Os cachorros e o menino Atari: o mundo cão da pós-verdade.
Desde o início de sua carreira no cinema, Wes Anderson nunca conseguiu disfarçar que o estilo de seus filmes carrega fortes referências do cinema de animação. A forma como o visual é concebido, as atuações, figurinos e interpretações em Os Excêntricos Tenenbaums (2001) ou O Grande Hotel Budapeste (2014) tem muita semelhança com o tratamento dado aos bonecos que apareciam na animação O Fantástico Senhor Raposo (2009). Desde que começou a se aventurar pelo gênero, Wes deixou claro que pensa cinema live action e com bonecos da mesma forma. Portanto, a expectativa quando ele começou a trabalhar em Ilha de Cachorros só cresceu até seu recente lançamento. Já em cartaz no Brasil, o filme está em um circuito restrito, especialmente por não ser um filme voltado para a criançada (as piadas ácidas renderam classificação de 13 anos nos EUA), obviamente que as mais crescidas poderão curtir o filme, mas são os adultos que irão se divertir captando as referências que aparecem na tela. Inspirado na cinematografia japonesa, o filme é um verdadeiro deleite para olhos e ouvidos, conciliando o humor peculiar do diretor com um teor político que não lembro de ter percebido em outros filmes de Wes - um dos poucos que conseguiu criar um universo próprio, com fortes cores de fantasias dentro do cinema americano. Vale ressaltar que a história não ocorre no Japão, mas em Megasaki, uma cidade oriental fictícia que existirá no futuro. Um lugar que, como bem explica o epílogo, tem uma longa tradição na relação entre homens e cachorros, no entanto, com o aparecimento de uma gripe canina, os cães foram banidos para uma ilha que antes servia somente para depósito de lixo. Deixados à própria sorte pela política do prefeito Kobaiashy (voz de Konichi Nomura), que ama gatos e odeia cachorros, a ilha é habitada por cães das mais variadas histórias e grupos que lutam por comida e espalham boatos que ninguém sabe direito a origem. É nesta ilha que vive Chief (voz de Bryan Cranston) e seu bando, que tentam lidar de forma democrática com os desafios que aparecem na ilha (hilariante como tudo é resolvido com votações). O cotidiano destes cães muda quando chega à ilha um menino em busca de seu cachorro perdido, Spots. Os cães irão ajuda-lo a encontrar o bicho de estimação enquanto Kobaiashy inventa novas artimanhas para dizimar os bichos da ilha. A trama é simples, mas impressiona pela forma como o diretor a desenvolve com grande apuro visual, sem deixar de criar algumas analogias interessantes sobre a forma como se produz verdades que se propagam pela mídia (mesmo os fatos mais escabrosos aparecem seguidos de elogios no telejornal que aparece na trama). Obviamente que se trata de uma fantasia (estamos falando de um filme com cachorros falantes, oras!), mas que não dispensa um pé na realidade. Este detalhe consegue dar ainda mais substância a um filme que é tecnicamente impecável. A direção de arte é primorosa, a trilha sonora com tambores é bem marcante e o trabalho com os bonecos é sensacional! Enquanto personagens eles tem personalidades marcantes e vozes ainda mais (o elenco vocal do filme impressiona, contando ainda com Edward Norton, Bill Murray, Tilda Swinton e muitos outros membros da já famosa patota do diretor). Ilha dos Cachorros é uma delícia de assistir (ainda que algumas pessoas se incomodem de muitos diálogos japoneses não serem traduzidos - para estes eu recomendo ver A Gangue/2014 que é sem legenda e todo em linguagem de sinais), carrega o humor inteligente de seu realizador e se encaixa perfeitamente bem no cenário conturbado de 2018 - sendo um forte concorrente ao próximo Oscar de animação (além de roteiro original e outras categorias se a Academia entender a brincadeira)!
Ilha de Cachorros (Isle of Dogs/EUA-Alemanha - 2018) de Wes Anderson com vozes de Bryan Cranston, Edward Norton, Jeff Goldblum, Bill Murray, Tilda Swinton, Scarlett Johansson, Koyu Rankin, Akira Takayama, Harvey Keitel e F. Murray Abraham. ☻☻☻☻☻
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