Geena, Jon e Lois: Black Mirror em baixa voltagem.
Acho interessante quando um autor tem a ideia de uma ficção científica intimista, que se preocupa mais com a relação das pessoas no futuro do que com roupas extravagantes, veículos esquisitos e coisas parecidas. Marjorie Prime bebe exatamente nesta fonte e trabalha com questões essencialmente humanas que são fáceis de causar identificação na plateia. Questões como morte, saudade, ausência e lembranças estão presentes o tempo inteiro e são estes elementos que sustentam a trama diante de uma tecnologia que nunca consegue ser mais do que um arremedo para as emoções dos personagens. Quando o filme começa vemos Marjorie (Lois Smith) conversando com um homem (Jon Hamm), que na verdade é uma espécie de holograma construído a partir de uma inteligência artificial que serve para suprir a necessidade de ter seu esposo por perto novamente. A família fica intrigada com o fato de Marjorie ter preferido a imagem do esposo mais jovem, por volta dos quarenta anos e especulam que foi naquela fase em que ela o considerava mais atraente e presente nas memórias lembranças. No entanto, o holograma precisa de conversas constantes para nutrir seu banco de dados sobre a personalidade que deve representar, o que faz com que Marjorie mexa em suas lembranças e demonstre que é apenas possível apresentar o seu olhar sobre a personalidade do esposo. Esta parte de enxergar um personagem pelos olhos do outro é o melhor ponto da história, mas, a tentativa deste holograma compreender melhor a personalidade que representa também gera momentos interessantes. Se no início Marjorie e seu esposo tem a atenção do roteiro, com o tempo dois outros personagens ganham destaque, Tess (Geena Davis, que faz muito tempo que não a assistia em um filme) e Jon (Tim Robbins), filha e genro de Marjorie, que apresentam suas impressões sobre aquela tecnologia e representam um pouco dos nosso questionamentos sobre o que vemos. Diante de um ponto de partida tão interessante, o diretor Michael Almereyda (que acertou em cheio no seu filme anterior, O Experimento de Milgram/2015) tem alguns desafios pela frente e nem sempre faz as melhores escolhas. Para começar, desde o início ele não consegue disfarçar que o texto original foi concebido para os palcos (encenado em 2016 com a própria Lois Smith no papel de Marjorie), outro desafio foi se desviar de qualquer semelhança de que seu filme era um filme genérico da série Black Mirror, para isso ele capricha na lentidão e um certo desânimo nas atuações, que se por um lado valoriza o que há de "filosófico" no texto, por outro, causa uma certa sonolência em quem não entrar no clima proposto pelo diretor. Com um bom elenco em mãos, os melhores momentos estão no primeiro ato quando Lois e Hamm estão em cena e personificam brilhantemente o quanto de melancolia e estranhamento seus personagens carregam. A guinada do segundo ato é bem vinda e ressalta como Lois (indicada ao Independent Spirit aos 87 anos pelo papel) é uma atriz que merecia ser mais valorizada no cinema americano. Já a do terceiro não funciona tão bem... sorte que a última cena compensa os deslizes e representa bem como a imortalidade está na memória de quem deixamos por aqui. Marjorie Prime não é tão interessante quanto promete, mas traz reflexões interessantes para um mundo cada vez mais obcecado em nutrir suas carências emocionais com novas tecnologias.
Marjorie Prime (EUA-2017) de Michael Almereyda com Lois Smith, Jon Hamm, Geena Davis, Tim Robbins e Hana Colley. ☻☻☻
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