As Garotas Gloriosas da Luta Livre: mudando o tom.
Glow estreou no ano passado no catálogo da Netflix. Em tempos politicamente corretos, a série causava até estranheza por mostrar um grupo de mulheres sem grandes perspectivas que aceitaram ir para o tatame em um programa de luta livre. Enquanto desenvolviam suas identidades no ringue com fortes cores estereotipadas, na vida real tinham pendengas pessoais para resolver e contas para pagar. Se de um lado tudo era fantasia, do outro, a vida era bastante ingrata para as lutadoras. Some as cores extravagantes dos anos 1980, a trilha sonora esperta, os cabelos mirabolantes e o ótimo elenco em plena sintonia e você tinha uma das maiores surpresas entre as séries do ano passado. No meio dos cancelamentos da Netflix, a série foi renovada - para alívio dos fãs que aguardavam ansiosos as novas desventuras de Zoya (Alisson Brie) e sua turma. A segunda temporada estreou no dia 29 e desde os primeiros episódios dava para perceber que alguns ajustes foram feitos, se na primeira tudo era descompromissado, nos novos capítulos a série olha para si mesma com uma certa autocritica, suas personagens tem noção do quanto seus personagens podem ser ofensivos e em todo episódio existem momentos em que o discurso de "empoderamento" feminino aparece. A parte da autocrítica funciona muito bem para que o programa dê um passo para além da diversão pura e simples - uma vez que complexifica o relacionamento das personagens com o grupo e, principalmente, com os estereótipos que vestem para descer a pancada em suas rivais. O melhor exemplo disso ocorre com o episódio em que há o destaque de Rainha da Previdência (Kia Stevens), que ganha pontos pela sensibilidade com que a série aborda suas dicotomias (cortesia da direção de John Cameron Mitchell). A parte do "empoderamento" se encaixa melhor nas situações do que nos diálogos, que soam um tanto forçados - algo que a série deve deixar fluir com mais naturalidade na próxima temporada. Outros temas em voga também aparecem ao longo dos dez episódios (assédio, a mulher no mercado de trabalho, casamento, racismo, diversidade sexual, imigração...), mas nem todos alcançam a profundidade que deveriam, por vezes são contagiados pelo tom de chacota ou apenas pelo nonsense do programa (o que confere um equilíbrio na abordagem de temas sérios em uma comédia), outras vezes, são apenas diluídas no meio das subtramas. Falando em subtramas, a série demora para avançar no desenvolvimento do ressentimento de Debbie (Betty Gilpin) e Ruth (Alison Brie) - mas a gente perdoa por render um dos momentos mais dramáticos da temporada (e que doeu até em mim) -, patina no relacionamento de Sam Sylvia (Marc Maron) com a filha e aponta para uma temática que mudou o mundo para sempre: o avanço da AIDS. Com tantas histórias mais pessoais, Glow perdeu um terço do seu humor, mas melhora sempre que prossegue (e não repete) no que a primeira temporada já trazia. Pode ser por conta da minha necessidade de sentir o escapismo da temporada anterior em meio a tensão de 2018, mas eu prefiro quando a série se rende ao sabor de diversão festiva despretensiosa, porém, algo me diz que as meninas de Glow se tornarão mais sérias nas próximas aventuras.
Glow - 2ª Temporada (EUA/2018) de Liz Flahive e Carly Mensch com Alison Brie, Betty Gilpin, Marc Maron, Sydelle Noel, Chris Lowell, Britt Baron, Britney Young, Kia Stevens, Jackie Tohn, Sunita Mani, Ellen Wong e Rich Sommer. ☻☻☻
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