aos poucos conhecemos um pouco mais de sua história e entendemos os motivos que o fazem perceber como o mundo é cada vez mais sem graça... até que uma série de acontecimentos transformam sua rotina em algo mais interessante. Um Homem Chamado Ove traz uma história simples defendida por ótimos atores e um roteiro amarradinho que cria um painel interessante sobre a relação da velha Europa com os dias atuais e seus imigrantes, homossexuais e pessoas com deficiência. Quem diria que a história sobre um vizinho rabugento seria uma ótima alegoria sobre o respeito às diferenças (e sem ser chato).
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