sábado, 31 de julho de 2021

HIGH FI✌E: julho

 Cinco filmes assistidos durante o mês que merecem destaque:

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PL►Y: A Maldição dos Esquecidos

Florence: aquele filme para pagar as contas. 

Florence Pugh é uma atriz que recebe cada vez mais destaque no cinema atual e nada mais natural que filmes menos conhecidos de sua carreira comecem a chegar ao público perante à sua fase de sucesso. Foi assim que encontrei Malevolent, ou melhor, A Maldição dos Esquecidos perdido por aí. No filme ela interpreta uma charlatã que ao lado do irmão e dois comparsas, ganham dinheiro enganando pessoas que acreditam que ela consegue se comunicar com os mortos. Desde o início você sabe que o quarteto é formado por um bando de picaretas, mas eis que um dia acontece algo diferente e a moça começa a perceber que talvez ela realmente tenha capacidade de se comunicar com o sobrenatural. Parece que o dom foi herdado da mãe a personagem, que faleceu em circunstâncias sinistras por não conseguir silenciar os espíritos que a assombravam a todo instante. Quando Angela (Pugh) começa a ver e ouvir mais do que deveria, ela resolve parar com os golpes e evitar que outros fantasmas cruzem o seu caminho. No entanto, o irmão a convence a fazer um último serviço e eles vão parar numa casa em que três crianças foram mortas e a habitante da casa não consegue mais dormir com os gritos que a perseguem a todo instante. No entanto, nada é o que parece e a coisa fica cada vez mais macabra da metade para o final. É sempre engraçado como os filmes de terror ingleses gostam de seguir por caminhos diferentes de Hollywood, aqui ele começa lento, com pendores dramáticos e se levando a sério, mas quando chega a hora de revelar seus segredos, não tem pudores em construir algumas das cenas mais asquerosas que assisti recentemente. O pior é que quando o filme revela sua alma gore ele exige um bocado de nervos e paciência do espectador para chegar ao final sem graça. Florence Pugh faz o que pode com uma personagem que lhe oferece pouco para trabalhar, mas ao menos consegue manter o interesse da plateia para saber se sua personagem irá sobreviver ao tiro que sai pela culatra. Outro destaque do elenco é a veterana Celia Imrie, que vive a moradora da casa assombrada e que pode ser mais assustadora do que os fantasmas que você viu em outros filmes. No entanto, o filme é para ser visto e esquecer (embora algumas cenas permaneçam insistentemente na minha cabeça). 

A Maldição dos Esquecidos (Malevolent / Reino Unido - 2018) de Olaf de Fleur Johannesson com Florence Pugh, Ben Lloyd-Hughes, Scott Chambers, Celia Imrie, Daniel Campbell e James Cosmo. 

PL►Y: Noite de Reis

Roman: narrativa pela vida. 

O cineasta marfinense Philippe Lacôte esteve muito perto de ter uma indicação ao Oscar por seu segundo longa metragem. O filme Noite de Reis passou por várias seletivas para representar a Costa do Marfim no Oscar deste ano, mas acabou ficando de fora da lista final - o que causou surpresa em muita gente.  A produção ganhou destaque em vários festivais (concorreu até ao Leão de Ouro no Festival de Veneza) e foi lembrado em premiações como o Independent Spirit e chama atenção pela enorme colagem de referências que apresenta ao espectador. O filme gira em torno do jovem Roman (Bakary Koné), um rapaz que acaba de chegar em Maca, um presídio isolado no meio de uma floresta e que é conhecido por ser governado por seus prisioneiros. Quem dita as ordens no local é Barba Negra (Steve Tientcheu), mas este esta muito doente e sua liderança deve durar pouco tempo - o que gera uma verdadeira disputa pelo poder local. O líder designa que Roman será um contador de histórias naquele microcosmos e, embora o rapaz não faça a mínima ideia do que contar, ele precisa improvisar alguma coisa para que na noite da Lua Vermelha possa cativar os demais prisioneiros evitando não apenas a sua morte, mas uma verdadeira guerra no local. Nesta variação de Sherazade no conto das Mil e Uma Noites, Roman constrói uma narrativa que mistura elementos sociais, políticos e mitológicos de seu país. Não bastasse a imaginação do rapaz, o filme ainda conta com encenações teatrais feitas pelos prisioneiros com base na história contada, evocando uma teatralidade que nem sempre se encaixa bem na tela. Existe muito aqui da importância das histórias orais para a Costa do Marfim e um bocado de referências cinematográficas ao filme brasileiro Cidade de Deus (2002), seja pela tensão marginal que perpassa o filme, a fotografia ou as digressões do roteiro, no entanto, a opção por construir um choque entre o real e o onírico, o filme em alguns momentos se torna bastante irregular (e em determinado momento até um personagem ressalta que nada faz muito sentido) e se prende tanto à narrativa de Roman que deixa de desenvolver os personagens interessantes que estão ao seu redor. Lacôte parece construir um verdadeiro universo paralelo em seu filme, mas de lado em nome da colagem promovida por seu protagonista. Talvez por isso o filme perca fôlego em sua metade, mas ainda permanece interessante para quem quer conhecer uma cinematografia diferente da que vemos estrear toda semana por aqui. O filme foi o escolhido para encerrar a parceria entre o Telecine e o Festival do Rio, que desde o dia 17 de julho apresentou um filme inédito por apenas um dia, alguns eu já tinha visto, outros não consegui ver, mas a iniciativa foi realmente louvável!

Noite de Reis (La Nuit dos Rois / Costa do Marfim - França - Canadá - Senegal) de  Philippe Lacôte com Bakary Koné, Steve Tientcheu, Issaka Nawadogo, Laettittia Ky e Macel Anzian. ☻☻

sexta-feira, 30 de julho de 2021

PL►Y: A Arte de Ser Adulto

 
Pete Davidson: do Saturday Night Live para a tela grande. 

Eu nunca tinha ouvido falar de Pete Davidson. A primeira referência que tive sobre ele foi quando assisti recentemente Amizade Adolescente (2019) e pesquisei um pouco mais sobre sua carreira. Fiquei sabendo que ele trabalhou no Saturday Night Live e que está em ascensão em Hollywood. O mais engraçado é que no meio da pandemia ouvi comentários positivos sobre o novo filme de Judd Apatow e ao vê-lo disponível  no streaming, descobri que o protagonista era o próprio Pete. Depois que o filme terminou me dei conta de que parte da história é inspirada na própria vida do rapaz... De certa forma toda a minha desinformação colaborou bastante para que eu embarcasse nesta comédia dramática do diretor de Ligeiramente Grávidos (2007) e Bem Vindo aos 40 (2012) que tem temperado seus filmes com doses dramáticas. Considero que aqui ele alcançou seu melhor resultado, embora ele ainda tenha dificuldades de realizar cortes para deixar o filme mais enxuto, um corte de trinta minutos poderia fazer milagres em A Arte de Ser Adulto, mas do jeito que está já é bastante interessante. A trama gira em torno de Scott (Pete Davidson), um rapaz que não terminou o Ensino Médio e a irmã está prestes a ir para a faculdade. Scott também não trabalha e passa a maior parte do tempo vendo televisão e fumando maconha com os amigos. Scott mora com a mãe (Marisa Tomei, ótima) que se desdobra em dois trabalhos para dar conta das despesas da casa. O moço tem um "projeto" de relacionamento com uma amiga (Bel Powley bem diferente do habitual) que nunca é assumido como compromisso. A vida de Scott está simplesmente estagnada e sua mãe atribui isso ao fato dele ter TDA (Transtorno de Déficit de Atenção), mas ele considera que sua vida piorou muito depois que o pai, que era bombeiro, morreu em serviço quando ele tinha sete anos de idade.  O fato é que embora o filme seja uma comédia com pendores dramáticos, Scott tem um olhar bastante sombrio sobre a vida. É verdade que todo jovem passa por esta fase, mas enquanto a maioria faz disso a chance de fazer diferente, pessoas como Scott preferem cruzar os braços e ver a vida passar. Por ele, a vida continuaria do jeito que está para sempre e não teria problema algum. Se a irmã tenta lhe abrir os olhos (inutilmente) é quando a mãe arranja um namorado (que acaba conhecendo por consequência de uma inconsequência do filho), a vida dele recebe a oportunidade brusca de mudança. É então que surge o conflito entre Scott e o futuro padrasto, Ray (Bill Burr) e mudanças começam a acontecer na vida do rapaz. Muita gente irá estranhar a cadência desacelerada do filme e o desenvolvimento quase episódico da trama, mas confesso que eu gostei da forma como Appatow costura sua história que se torna até imprevisível diante do relacionamento que constrói entre os personagens (defendidos de forma inspirada por todo o elenco). Aos poucos A Arte de Ser Adulto se distancia das mazelas que a comédia americana tem feito com este tipo de protagonista e busca camadas mais elaboradas para se desenvolver. Seguindo por caminhos diferentes do habitual, o filme consegue ser original e envolvente, se tornando uma grata surpresa que foi até lembrada em algumas premiações. 

A Arte de Ser Adulto (The King of Staten Island / EUA -2020) de Judd Apatow com Pete  Davidson, Marisa Tomei, Bill Burr, Maude Apatow, Ricky Velez, Lou Wilson, Moises Arias e Pauline Chalamet. ☻☻☻

PL►Y: Verão de 85

 
Felix e Benjamin: me chama pelo meu nome. 

O cineasta François Ozon é o o cineasta europeu mais prolífico em atividade atualmente, chegando a lançar quase um filme por ano - e tenta fazer isso desde que estreou no cinema com o documentário Jospin s'eclaire (1995). De lá para cá já lançou de tudo: dramas, comédias, suspenses, melodramas, musicais, tragédias... é verdade que o preço da produtividade é manter a irregularidade do resultado, fazendo com que cada lançamento seja uma caixinha de surpresas: pode ser algo genial ou algo que você esquece no dia seguinte. No entanto, Ozon filma bem, traz quase sempre fluência para a sua história e, principalmente, costuma envolver seus personagens em um charme difícil de explicar (o que os torna tão sedutores para os demais sujeitos da trama como para a plateia). Em Verão de 85 este fator faz toda a diferença, já que é fácil se envolver com seus belos protagonistas. Aléxis (Felix Lefevbre) é o jovem protagonista de 16 anos que vive no litoral da Normandia e que um dia ao sair com o barco de um amigo, sofre um acidente e é resgatado por David (Benjamin Voisin), que não por acaso aparece para salvá-lo. O resgate logo se torna amizade e acaba até rendendo um emprego na loja que a mãe de David gerencia (vivida com o comprometimento habitual de Valeria Bruni Tedeschi). Os dois ficam cada vez mais próximos em um relacionamento cada vez mais intenso e poderia ser só mais uma história de amor entre dois rapazes, mas estamos falando de um filme de François Ozon. Tanto a beleza da fotografia emoldurando dois jovens atores quanto as locações belíssimas me fizeram imaginar no trailer que François Ozon queria fazer o seu Me Chame Pelo Nome (2017), mas desde o início (ou no trailer), deixava claro que existiria uma tensão na relação entre os dois rapazes - e colabora muito para isso que Alex seja tão ingênuo quanto David sabe como se aproveitar disso. No entanto, o que poderia dar um tom de suspense ao filme, acaba se diluindo gradativamente nos acontecimentos que são apresentados. Se paira no início a ideia de que Alex cometeu um crime, ela se dissolve de maneira bastante tola, deixando a sensação que o filme vendeu algo que não existia. O resultado é que na sua segunda parte o filme perde muito do seu ritmo envolvente e compromete a sessão em uma série de situações que parecem estar ali só para desmontar a funcionalidade da primeira parte. Nesta quebra brusca, quem mais sofre é a coerência da mãe de David, que parecia compreender tudo o que se passava ao seu redor e depois perde toda a lógica na trama e nem vou citar o péssimo aproveitamento de Kate (Philipine Velge) na trama. O filme é baseado no romance Dance on my Grave de Adam Chambers lançado em 1982, o que explica um pouco do clima próximo do oscarizado filme de Lucas Guadagnino, mas a impressão é que Ozon gostou do filme do colega e tentou incrementar o clima entre Oliver e Elio. A ideia funciona em sua primeira metade, mas desanda quando tenta seguir por outros caminhos. 

Verão de 85 (Été 85 / França - Bélgica / 2020) de François Ozon com Félix Lefevbre, Philipine Velge, Valeria Bruni Tedeschi, Melvil Poupaud e Bruno Lochet. ☻☻

quinta-feira, 29 de julho de 2021

PL►Y: A Guerra do Amanhã

 
Pratt: a fofura de sempre. 

Sabe aquele tipo de filme que para assistir você precisa desligar o cérebro? Pois é, sou daqueles que se eu desligar o cérebro e o filme for divertido ainda vale a pena. Mas tem aquele outro que desligar não é suficiente e você tem quase que arrancar o cérebro fora ou então sentir que ele derrete com a bobajada que ousaram torrar alguns milhões de dólares para filmar. Vou deixar a seu critério escolher em qual destas duas categorias A Guerra do Amanhã se encaixa. Eis que na atual frente fria eu resolvi ver um filme de ação para esquentar os ânimos (e acho que já mencionei por aqui que filmes de ação são excelentes soníferos para mim, não me pergunte o motivo... simplesmente acontece... e se eu acordar e continuar entendendo o filme, este ganha um lugar no meu coração pelo respeito ao meu cansaço de mero mortal proletariado). Admito que o motivo da minha escolha de assistir ao filme foi Chris Pratt, o ex-gordinho que virou astro com Guardiões da Galáxia (2014) e que anda precisando rever seus conceitos na hora de escolher projetos desde então. No entanto, não importa, ele é a prova viva de que para se fofo não precisa ser obeso, você pode ser sarado e te colocarem para bancar o brucutu, mas a fofura sempre estará lá. O pior é quando usam isso para prender sua atenção em filmes que não valeriam duas horas de sua vida. Enfim, Pratt interpreta Dan Forester, um ex-militar, casado e com uma filha pequena que atualmente ganha a vida como professor de Ensino Médio. Sua frustração é tentar retomar a carreira de cientista, mas nunca consegue. Eis que um dia ele está com os amigos reunidos para ver a final da Copa do Mundo (com direito a jogo do Brasil e seu craque Peralta...) e o campo é invadido por soldados vindos do futuro. Passado o susto inicial a coisa só piora... eles anunciam que vieram recrutar novos soldados para combater criaturas misteriosas que irão dizimar a humanidade no futuro. A premissa que já é absurda (nem vou entrar no mérito dos efeitos que isso pode gerar no futuro daquela gente, mas...) e se enrola ainda mais quando os recrutados são enviados para o futuro sem treino adequado em uma viagem no tempo desastrosa. Claro que os fãs deste tipo de produção não se preocupam muito com a coerência, mas o roteiro de Zach Dean capricha na baderna com a linha do tempo. Embora tenha criaturas realmente assustadoras, bons efeitos e cenas de ação frenéticas conjugadas com sentimentalismo rasteiro, o filme tem como ponto fraco o roteiro completamente estapafúrdio, mas que tem o mérito de convencer os produtores de que aquilo poderia funcionar ao ponto de ter um ator oscarizado (J.K Simmons parrudão) num papelzinho ingrato. Como já disse, está na hora de Chris Pratt ser mais criterioso com os textos que escolhe, ou então seria melhor ficar gordinho de novo e ser convidado para viver personagens mais interessantes do que o fortão de bom coração em todo filme que aparece. Aqui ele parece ter feito um favor para Chris McKay, que fez o divertido Lego: Batman (2017). Melhor seria ele não brincar mais com personagens de carne e osso da próxima vez. 

A Guerra do Amanhã (The Tomorrow War/EUA-2021) de Chris McKay com Chris Pratt, Yvonne Strahovski, Betty Gilpin, Sam Richardson, JK Simmonds, Jasmine Mathews e Edwin Hodge. 

terça-feira, 27 de julho de 2021

4EVER: Orlando Drummond

 
19 de outubro de 1919 ✰ 27 de julho de 2021

Orlando Drummond Cardoso nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1919. Se tornou ator, dublador e radialista. Ele começou a trabalhar como radialista nos anos 1940, iniciando seus trabalhos como ator na década seguinte em filmes como Rei do Movimento (1954) e Angu de Caroço (1955). Embora tenha realizado vários trabalhos na televisão a partir dos anos 1960, foi somente na versão televisiva da Escolinha do Professor Raimundo dos anos 1990 em que se tornou um rosto conhecido. Orlando ficou imortalizado na memória dos brasileiros como Seu Peru, personagem que havia criado em 1952 para a versão radiofônica do programa de Chico Anysio. O personagem fez com que o público reconhecesse o dono de uma voz que ficou célebre em vários personagens televisivos, era de Orlando a voz de Scooby Doo, Gargamel, Vingador, Tartaruga Touche, Vingador, Popeye, entre outros. O ator faleceu em decorrência de falência múltipla dos órgãos em sua cidade natal.  

PL►Y: Frequencies

 
Daniel Fraser e Eleanor: confundindo frequências. 

É sempre bom quando aparece um filme cheio de ideias e constrói uma história cheia de camadas, mesmo que nem sempre o diretor dê conta de tudo o que promete. Este é o caso de Frequencies (ou OXV - The Manual em seu título original esdrúxulo), longa de orçamento modesto, sem nomes conhecidos, mas que amplia tanto seus objetivos que quando termina alcança somente a metade do que desejava, mas ainda assim, fez mais do que noventa por cento dos filmes com que nos deparamos toda semana. Eu acho uma chatice quando um filme se anuncia ambientado num "futuro distópico" e talvez por isso, este seja uma grata surpresa, já que sabe tirar bom proveito do universo em que constrói para si ao fazê-lo um reflexo da nossa realidade de forma criativa. Aqui o diretor Darren Paul Fisher nos apresenta um mundo em que o destino das pessoas é marcado por sua "frequência". Os que possuem uma alta frequência estão destinados a grandes feitos em trajetória de vitórias e sucessos, uma vez que se acredita que sua própria natureza colabora para isso. Já os que possuem uma baixa frequência estão destinados a uma vida comum e quase irrelevante - e nunca se espera muito deles, já que a "natureza" quis assim. Neste mundo onde as crianças são batizadas com nomes de cientistas a estratificação social é marcada por castas demarcadas pela frequência e misturar pessoas de frequências diferentes pode gerar consequências irreversíveis. É neste ambiente que Marie e Zak se conhecem desde pequenos e, embora sejam relativamente próximos, existe uma linha que nunca pode ser cruzada no contato entre os dois. Vale ressaltar que a postura de Marie reflete muito a frieza deste mundo, embora ela demonstre emoções ao interagir socialmente, sempre fica claro o tom farsesco de sua postura. Enquanto Zak é uma simpatia, ela é o oposto, pelo menos até que ele a contamine com sua baixeza frequencial. O roteiro tenta explorar esta relação entre o que é elevado e o que é baixo, o que é nobre e o que é vulgar, o que é bom e ruim, deixando claro que estas classificações são estabelecidas com uma carga maior de subjetividade do que gostariam que fosse. Óbvio que é pura questão de tempo que os dois se apaixonem e vivam um amor proibido, que colocará à prova às convicções de um universo tão regrado. Embora o filme consiga lidar bem com as metáforas sociais e econômicas presentes em seu texto, além da interessante dicotomia entre a racionalidade e empatia, o longa tropeça quando insere elementos conspiratórios desnecessários em sua trama. Visualmente o filme é correto em sua fotografia de cores desbotadas e prevalência da cor branca emoldurando uma sociedade asséptica e sem cores vibrantes. O elenco também faz o trabalho direitinho numa sintonia que evita maiores destaques. Embora a maioria do elenco seja desconhecida, quem assiste a hilária série Derry Girls irá reconhecer o bendito fruto Dylan Llewellyn que vive o  Zak quando adolescente. Frequencies é um filme difícil de encontrar, mas vale a pena garimpá-lo por aí. 

Frequencies (OXV - The Manual / Austrália - Reino Unido / 2013) de Darren Paul Fisher com Daniel Fraser, Eleanor Wyld, Owen Pugh, Tom England, Ethan Turton, Dylan Leewellyn e Lily Laight. ☻☻

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Pódio: Florence Pugh

Bronze: a irmã caçula. 

3º Adoráveis Mulheres (2019) A estreia no cinema foi em 2014 e não demorou muito para que a inglesa Florence Pugh se tornasse uma das atrizes mais celebradas do cinema recente, tanto que aos vinte e três anos deixou muita atriz favorita para trás e cravou sua primeira indicação ao Oscar por seu trabalho como coadjuvante nesta esperta adaptação de Greta Gerwig. Pugh está irresistível como a caçula Amy March e faz bonito ao viver as duas fases da personagem com a segurança de quem sabe exatamente o que está fazendo! Seu trabalho faz Amy ser ainda mais apaixonante que a protagonista Jo March de Saoirse Ronan. 

Prata: a musa pagã. 
2º Midsommar (2019) Muita gente acha que Florence merecia sua primeira indicação ao prêmio da Academia por ser a protagonista deste terror bizarro do diretor Ari Aster. Aqui ela vive uma jovem que acaba de passar por uma tragédia pessoal e está um tanto deprimida - e ela nem imagina que o namorado está doido para terminar o relacionamento. Se as coisas não vão bem, a ideia de fazer uma espécie de retiro espiritual parecia uma boa ideia até que... nada é exatamente o que parece. Na pele de Dani, Florence prova mais uma vez que tira de letra personagens complexas e é capaz de provocar arrepios com aquela cena final. 

Ouro: a esposa frustrada. 
1º Lady MacBeth (2016) Vendo a desenvoltura de Pugh neste aclamado drama independente, fica difícil acreditar que este é apenas o seu segundo filme para o cinema. Encarnando uma jovem que é enviada para um casamento infeliz e se envolve em uma série de situações inimagináveis para uma moça romântica e sonhadora, Florence faz bonito ao revelar gradativamente as camadas mais sombrias de sua personagem. Entre crimes, ameaças e um amante, esta Lady Macbeth baseada na ópera de  Dmitri Shostakovitch é aquele tipo de papel que é capaz de revelar uma grande atriz. Dito e feito - e ainda acho que ela merecia sua primeira indicação ao Oscar por este trabalho magnífico.

Na Tela: Viúva Negra

 
Scarlett e Florence: irmãs duras de matar. 

Apesar de ter sido a primeira super-heroína a chegar pelas mãos da Marvel ao cinema, a Viúva Negra parecia ter se despedido do público em Vingadores: Ultimato (2019) sem ter recebido o protagonismo que merecia. Apesar de ser uma presença constante desde que apareceu em Homem de Ferro 2 (2010), ela sempre foi uma coadjuvante de luxo no Universo Cinematográfico da Marvel. No entanto, a Marvel sabia que havia uma grande dívida com a personagem e, também, com Scarlett Johansson. Diante do destino ingrato da personagem para salvar o mundo de Thanos, restou resgatá-la em um filme que conta um pouco mais de sua história e que se passa depois de se tornar uma fugitiva no desfecho de Capitão América: Guerra Civil (2016). É curioso que assim como em Capitã Marvel (2019), quando o estúdio investe em contar histórias de suas personagens femininas, prefere fazê-lo como uma espécie de digressão, de forma a não prejudica o andamento da teia emaranhada de sua trama principal. Aqui também este aspecto tem outro fato importante, já que serve para apresentar uma personagem que poderá honrar o legado de Scarlett, sua "irmã", Yelena (a maravilhosa Florence Pugh) que foi igualmente treinada para se tornar uma verdadeira máquina de matar, mas que é um tantinho mais casca grossa que a irmã mais velha. Como o início da sessão deixa bem claro, na infância Natasha e Yelena fizeram parte de um verdadeiro plano de espionagem de sua terra natal, sendo criadas como filhas de dois espiões russos, Melina (Rachel Weisz) e Alexei (David Harbour). É fácil perceber como a série The Americans inspirou esta parte da história, mas o roteiro adapta o drama da família utilizada como um disfarce em tempos de Guerra Fria com todas as possibilidades que a fantasia possibilita. Assim, logo depois que o disfarce não se faz mais necessário, Yelena e Natasha passam a ser treinadas pelo sanguinário Dreykov (Ray Winstone) junto a tantas outras meninas órfãs para se tornarem agentes mais que especiais. No entanto, inúmeros sacrifícios são feitos neste trajeto... o filme é calcado no reencontro de Natasha Romanoff com esta família que por algum tempo imaginou ser real, mas o laço maior de todos está entre as duas jovens que se reencontram para passar o que viveram a limpo. Posso dizer que fiquei bastante surpreso com a desenvoltura da cineasta Cate Shortland  (de Síndrome de Berlim/2017) com o material que tem em mãos, sendo esperta o suficiente para driblar os vícios da Marvel e criar um filme de espionagem cheio de ação e ressentimentos a serem trabalhados pelos atores. Além disso, sabe conduzir o ótimo elenco que tem em mãos (que nos faz esquecer do maniqueísmo com que os russos são retratados por aqui), além disso, adoraria que eles rendessem participações futuras na nova fase que a Marvel tanto anuncia envolta em mistérios e adiada pela pandemia. No entanto, com todo o respeito que Scarlett merece, o centro do palco acaba ficando para Florence Pugh, que rouba a cena como uma jovem durona e com um senso de humor cheio de ironia como a forma como a mana foi retratada nos filmes anteriores. Embora o filme se perca quando se embolar nas "surpresas do caminho", Viúva Negra é um filme com uma fluência atraente em suas mais de duas horas de duração e serve para fazer um tantinho de justiça para uma personagem que poderia ter sido melhor aproveitada faz tempo. 

Viúva Negra (Black Widow/EUA-2021) de Cate Shortland com Scarlett Johansson, Florence Pugh, Rachel Weisz, David Harbour, Ray Winstone, William Hurt e Olga Kurylenko. ☻☻

domingo, 25 de julho de 2021

PL►Y: Pinóquio

 
Roberto e Federico: um clássico direto da fonte. 

Em tempos em que a Disney investe em fazer versões de carne e osso de seus filmes clássicos, chega a ser engraçado ver o resultado da versão de Matteo Garrone para Pinóquio. No entanto, não foram poucos os que ficaram surpresos com o resultado final do filme - e realmente não sei o que esperavam. Se você conhece um pouco da carreira do cineasta italiano, você saberia que Garrone nunca imaginou fazer uma versão da animação da Disney, pelo contrário, sua ideia era beber diretamente na fonte do livro de Carlo Collodi, que era bem mais sombrio e cheio de críticas sociais (e nem precisa explicar os motivos que fizeram o clássico Pinóquio de 1940 ter sido lançado na versão infantil que chegou às telas). Vale lembrar também que Garrone é diretor de filmes violentos como o premiadíssimo Gomorra (2008) e o recente Dogman (2018), além de que já bebeu na fonte dos contos de fadas em O Conto dos Contos (2015) e alcançou um resultado bem distante do que a maioria das pessoas imaginavam de histórias consideradas infantis. Quando se aventura para histórias que nos habituamos a ver como voltadas para crianças, o olhar do cineasta está longe de ser a água com açúcar de Hollywood e mais voltada para a ótica europeia em que a literatura infanto-juvenil era associada aos dilemas morais de seus personagens, além da experiência ancestral de ensinar aos pequeninos os perigos do mundo, mesmo que isso significasse assusta-los um bocado. Não por acaso a literatura infantil europeia é cheia de bruxas, madrastas diabólicas, castigos, sacrifícios e mortes, porém, o Pinóquio de Garrone ainda é a história do boneco de madeira criado com todo amor por Gepeto (Roberto Benigni que antes já teve sua experiência traumática com o personagem naquele vexame de 2003, em que o ator oscarizado pelo sacal A Vida é Bela/1997 ousou interpretar o próprio boneco). Pinóquio é tão desobediente e mentiroso quanto ingênuo o suficiente para se meter em encrenca por mais de duas horas de filme, assim, o boneco se mete em situações que podem chocar quem espera um filme ameno para as crianças - acho que não é SPOILER dizer que Pinóquio sofre um bocado na mão de personagens espertalhões enquanto Gepeto tenta encontra-lo. Como a maioria das pessoas conhece a história através do desenho da Disney, muitos irão ficar surpresos com a inserção do Grilo Falante e da Fada Azul da forma como o filme apresenta, ou a concepção de um mundo de fantasia onde bichos ganham formas humanas e bonecos de madeira ganham vida diante da câmera sem provocar grande estranhamento dos personagens. Quem não espera uma releitura com o selo Disney o resultado soará bastante envolvente, especialmente pelo visual arrebatador que nem sempre prima pela beleza de seus personagens. Indicado ao Oscars de figurino e maquiagem, a estética do filme realmente pode ser considerado o seu maior mérito, já que diversas vezes eu me perguntei o que era gerado pelo computador e o que era real. Na tela, a utilização de todos os recursos disponíveis para trazer à vida do universo imaginado por Carlo Collodi é sem dúvida algo digno de admiração. 

Pinóquio (Pinocchio/Itália - França - Reino Unido /2019) de Matteo Garrone com Federico Ielapi, Roberto Benigni, Rocco Papaleo, Marine Vacht, Gigi Proietti e Davide Marotta. ☻☻☻

PL►Y: Inside

 
Bo: tudo e mais um pouco. 

Não sei vocês, mas alguns momentos de confinamento no início da pandemia me deram a sensação de que eu estava prestes a enlouquecer (especialmente com o home office interminável de tarefas, ligações, e-mails e mensagens a todo instante). Acho que o ator Bo Burnham também teve esta sensação várias vezes e resolveu exorcizar este pressentimento em um dos especiais de comédia mais criativos dos últimos tempos. Produzido, dirigido, escrito e estrelado por ele mesmo, Inside é um daqueles tesouros escondidos da Netflix que recebe menos destaque do que deveria (especialmente se levarmos em conta que a maioria dos críticos preferem comentar filmes de gosto duvidoso presentes na gigante do streaming como se fosse uma grande novidade descobrir que estes filmes são ruins). Vale a pena fazer você se lembrar de Bo, na verdade Robert Pickering Burnham, americano nascido em Massachussets em 1990 que se tornou comediante, cantor, rapper, músico, compositor, poeta, roteirista, diretor e o que mais você imaginar. Embora tenha começado a carreira em shows de stand up, Bo chamou atenção mesmo com sua estreia na direção com Oitava Série (2018), dramédia adolescente feita com extrema sensibilidade que se tornou um sucesso de crítica, indicado a quatro prêmios no Independent Spirit Awards e que rendeu ao ator seus primeiros prêmios como cineasta. Bo teve seu rosto mais reconhecido ainda como o namorado aparentemente perfeito de Carey Mulligan no oscarizado Bela Vingança (2020), mas é com Inside que o rapaz prova que é um dos sujeitos mais criativos e versáteis do showbizz americano. Sabe aqueles programas feitos durante a pandemia com artistas em situação de isolamento? Pois Inside vira esta fórmula do avesso com a mente de Burnham triturando qualquer tema que ele tenha considerado relevante para os dias de isolamento social. Da solidão, passando pelo sexo virtual ou uma ligação para a mãe e até a sensação de loucura e paranoia iminente, nada escapa do talento astuto do moço. Ele até arranha temas polêmicos em uma de suas músicas inimagináveis sobre temas variados. Inside por vezes soa até como um filme experimental sobre a mente de alguém que está à beira do surto (e a aparente bagunça do apartamento do ator expressa bastante isso), esta característica que retira a produção do formato de especial de comédia para se tornar uma espécie de híbrido de filme de ficção sobre os dias de confinamento. Inside é divertido, delirante e por vezes sombrio e feito com uma garra impressionante por seu protagonista faz tudo. Se por vezes ele parece um astro pop improvisando truques com a luz do celular ou, por vezes, um verdadeiro eremita urbano ou um cara sexy com quase dois metros de altura, tudo se deve a Bo Burnham ter criatividade de sobra para fazer muita coisa boa  agora e nos próximos anos. 

Inside (Bo Burnham - Inside / EUA - 2021) de Bo Burnham com Bo Burnham. ☻☻☻

PL►Y: Amizade Adolescente

 
Pete e Gluck: hora de crescer. 

Pode se dizer que Zeke (Pete Davidson) está no final da adolescência. Ele já terminou o Ensino Médio e resolveu não fazer faculdade. Ele também não liga muito para trabalho, já que assim que arranja algum não faz esforço algum para mantê-lo, afinal de contas, o trabalho toma demais o seu tempo - que poderia ser aproveitado conversando com os amigos, bebendo ou usando drogas. Embora já tenha passado dos vinte anos, ele namora uma garota aparentemente mais jovem, a Holly (Sydney Sweeney), e tem entre seu grupo de amigos um garoto de 16 anos, Monroe (Griffin Gluck), irmão mais novo de uma namorada que permanece fascinado por aquele figura irresponsável. Monroe e Zeke não poderiam ser mais diferentes, enquanto o primeiro tem toda uma postura de bom moço, o segundo não se preocupa com muita coisa. No entanto, a influência de Zeke irá colocar Monroe em situações complicadas, especialmente quando descobre que o rapazinho de aparência inocente e insuspeita é capaz de ser seu distribuidor de drogas em festas adolescentes. Este é um resumo do que acontece em Amizade Adolescente, filme de estreia de Jason Orley como diretor e roteirista que começa bastante despretensioso e cresce aos poucos se tornando uma experiência surpreendente. Afinal, durante toda a sessão eu fiquei especulando sobre o que fazia Monroe ser tão próximo de Zeke e não parava de pensar em quando ele era mais novinho e tinha um rapaz mais velho em casa para conversar e lhe contar algumas bobagens. Imaginei a admiração que Zeke despertou naquele menino que demora para perceber que ele cresceu, mas Zeke nem tanto - e isso se torna um problema a partir de determinado ponto da história e desperta muita preocupação do pai (Jon Cryer da série Two and a Half Man em um ótimo trabalho sério) que há tempos parece perceber que o ex-namorado da filha não é boa companhia nem para si mesmo. Enquanto Monroe ganha fama de traficante descolado entre os colegas da escola, suas primeiras experiências amorosas e sexuais  começam a evidenciar como ele e seu mentor são diferentes - já que as dicas que ele oferece são realmente desastrosas. Conforme a trama avança o filme demonstra que seu maior mérito é saber equilibrar drama e comédia, tendo vários momentos engraçadinhos calcados nos personagens que se recusam a crescer e outros dramáticos quando Monroe percebe que está na hora de descobrir sua verdadeira identidade no meio da confusão de referências enfrentada na adolescência. Vale destacar que um aspecto fundamental para o filme funcionar é a química entre Gluck (rosto conhecido nas séries Locke & Key e Vândalo Americano, ambas da Netflix) e Davison (humorista de stand up que também fez parte do elenco do antológico Saturday Night Live) que sabem dosar exatamente o carisma de cada personagem. Amizade Adolescente (o título no Brasil também é desastroso para o original Big time Adolescence) começa como um filme bobinho para passar ao tempo e aos poucos é lapidado para se revelar uma verdadeira pérola dos filmes adolescentes que merece ser descoberta por oferecer bem mais do que aparenta. 

Amizade Adolescente (Big time Adolescence/EUA-2019) de Jason Orley com Griffin Gluck, Pete Davison, Jon Cryer, Sydney Sweeney, Emily Arlook, Julia Murney, Oona Lawrence e Thomas Barbusca. ☻☻☻

sábado, 24 de julho de 2021

Na Tela: Um Lugar Silencioso 2

Noah, Millicent e Emily: sofrendo em silêncio novamente. 

Se a nação cinéfila mundial teve que satisfazer sua fome de novidades cinematográficas através das plataformas de streaming durante o fechamento dos cinemas, havia entre todos os adiamentos e contratos de exibição um filme que manteve-se imaculado em sua vontade ser lançado nos cinemas. Um Lugar Silencioso 2 sofreu diversos adiamentos, inúmeras propostas de plataformas, mas o diretor John Krasinski manteve-se irredutível em sua ideia de que o filme era feito para ser visto no cinema e, portanto, era lá que ele deveria ser visto. Acho que nem precisa dizer que Um Lugar Silencioso se tornou um grande sucesso surpresa ao ser lançado em 2018. A desenvoltura como a narrativa se construía na necessidade do silêncio em um mundo atacado por misteriosas criaturas transcendia uma ideia aparentemente simples para criar uma estrutura bastante original no cinema de entretenimento. Calcado no terror e no suspense, o filme deixava os mais atentos curiosos em como a plateia se relacionava não apenas com a necessidade de silêncio na tela, mas na própria sala de cinema (afinal, aquele barulho de pipoca era na tela ou na poltrona ao lado?) e, sabemos, que o cinema de massa odeia o silêncio. Basta alguns segundos sem diálogos ou trilha sonora para que a plateia revire o olho, dê aquele olhada no celular e saia dizendo que o filme era lento ou arrastado. Em Um Lugar Silencioso, o silêncio está ali para dizer que ele é um verdadeiro mestre na hora de criar tensão, seja no horror ou no drama. Lançado há poucas semanas, o filme poderia começar do exato ponto de onde o filme anterior parou (e confesso que naquele final imaginei que não havia sobrado ninguém da família Abbott para contar história), mas o filme começa voltando no tempo, apresentando como um dia comum se tornou o primeiro de uma mudança brutal na vida de seus personagens (e em tempos de pandemia, quem não se lembra do dia antes do início da quarentena?). Depois de apresentar como tudo começou, o filme retoma a história da matriarca Evelyn (Emily Blunt) e seus três filhos, Regan (Millicent Simmonds), Marcus (Noah Jupe) e o bebê nascido no filme anterior (que por conta do choro deve passar a maior parte do tempo dentro de uma caixa para isolar o som provocado por ele).  Agora os sobreviventes da família Abbott percorrem um pouco mais deste mundo transformado e devastado, reencontram um velho conhecido (Cillian Murphy) e se deparam com pessoas que se tornaram verdadeiras ameças neste universo perigoso. No entanto, o que importa, é que o filme não altera muito a sua fórmula de sucesso (o silêncio continua lá, assim como o elenco competente). Se no primeiro filme, a maior parte do foco estava sob o casal Abbott, agora, Regan recebe maior destaque e provoca os maiores desdobramentos. Embora não tenha mais o sabor da novidade, esta sequência demonstra que Krasinski construiu um universo bastante rico e envolvente e que já possui um terceiro filme engatilhado. Se ele continuar dominando os nervos da plateia com a mesma maestria, Um Lugar Silencioso, deve se tornar uma franquia de terror memorável. 

Um Lugar Silencioso 2 (A Quiet Place - Part 2 / EUA - 2020) de John Krasinski com Emily Blunt, Millicent Simmonds, Cillian Murphy, Noah Jupe e John Krasinski. ☻☻☻

sábado, 17 de julho de 2021

PREMIADOS FESTIVAL DE CANNES 2021

 
Titante: acidente, aborto, nariz quebrado e Palma de Ouro. 

Parece que depois de toda a confusão com o Festival de Cannes do ano passado às voltas com o Corona Vírus (e que levou ao adiamento e cancelamento do Festival), o júri (liderado por Spike Lee) resolveu demonstrar que cinema também se faz com um bocado de ousadia. Afinal, entre todos os exibidos na mostra competitiva deste ano, nenhum deles foi capaz de provocar a aversão da plateia como Titane, o segundo longa de Julia Ducournau (que estreou com Raw, aquele canibalista mesmo que você deve ter visto na Netflix). O longa que prima pela capacidade de chocar a plateia com sua fantasia agressiva entre sua protagonista e automóveis levou a Palma de Ouro mais surpreendente dos últimos anos. Os longas que eram apontados como favoritos acabaram levando outros prêmios como espécie de consolação. Quem gosta de especular já pode começar a pensar quem deve manter o fôlego até o Oscar do ano que vem, mas dificilmente Titane cairá no gosto da Academia de Hollywood (e sinceramente, não é este o seu objetivo). Pelo menos, a jovem Julia entra para a história como a segunda vez em que o prêmio máximo do Festival vai para as mãos de uma mulher em 74 anos de Festival (a primeira foi com Jane Campion por O Piano/1993). A seguir todos os premiados desta edição:

Palma de Ouro
"Titane" de Julia Ducournau

Grande Prêmio
"Hytti Nº 6" de Juho Kuosmanen / "Ghahreman" de Asghar Farhadi

Ator
Caleb Landry Jones (Nitram)

Atriz
Renate Reinsve  (Verdens Verste Menneske)

Prêmio do Júri 
"Memoria" de Apichatpong Weerasethakul
"Ahed's Knee" de Nadav Lapid

Diretor 
Leos Carax (Annette)

Roteiro
Hamaguchi Ryusuke e Takamasa Oe (Drive My Car)

Camera d'Or
"Murina" de Antoneta Alamat Kusijanovic

Palma de Ouro de curta-metragem
"All The Crows In The World" de Tang Yi

Menção Especial entre curta-metragens
"Céu de Agosto" de Jasmin Tenucci

Palma de Ouro honorária
Marco Bellocchio

segunda-feira, 5 de julho de 2021

CICLO DIVERSIDADESXL: Quem vai Ficar com Mário?

 
Daniel e Felipe: a hora da verdade cheia de clichês. 

Sempre me acho na obrigação de coloca um filme brasileiro entre os filmes presentes nos ciclos, mas nem sempre encontro uma produção interessante para comentar. Acabei tropeçando em comentários sobre este Quem Vai Ficar com Mário?, cujo título remete diretamente ao besteirol dos irmãos Farrelly estrelado pela aposentada Cameron Diaz. No entanto, lá pelas tantas, ele parece mais uma versão invertida de A Gaiola das Loucas (1978) e talvez a ideia funcionasse melhor se seguisse por este caminho, já que o filme em si coleciona equívocos. A história gira em torno de Mário (o mocinho global Daniel Rocha), um rapaz que disse para a família que faria seu MBA na cidade e acabou cursando literatura e virando dramaturgo. A cena de abertura deixa bem clara a identidade sexual de seu personagem, numa espécie de musical camp sobre sair do armário. A música de letra motivacional não tem muita graça, a coreografia também não, mas no filme é apresentado como se tudo aquilo fosse um sucesso. Mário é aparentemente feliz com seus amigos e o namorado diretor de teatro, Fernando (Felipe Abib), mas ele precisa ainda acertar suas contas com a família e assumir de vez os rumos que sua vida tomou - especialmente perante o patriarca (José Victor Castiel), que é dono de uma fábrica de cerveja, além de ser bastante grosseiro e preconceituoso. Quando Mário volta para a família para contar o seu segredo, eis que o irmão mais velho, Vicente (Rômulo Arantes Neto) resolve sair do armário primeiro e a reação do pai é a esperada: péssima. Logo, Mário se vê obrigado a assumir os negócios da família quando uma coach empresarial aparece para modernizar a empresa. Teoricamente, deveria rolar uma química irresistível entre Mário e Ana (Letícia Lima), algo que justificasse o título, mas não é bem isso que acontece. Sendo assim, esta primeira parte é bem arrastada, apelando para todo tipo de piada clichê, estereótipos e bobeirinhas que emperram o filme. Ele melhora um pouco quando Fernando aparece para uma visita e pouco depois toda a trupe teatral também resolve aparecer por lá. Nesta hora que o filme consegue gerar algumas piadas dignas de riso, mas são poucas diante da mania do roteiro apelar para trocadilhos e piadas prontas (mas isso já era anunciado desde que você escuta aquela piadinha infame com o nome do protagonista). Eu devo ter cochilado no momento em que faz algum sentido a atração entre Mário e Ana, já que no que era para ser um triângulo amoroso é o Fernando que se torna o personagem mais interessante (e logo o triângulo vira um quadrado, mas não vou dar SPOILER por aqui). Vendo o filme em sua cartilha desengonçada de boas intenções, eu só imaginava como seria se o filme houvesse investido naquela atração que começa a rolar entre o pai homofóbico de Mário e Lana (vivida pelo carisma habitual de Nany People), que se torna a parte mais interessante do filme, mas que é subaproveitada.  Entre desencontros amorosos, a criação de uma cerveja rosa e o discurso politicamente correto de sair do armário decorado com piadinhas manjadas (incrível como em pleno século XXI elas persistem...), acho que faltou mesmo foi uma escalação de elenco mais cuidadosa, particularmente achei que Daniel, Letícia e Rômulo estavam equivocados nos seus papéis, não geram torcida ou curiosidade da plateia. Enfim, em Quem vai Ficar com Mário? , o rapaz acaba sendo quem menos importa.   

Quem Vai Ficar com Mário (Brasil/2021) de Hsu Chien com Daniel Rocha, Felipe Abib, Letícia Lima, Rômulo Arantes Neto, Nany People, José Victor Castiel, Elisa Pinheiro e Marcos Breda, Alice Borges e Amélia Bittencourt. 

domingo, 4 de julho de 2021

#FDS Ciclo DiversidadeSXL: A Irmandade

 
Thure e David: traídos pelo desejo. 

Discursos de ódio, intolerância e preconceito são temas recorrentes nos dias de hoje, especialmente pela velocidade com que se alastraram com o advento da internet e das redes sociais. Além de gerarem violência (física, psicológica e social), eles alimentam grupos que ao longo da história já foi demonstrado claramente como podem ser perigosos. É por lidar com estes temas delicados que o dinamarquês A Irmandade recebeu elogios e levantou discussões quando foi lançado em festivais europeus. O filme conta a história de um jovem oficial do exército que é afastado das forças armadas quando descobrem que ele se insinuou para homens do pelotão que comandava. O filme não entra no mérito se trata-se de um boato ou realidade, mas a criação do comentário em si, já é considerado suficiente para que Hans (Thure Lindhart) não seja respeitado nas forças armadas. Paralela à história de Hans, conhecemos Jimmy (David Dencik), membro de um grupo neonazista que de vez em quando aparece nos noticiários por seus ataques a judeus, refugiados e homossexuais. Hans está um tanto desolado quando o grupo a que Jimmy pertence cruza o seu caminho, ele logo percebe que o discurso daquele grupo não tem muita lógica, mas é construído na medida certa para atrair jovens que se sentem inferiorizados e excluídos da sociedade. Por ser um tantinho mais esperto, Hans não é atraído para aquele grupo com facilidade - sua mãe trabalha na política local (e seu pai fala absolutamente nada na história), tem uma vida confortável e os pais insistem para que ele volte para o exército (como se ele tivesse saído por vontade própria, mas, por vergonha, ele também não conta o motivo de seu afastamento). Eis que uma discussão familiar acontece e o rapaz se muda para a casa de Jimmy. Esta ideia de ser aceito por um grupo parece fundamental para ele neste momento complicado que atravessa e, por conta disso, torna-se capaz até de abandonar suas convicções que antes pareciam tão sólidas. Hans e Jimmy são muito diferentes, mas desde o início percebemos a fagulha de algo mais entre os dois. Nos abraços agressivos, na proximidade de seus corpos, nos diálogos provocativos... sabemos que é uma questão de tempo para que algo mais aconteça entre dois - e o fato de Hans logo se destacar no grupo também colabora para complicar as coisas, especialmente pelo ciúme que começa a despertar em algumas pessoas do grupo (especialmente Patrick que... bem, melhor você tirar suas conclusões). A Irmandade é um filme de material explosivo, mas que opta pela contenção de sua narrativa. O resultado funciona envolto em melancolia e todo mundo sabe o que irá acontecer quando aquele grupo extremista descobrir que entre os seus existe um casal de amantes. O mais interessante do filme é como ele faz com que aquele relacionamento incomode por mostrar aqueles dois homens feitos de carne e osso como qualquer outro do grupo - e isso os torna tão perigosos e, os outros, muito mais vulneráveis perante os sentimentos que podem nascer entre duas pessoas. Embora explore um microcosmo, o diretor Nicolo Donato não faz feio quando precisa universalizar as emoções que a história envolve, afinal, discurso de ódio, intolerância e preconceito não são privilégios de grupos extremistas, afinal, muitas famílias e grupos sociais diversas rezam pela mesma cartilha e consideram muito natural praticar situações de violência contra homossexuais.  Exibido com elogios na Mostra Internacional de São Paulo e indicado a vários prêmios em sua terra natal, o filme não seria o mesmo sem o belo trabalho dos atores de Dencik e Lindhart, que vivem os conflitos dos protagonistas de forma bastante convincente e vigorosa. 

A Irmandade (Broderskab/Dinamarca-2010) de Nicolo Donato com David Dencik, Thure Lindhart, Nicolas Bro, Morten Holst, Lars Simonsen, Jon Lange, Claus Flygare e Hanne Hedelund. ☻☻

sábado, 3 de julho de 2021

#FDS Ciclo DiversidadeSXL: Ammonite

Kate e Soirse: boas atuações no freezer de Francis Lee. 

A inglesa Mary Anning existiu de verdade, no entanto, sabe-se pouquíssimo sobre sua vida, especialmente acerca de sua intimidade. Atuante na primeira metade do século XIX, subestimada em vida, o tempo a fez ser reconhecida como uma das paleontólogas mais importantes do seu tempo, no entanto, a vida de Mary foi marcada pela pobreza e por seu temperamento. Diante de uma vida pessoal que é um grande segredo, o diretor Francis Lee resolveu utilizar esta personalidade verídica para construir uma história de amor fictícia entre duas mulheres. Interpretada por Kate Winslet, Mary Anning revela seus sentimentos aos poucos durante as duas horas de filme, até que lá pelo final, percebemos que ela construiu para si uma casca protetora que evita frustrações, mas que também evita a possibilidade de romances. Por aqui o amor aparece personificado por Charlotte Murchinson (Saoirse Ronan), jovem casada e com diagnóstico de saúde frágil que irá viver na casa de Mary por algum tempo - mas na verdade o esposo dela (James McArdle) quer mesmo é se livrar da moça e curtir a vida bem longe do litoral em que a deixa aos cuidados da paleontóloga. Se no início Mary é séria e arredia, aos poucos, a proximidade entre as duas revela novas camadas na vida da protagonista, gerando até possibilidades de felicidade em seu futuro. Francis Lee tem um interesse genuíno por personagens do mesmo sexo que se envolvem em relacionamentos improváveis, mas se em seu filme anterior (O Reino de Deus/2017) ele marcou sua estreia em longa-metragem com um filme modesto, mas de grande potência - o que chamou a atenção da crítica que o colocou em algumas listas de melhores filmes daquele ano. No entanto, em Ammonite o diretor sofre alguns tropeços. Começando pela atmosfera gélida em que ambienta o seu romance, deixando suas preciosas protagonistas com a sensação de tocarem uma nota só - e embora Kate e Saoirse tenham algumas cenas de sexo bem despudoradas, elas parecem filmadas debaixo de um jato de água fria de tão equivocadas que as cenas são construídas. Talvez isso tenha contribuído para que o filme recebesse críticas severas que o compararam com o aclamado Retrato de uma Mulher em Chamas (2019), alegando que não existe aqui o mesmo viço. Particularmente acho os dois filmes bastante diferentes e distantes, mas o fato de ser um filme de época, com uma protagonista amargurada que se apaixona por outra mulher, deve ter feito a sirene tocar em algumas cabeças. O preço disso foi ser completamente ignorado na temporada de prêmios (para tristeza de Kate Winslet e da distribuidora Neon que investiu pesado na campanha do filme), além de sofrer com a revolta dos parentes de Mary Anning que alegaram não haver evidência alguma da homossexualidade da personagem real retratada aqui. Se a ideia era fazer uma homenagem fictícia para uma personalidade subestimada da paleontologia, Ammonite parece um tiro que saiu pela culatra, resta ao menos o capricho da produção. 

Ammonite (Reino Unido / Austrália / EUA - 2020) de Francis Lee com Kate Winslet, Saoirse Ronan, Gemma Jones, James McArdle, Sam Parks, Fiona Shaw, Sarah White e Liam Thomas. ☻☻

sexta-feira, 2 de julho de 2021

#FDS Ciclo DiversidadeSXL: Supernova

 
Colin e Stanley: atuações de respeito. 

Na última temporada de premiações houve uma campanha para que Stanley Tucci recebesse uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante por seu trabalho em Supernova. A ideia gerou certa controvérsia, uma vez que tanto ele quando Colin Firth são protagonistas deste drama bastante discreto dirigido por Harry MacQueen. Eles interpretam o casal formado pelo pianista Sam (Firth) e o escritor Tusker (Tucci), que viajam pela Inglaterra para visitar familiares. A câmera parece escondida enquanto os dois seguem por estradas e rodovias emolduradas por belas paisagens e tem conversas triviais sobre suas vidas. Após vinte anos vivendo juntos, os dois parecem estar naquela fase do relacionamento em que existe uma sintonia perfeita entre eles e o fato dos atores serem amigos de longa data ajuda mais ainda a tornar convincente a intimidade existente entre os personagens. No entanto, nas entrelinhas dos diálogos travados entre os dois, percebemos que existe um problema sério de saúde pairando sobre Tusker e a partir de determinado momento existe um corte brusco no tom que o filme possuía até então. A coisa se torna ainda mais dramática quando Sam descobre o que seu companheiro pretende fazer diante do inevitável que se aproxima. As discussões são inevitáveis e se instaura no espectador uma espécie de dilema perante a situação que se encontram aqueles personagens. Este é o segundo filme de MacQueen (o anterior foi Hinterland/2014) e aqui ele demonstra mais uma vez prezar por histórias intimistas e interesse por cenas em que existem poucos personagens em cena - e não por acaso, são nas cenas em que Firth e Tucci estão juntos que o filme prende mais a atenção do espectador (todo o resto acaba parecendo uma digressão da história que quer ser contada), no entanto, o cineasta ainda tem dificuldade em criar um ritmo envolvente na narrativa, tendo a sorte de ter escalado dois ótimos atores para o seu projeto. Vendo os dois atores na tela, eu só pensava no movimento que cobra dos estúdios oportunidades para atores homossexuais viverem personagens homossexuais. Os héteros Tucci e Firth já viveram homossexuais antes e o fazem com tanto respeito e sensibilidade que fica difícil protestar sobre a escalação de ambos. Ainda que tenha ficado de fora das premiações, Supernova comprova, mais uma vez, que os dois ainda merecem nossa atenção quando estão em um projeto. 

Supernova (Reino Unido - 2020) de Harry MacQueen com Colin Firth, Stanley Tucci, Pippa Haywood, Nina Marlin e Ian Drysdale. ☻☻

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Ciclo DiversidadeSXL: Seu Nome Gravado em Mim

 
Chen e Tseng: raros momentos de paz. 

Taiwan se tornou o primeiro lugar da Ásia a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, não por acaso, o drama Seu Nome Gravado em Mim se tornou um sucesso absoluto no país, se tornando o segundo filme mais assistido por lá em 2020. Por aqui, o filme foi lançado pela Netflix e embora não tenha alcançado o sucesso de seu país de origem, tornou-se uma produção de destaque no catálogo da empresa. Seria um exagero dizer que o filme conta a história de amor entre dois rapazes, já que embora tenha grandes demonstrações de afeto aqui e ali, a partir de um determinado momento a coisa começa a desandar de um jeito que fica até cansativo de acompanhar. A história é ambientada em 1987, período em que o país foi liberado de suas leis marciais e começou a caminhar em direção à uma maior liberdade maior de expressão. No entanto, o filme situa este momento como um recorte temporal de transição, em que algumas questões ainda precisavam ser revistas e a repressão continuava muito presente, tanto que durante a história percebemos que não apenas o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo não era bem visto como também, a própria escola frequentada pelos alunos começava a receber estudantes do sexo feminino e as regras tentavam a todo custo manter meninos e meninas separados com medo das consequências, digamos, sexuais que a convivência poderia gerar. A direção da escola é bastante conservadora e parece não fazer a mínima ideia que a tensão sexual existe entre pessoas do mesmo sexo também (ou então acreditavam que as sanções que rolavam entre os próprios alunos seriam tão graves que seria evitada a todo custo relações homossexuais por ali). Este ponto confere ao filme uma certa ironia muito bem-vinda às toneladas de carga melodramática que lá pela metade começa a pesar sobre os personagens. O introspectivo A-Han (Edward Chen) e o expansivo Birdy (Jing-Hua Tseng) são dois colegas de escola que começam a se aproximar cada vez mais, no entanto, o receio do que pode acontecer caso assumam um relacionamento começa a pesar, aumentando a tensão e a agressividade entre os dois. Embora Birdy pareça confortável com sua sexualidade, sua postura começa a deixar A-Han cada vez mais confuso sobre os desdobramentos do que sentem um pelo outro. Quem tenta ajudar um pouco no ambiente sufocante em que os dois vivem é um padre canadense (Fabio Grangeon), que é responsável pela banda mista da escola (um dos raros locais em que meninos e meninas podem interagir no espaço escolar). Há muitos gritos, brigas e choros no filme, o que faz com que as sutilezas impressas pelo diretor Kuang-Hui Liu construam os melhores momentos do filme (vale lembrar que o filme foi baseado nas próprias vivências do cineasta). As atuações de Edward e Jing são grandes responsáveis por prender a atenção à história, afinal, mesmo com toda a discrição do filme, ambos conseguem demonstrar a intensidade dos sentimentos que seus personagens sentem um pelo outro. Destinado a ser um clássico do cinema asiático, Seu Nome Gravado em Mim tem qualidades e defeitos, mas funciona bem, sobretudo pelo desfecho, que consegue olhar para o passado e seus conflitos com um olhar terno e bastante maduro. 

Seu Nome Gravado em Mim (The Name Engraved in Your Heart / Taiwan - 2020) de Kuang-Hui Liu com Edward Chen, Jing-Hua Tseng, Jean François Blanchard, Leon Dai, Lenny Li, Fabio Grangeon, Akira Chen e  David Hao-Chi Chiu. ☻☻☻