Sareum: carisma em meio ao caos.
Se alguém que acompanhasse a carreira de Angelina Jolie no início dos anos 1990 ficasse inconsciente na virada do século e despertasse hoje, provavelmente não a reconheceria. A garota rebelde, de mal com pai (o ator Jon Voight), metida em comentários maldosos sobre o relacionamento com o irmão, namorada de Billy Bob Thornton - que andava com um frasco de sangue do amado pendurado no pescoço... - tudo isso ficou para trás. Angelina mudou muito depois que encontrou nas causas humanitárias uma razão para viver, isso afetou diretamente sua vida pessoal e até os seus filmes. Se você levar em consideração que a atriz já dirigiu quatro longas e três deles contam histórias em ambiente de guerra você irá compreender o que consome os pensamentos de Jolie a maior parte do tempo. Curiosamente, os maiores apoiadores da cineasta estão entre os votantes do Globo de Ouro, que indicaram Na Terra do Amor e Ódio (2011) ao prêmio de melhor filme em língua estrangeira (mesmo quando ninguém pareceu dar muita atenção para ele) e repetiram a dose recentemente com First They Killed My Father, produção que também tenta uma vaga na mesma categoria no Oscar. Baseado na história real de Loung Ung, o filme conta a sofrida história da menina que presenciou de perto as ações dos guerrilheiros do Khmer Vermelho no Camboja em meados dos anos 1970. Com a tomada do país pelo grupo, os habitantes foram levados para campos de trabalhos forçados no meio da floresta e sujeitos a todo tipo de atrocidades. Famílias foram separadas e o discurso contra a propriedade e a individualidade chegava aos extremos de não considerar laços de afeição e apoio ao treino de crianças para uma revolução - que elas não faziam a mínima ideia do que se tratava. Sem dúvida é uma história que combina bastante com os ideais de Jolie e seu envolvimento com o Camboja, mas acompanhar o filme é uma tarefa árdua. Sob a ideia de gerar uma narrativa amparada pelo olhar da pequena Loung (Sareum Srey Moch), que não entende o que está acontecendo, o efeito é o mesmo para o espectador. Ainda que o filme tenha uma introdução com materiais coletados na imprensa da época, fica bastante confuso conhecer o período histórico que o Camboja atravessava naquele momento, assim como as motivações do Khmer Vermelho e a adesão por parte da população. Paira assim várias indagações (que podem ser vistas como insconsistências) quando assistimos ao filme. Com poucos diálogos, a diretora aposta em cenas fortes para impactar o espectador num registro próximo do documental, mas que se torna cansativo em cenas que se repetem sem muita elaboração. É verdade que existem construções cênicas interessantes (e a melhor delas deve ser a da fuga pelo campo minado), mas fica claro que o melhor ato do filme é o último e um miolo que demonstra que Angelina ainda precisa aprender a contar uma história sem entediar o espectador. First They Killed My Father deixa claro como a atriz fica mais a vontade para contar histórias sobre pessoas em campos de guerra do que para criar dramas intimistas (ainda acho que foi À Beira Mar/2015 o maior motivo da separação de Jolie e Brad Pitt), no entanto, ela corre o risco de se tornar repetitiva. Até o momento seu melhor filme como diretora continua sendo Invencível (2014) - sobre um atleta que se torna prisioneiro de guerra.
First They Killed My Father (EUA/Camboja - 2017) de Angelina Jolie com Sareum Srey Moch, Heng Dara, Sarun Nika, Run Malyna e Sveng Socheata. ☻☻
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