Cinco filmes assistidos durante o mês que merecem destaque:
quarta-feira, 31 de maio de 2023
sábado, 27 de maio de 2023
PREMIADOS FESTIVAL DE CANNES 2023
quarta-feira, 24 de maio de 2023
4EVER: Tina Turner
PL►Y: O Cavalo de Turim
domingo, 21 de maio de 2023
PL►Y: O Pior Vizinho do Mundo
KLÁSSIQO: O Globo de Prata
sábado, 20 de maio de 2023
PL►Y: Um Filho
O francês Florian Zeller estreou como cineasta com o genial Meu Pai (2020), filme que levou o Oscar de melhor ator para Anthony Hopkins e roteiro adaptado para o próprio Zeller (e Christopher Hampton), que levava um dos seus textos teatrais para. Ali o cineasta sabia exatamente como utilizar recursos cinematográficos para nos colocar na espiral de emoções do protagonista. O sucesso lhe deu aval para o filme seguinte, Um Filho, baseado em outro texto teatral da mesma trilogia. Havia uma expectativa gigante perante seu próximo passo nas telas e parte da decepção em torno do filme pode ser creditada à essa expectativa. Zeller imprime aqui um tom bastante convencional, mas existem outros problemas pelo caminho. Aqui conhecemos a história do empresário bem sucedido Peter (Hugh Jackman) que vive a dois anos com a nova esposa, Beth (Vanessa Kirby), que acabou de ter um bebê. Eis que Peter recebe a visita da ex-mulher (Laura Dern) sinalizando a preocupação com o filho do casal, Nicholas (Zen McGrath). O rapaz não vai à escola faz tempo, não tem amigos, não namora, não curte festas e diz que precisa morar com o pai. O paixão acha que é fácil resolver a situação, o leva para casa, mas na convivência Peter vai descobrir que a situação do rapaz é mais complicada do que imagina. Meu Filho pretende abordar a depressão mas tem dificuldades ao expor isso de fora para dentro, afinal, na maior parte do tempo vemos a impressão dos outros sobre o que o rapaz sente. Também não ajuda o fato de McGrath ser um ator pouco experiente para lidar com o peso e a complexidade que o personagem exige, deixando por vezes a depressão do menino embaçada com expressões um tanto difusas. Tendo um texto que ressalta cada vez mais o impacto da depressão do adolescente na vida da família, o filme acaba se atrapalhando em momentos manjados. Apesar do pleno destaque de Jackman (na pele de um pai que tenta fazer o que pode até descobrir da pior forma que só amor e boas intenções não basta contra a doença), suas colegas Laura e Vanessa fazem o que pode com o pouco destaque de suas personagens no desenvolvimento da história, parecendo sempre tocarem a mesma nota do início ao fim. Existem muitas flashbacks e diálogos que denotam o impacto da separação do casal na vida do rapaz, mas seria só isso que o aflige? Senti falta de uma fala mais especializada sobre a depressão do personagem, afinal o momento de mais impacto do psiquiatra na história é uma questionável cena de confronto dos pais com Nicholas. Um filho acaba desperdiçando um tema sério num arremedo de intenções que nunca se aprofundam (elas até dão sinais de vida naquela participação de Anthony Hopkins que alguns dizem ser uma reprise do personagem de Meu Pai) e o destino impactante de Nicholas acaba tendo um efeito estranho com aquela cena que parece uma versão menos inspirada do recurso utilizado por Xavier Dolan em Mommy (2014) só para fazer Hugh Jackman chorar em uma casa nova de paredes menos opressoras. A cena final e o encontro dele com Hopkins me fez imaginar que o título não é sobre Nicholas, mas sobre Peter e as suas próprias feridas revistadas na dor do filho, pena que o filme não consiga avançar. Resta agora esperar ver como Zeller dará forma à The Mother (o segundo texto teatral da trilogia) sobre uma mulher lidando com a solidão e os ressentimentos de uma vida dedicada à família.
Um Filho (The Son / Reino Unido - França / 2022) de Florian Zeller com Hugh Jackman, Zen McGrath, Vanessa Kirby, Laura Dern, William Hope e Akie Kotabe. ☻☻
KLÁSSIQO: Bom Trabalho
Particularmente gosto mais dos trabalhos da cineasta Claire Denis quando ela vira do avesso um gênero que imaginamos conhecer bem - e ela nos faz perceber o quanto, na verdade, apenas o associamos a lugares comuns utilizados em outros filmes ao longo do tempo. Senti isso ao assistir o recente High Life (2018), ficção científica com Robert Pattinson, mas ela já havia feito o mesmo exercício em Bom Trabalho. Ambientado em um grupo da Legião Estrangeira na costa do continente africano, o filme é narrado pelo ex-oficial Galoup (Denis Lavant), que está subordinado ao Comandante Forrestier (Michel Subor), a quem se refere com voz carregada de ressentimento. Em seus relatos, Galoup tem a atenção cada vez mais voltada para o jovem Gilles Sentain (Grégoire Colin). Entre o presente e as lembranças daquele período percebemos uma série de sentimentos ambíguos do narrador com os dois personagens, que também podem ser percebidos nas cenas sutis conduzidas pela diretora. Embora toda a ambientação do filme remeta diretamente aos filmes de guerra, Bom Trabalho segue o caminho oposto, se concentra em pequenas ações cotidianas daqueles rapazes (descascar batatas, lavar os uniformes, cozinhar, limpar...) e tarefas árduas ao sol de rachar. Quando existe uma explosão no filme, ela não é mostrada, a cineasta prefere se concentrar nas repetições dos treinamentos em uma cadência coreografada que mais parece uma dança entre os rapazes. Paralelo a tudo isso, aa diretora e a fotografia desenvolvem um verdadeiro culto aos corpos masculinos que o filme exibe. Dos músculos torneados, aos shorts curtos e momentos sem camisa, os gestos, olhares e contatos físicos sugerem um homoerotismo quase natural naquele ambiente repleto de testosterona, sendo este viés o que mais revela a razão da inquietação de Galoup diante de Sentain. Talvez a maioria dos detalhes da dinâmica entre os dois personagens seja perceptível somente em uma segunda olhada, já que nada por aqui está na superfície. Talvez a cena em que este erotismo fique mais evidente seja quando Sentain revela que não possui pai ou mãe e que foi encontrado em uma escada e o interlocutor apenas diz "mas não podemos negar que foi um belo achado". Este diálogo ressalta que talvez a tradução do titulo usando a palavra bom como tradução de beau, fosse traduzido como Belo Trabalho remeteria não apenas ao trabalho dos personagens, mas também à bela visão que o narrador possui da natureza, seja das paisagens ou dos rapazes que estão subjudados aos seus comando. É pela força das imagens e suas entrelinhas que o filme constrói sua força e, não por acaso, Denis Lavant termine o filme com uma dança mais desinibida e totalmente oposta à rigidez formal apresentada por seu ao longo do filme.
Bom Trabalho (Beau Travaill / França - 1999) de Claire Denis com Denis Lavant, Grégoire Colin, Michel Subor, Richard Courcet, Nicolas Duvauchelle, Giuseppe Molino e Adiatou Massudi. ☻☻☻☻
PL►Y: Undine
Em 2009 o diretor Neil Jordan lançou Ondine, um belo filme sobre um pescador que se apaixonava por um ser mitológico que vivia na água. Em 2020 foi a vez do alemão Christian Petzold beber na mesma fonte para criar Undine, nome da criatura marinha que vez por outra vem à superfície seduzir homens na pele de uma mulher. A protagonista do filme é Undine Wibeau (Paula Beer), historiadora funcionária de um museu em Berlim responsável por apresentações sobre a reconstrução moderna da cidade após a Segunda Guerra Mundial. Quando o filme começa, seu namorado Johannes (Jacob Matschenz) termina o relacionamento com ela e, num tom inesperado, Undine diz que ele morrerá senão ama-la. O que parece uma declaração de amor obsessivo logo ganha outros contornos conforme percebemos que a protagonista não é uma mulher comum. Não demora muito para ela conhecer o mergulhador Cristoph (Franz Rogowski), com quem viverá um romance idílico até que a plateia comece a se dar conta de que existe uma maldição que paira sobre os romances desfeitos da moça. Essa ideia constrói não apenas a ideia de um romance proibido, mas também de uma verdadeira prisão afetiva repleta de culpa pela responsabilidade da morte pairar sobre alguém. A ideia se torna bem mais complexa do que podemos imaginar, especialmente quando a morte ou a vida passa a se relacionar com algo tão abstrato como um sentimento ainda existente ou não. No filme, "a vida" é a concretização da existência do amor entre os personagens. Parece brega, mas o filme está bem longe disso. O desafio de Petzold é inserir os toques de fantasia com os pés fincados na realidade, o que ele dá conta através das explicações entre o antigo e o novo, que aparecem várias vezes no filme, em uma alusão aos mitos ancestrais e a modernidade. Envolvendo a personagem em mistérios, Undine se desenvolve como um romance bem construído e envolvente, ancorado pelo bom trabalho da atriz Paula Beer (que só pela primeira cena já honra seu prêmio no Festival de Berlim) e de Franz Rogowski como o rapaz mais fofo do mundo (pelo menos até às coisas complicarem). Depois de fazer tantos filmes considerados pessimistas, Petzold mostra que existe um bocado de romantismo em sua criatividade e repete aqui a química da dupla com que realizou o aclamado Em Trânsito (2018) que permanece funcionando bem que é uma beleza. Com a nova versão de A Pequena Sereia prestes a sair, não deixa de ser curioso conhecer a trama em que o conto se inspira.
Undine (Undine / Alemanha - França / 2020) de Christian Petzold com Paula Beer, Franz Rogowsky, Jacob Matschenz, Maryam Zaree e Anne Ratte Polle. ☻☻☻☻
sexta-feira, 19 de maio de 2023
Na Tela: Guardiões da Galáxia - Vol3
Guardiões da Galáxia - Volume 3 (Guardian of the Galaxy - Vol3 / EUA - 2023) dee James Gunn com Chris Pratt, Bradley Cooper, Zoe Saldana, Dave Bautista, Karen Gillan, Pom Klementieff, Chukwudi Iwuji, Will Poulter, Sean Gunn, Maria Bakalova, Elizabeth Debicki, Daniela Melchior e Vin Diesel. ☻☻☻☻
PL►Y: Homem Formiga e A Vespa - Quantumania
Depois de tampar o sol com a peneira por algum tempo, a terceira aventura solo do Homem-Formiga fez soar de vez o alerta na Marvel Studios. Desde que o filme foi lançado, a empresa já sofreu algumas mudanças, como a demissão de roteiristas e executivos do alto escalão com o objetivo de melhorar o que já foi uma máquina de fazer muito mais dinheiro. Foi até bom demorar para assistir ao filme que agora está disponível no Disney+, passados alguns meses e com as expectativas devidamente ajustadas, Quantumania pode ser avaliado dentro de suas próprias possibilidade e tropeços. A história gira em torno da família construída ao longo dos filmes anteriores e o retorno acidental ao Reino Quântico. Lá se dão conta que existe toda uma estrutura social com criaturas estranhas e ambientes quase espaciais que conferem ao filme um visual que soa como uma variante subatômica de Star Wars. Nesta galáxia em miniatura existe um vilão, Kang (Jonathan Majors em trabalho elogiado até se tornar uma dor de cabeça para Marvel por denuncias de abuso sexual) que, se seus planos derem certo, pode colocar em risco todo o multiverso. Essa é a base da história e não há muito mais do que isso. Começando pelos heróis do título, Paul Rudd continua fazendo de Scott Lang um herói simpático, mas aqui não tem muito o que fazer além de tentar salvar sua filha Cassie (agora uma adolescente vivida por Kathryn Newton), já Evangeline Lilly tem sua Vespa reduzida (com o perdão do trocadilho) à coadjuvante de luxo (com poucas cenas, poucas falas e pouca relevância no desenvolvimento da história - será que tem relação com sua postura anti-vacina?), deixando que a Vespa original, sua mãe, Janet (Michelle Pfeiffer) tenha mais destaque ao guiar os personagens naquele mundo estranho. Se Peyton Reed soube como dar forma às aventuras anteriores do herói, aqui ele parece soterrado pela cartilha Marvel com muito CGI e cenas de batalha sem muita imaginação. Os personagens curiosos do Reino Quântico estão ali só para atiçarem a curiosidade do espectador e boa parte da trama poderia ser resolvido se Janet contasse logo tudo o que sabe. Outro problema do filme é a resolução de situações complexas de forma apressada, prova disso é a própria Cassie. O desenvolvimento da personagem como jovem heroína é tão apressado que incomoda, afinal, todo mundo lembra como para Scott Lang sofreu para aprender a lidar com os poderes de seu traje no primeiro filme, mas para Cassie tudo é mais simples, basta lembrar de uma frase dita pelo seu pai sobre pular e tudo mais, por mais que a tecnologia do Hank Pym (Michael Douglas) tenha se desenvolvido nos últimos anos, duvido que seu uso seja tão fácil de aprender. Não por acaso a cena final é idêntica à cena final, deixando a sensação que após duas horas nada de muito relevante aconteceu, a não ser a apresentação do vilão da nova fase da Marvel nos cinemas (como deixa claro a cena pós-crédito). Eu adoro as ideias dos filmes anteriores do herói, mas este me deixou o tempo inteiro na cabeça aquela frase de Martin Scorsese que os filmes da Marvel parecem parques de diversões, no fundo, o Quantumania e seu Reino Quântico não conseguem ser mais do que isso.
Homem Formiga e A Vespa - Quantumania (Ant-Man and Wasp: Quantumania/EUA-2023) de Peyton Reed com Paul Rudd, Kathryn Newton, Evangeline Lilly, Michelle Pfeiffer, Jonathan Majors, Michael Douglas, Corey Stoll Bill Murray e Katy M. O'Bryen. ☻☻
PL►Y: Air - A História por Trás do Logo
Depois de uma maré baixa como diretor pode se dizer que Ben Affleck conseguiu voltar a ter reconhecimento com Air. Este é o quinto longa dirigido pelo moço que já chegou ao auge com o Oscar de melhor filme por seu terceiro longa, o celebrado Argo/2012 - pena que logo depois desagradou com A Lei da Noite/2014, some isso ao naufrágio de sei projeto à frente do novo longa do Batman (apesar de eu gostar muito de sua concepção do homem morcego) e os últimos anos do Affleck diretor não foram fáceis. Foram nove anos até que ele lançasse Air. Apesar da bilheteria pouco acima do valor de custo, o fato de ter sido concebido para o Prime Video fez com que sua arrecadação nos cinemas se tornasse uma vitória para a produtora, além disso serviu para lembrar à Hollywood o quanto Affleck pode ser eficiente atrás das câmeras. Aqui ele se junta ao amigo Matt Damon (vale lembrar que os dois ganharam o Oscar de roteiro original por Gênio Indomável/1997) para contar a história por trás de uma das marcas mais sucedidas na história: o tênis Air Jordan da Nike (e eu escolhi a foto do post de uma matéria do The New Yorker só porque achei melhor do que qualquer foto de divulgação do filme). Alavancado pelo sucesso de Michael Jordan, o tênis se tornou o produto mais rentável da companhia e a colocou definitivamente no mapa em um período em que era uma marca sem muito prestígio no mercado. Gosto da forma como o Affleck localiza a história no tempo e no espaço com recortes históricos ligeiros, mas precisos logo nos minutos iniciais. Basta uma montagem acelerada para vermos o contexto do ano de 1984 (o mesmo recurso também é utilizado para mostrar o futuro, quando Jordan conhece o preço de se tornar uma celebridade). Em Air, Jordan ainda era a promessa da grande estrela do basquete que seria e enquanto outras marcas o desejavam para compor seu grupo de jogadores propaganda, foi o marketeiro da Sonny Vaccaro (Matt Damon) que viu no jovem jogador a potência do que ele seria. No entanto, sua ideia era mais do que usá-lo em propagandas, mas desenvolver um tênis que inspirado no atleta, para isso conta com a preciosa ajuda do designer Peter Moore (vivido com gosto por Matthew Maher, mas pena que ele aparece pouco). Porém, nem tudo foi fácil, demorou para convencer o chefe (Ben Affleck) de que a ideia era rentável, tinha que driblar o agente de Jordan (Chris Messina) e convencer a mãe do atleta (Viola Davis) de que a ideia era boa o suficiente para seu filho embarcar. Como em Argo, Air tem a narrativa fluente, você nem sente o tempo passar. O roteiro consegue dosar o humor na trama, o que não impede que a fotografia e toda a ambientação seja um tanto fria na criação de uma verdadeira bolha para seus personagens que não aparecem em vidas fora do trabalho. Particularmente senti falta de algo a mais para não vê-lo apenas como uma esperta aula de marketing, mas talvez isso seja um problema comigo, não com o filme. Fica fácil entender o fascínio provocado pelo filme nos Estados Unidos e, provavelmente, ele receba uma campanha de lembrança nas premiações de fim de ano.
Air - A História por Trás do Logo (Air / EUA -2023) de Ben Affleck com Matt Damon, Jason Bateman, Ben Affleck, Viola Davis, Chris Messina, Chris Tucker, Jay Mohr e Matthew Maher. ☻☻☻
4EVER: Andy Rourke
terça-feira, 16 de maio de 2023
FESTIVAL DE CANNES 2023
sábado, 13 de maio de 2023
FILMED+: A Menina Silenciosa
Este é o primeiro filme irlandês a disputar o Oscar de filme em língua estrangeira no Oscar. O motivo é um tanto óbvio, já que a Irlanda também tem o inglês como língua oficial, mas aqui a maioria dos diálogos são no dialeto irlandês. A Menina Silenciosa causou surpresa mesmo ao cravar a indicação pelo tom contido, que poderia ser um problema, mas quem assistiu ao filme, percebe logo que a atmosfera terna impressa pelo diretor Colm Bairéan é na verdade um trunfo em uma trama que descambaria facilmente para o melodrama. O filme conta a história de Cáit (Catherine Clinch), uma menina que é considerada estranha até pelas suas irmãs. Quieta e com gosto pelo isolamento (como a cena inicial deixa bem claro), Caít tem dificuldades para leitura e em casa ela começa a pesar nas despesas, já que a mãe (Kate Nic Chonaonaigh) está prestes a ter outro bebê e junto ao pai (Michael Patrick) decide deixar a menina com uma prima durante o verão. São três horas de viagem até que chegar na fazenda de um casal que é completamente desconhecido pela menina. No entanto, desde o primeiro momento em que Eibhlín (Carrie Crowley) e Seán (Andrew Bennett) aparecem perto da garota, fica claro o contraste no tratamento que Cáit receberá dali para frente. Enquanto seu núcleo familiar não lhe demonstra afeto, Eibhlín é o oposto. Atenciosa e carinhosa, aos poucos ela consegue deixar Cáit cada vez mais a vontade, precisando apenas um pouco mais de tempo para que Seán também se aproxime da visitante. Aos poucos a menina estará plenamente incorporada na rotina da casa e sentirá algo que até então não havia experimentado, um sentido de pertencimento carregado de afeto, ainda que aos poucos descubra o passado doloroso da casa em que se hospeda. Tocando em temas delicados e narrado sem pressa, A Menina Silenciosa prepara a plateia para um dos finais mais emocionantes dos últimos anos. É tudo tão perfeito em sua aparente simplicidade que Crowley e Bennet estão perfeitos como os primos distantes, mas é a irretocável Catherine Clinch que rouba nosso coração com seu ar melancólico de um menina que abriga em seu silêncio as sensações que talvez não saiba expressar em palavras. Cada olhar, cada gesto e palavra da atriz estreante são emocionantes (destacando até a palavra dita duas vezes por na última cena que ressalta emoções diferentes de forma muito reveladora). Com as emoções deixadas em primeiro plano, o nó na garganta é inevitável.
A Menina Silenciosa (The Quiet Girl/Irlanda - 2022) de Colm Baireán com Catherine Clinch, Carrie Crowley, Michael Patrick, Kate Nic Chonaonaigh e Joan Sheehy. ☻☻☻☻☻
quarta-feira, 10 de maio de 2023
PL►Y: Mass
Plimpton e Isaacs: sobrevivendo à uma tragédia. |
O ator Fran Kranz marca sua estreia na direção com um drama intimista ancorado em diálogos bem lapidados e um elenco em sintonia perfeita. Mass conta a história de dois casais que se encontram para conversar sobre o ataque à uma escola que deixou dez vítimas e cujo autor tirou a própria vida após o episódio. Kranz nos poupa de ver a encenação do massacre, mas o descreve minuciosamente como um quebra-cabeça em menos de duas horas de filme, na trama ainda vemos o efeito daquele acontecimento na vida dos pais de uma das vítimas e dos pais do garoto responsável pelo incidente. O filme constrói sua tensão lentamente, da arrumação da sala da igreja que servirá para o encontro à chegada de cada personagem existe a atenção a cada detalhe que possa servir de gatilho para lembranças desagradáveis (seja lenços de papel ou os desenhos feitos por crianças que decoram o espaço), mas o que faz o filme crescer é a conversa entre os dois casais formados por Jason Isaacs e Martha Plimpton de frente para Ann Dowd e Reed Birney. Não vale dizer quem interpreta os pais de quem, já que faz parte das intenções do diretor ter empatia com as duplas antes que os fatos sejam revelados. Quando a conversa começa, ela surge formal, desajeitada, não avança em nome de uma cordialidade que logo é deixada de lado para que sentimentos densos como raiva, culpa, ressentimentos se misturem em diálogos simples e convincentes sobre os dois lados de uma tragédia. O fluxo da conversa é tão preciso que até esquecemos que são atores em cena. Porém, o maior desafio aqui é expor o ponto de vista do casal que precisa lidar com o peso de ter criado o responsável por um ato daqueles. Busca-se respostas, motivos e sinais de que algo estava errado. Se apontam negligências, surgem dúvidas, suspeitas, medos e lembranças que compõem um cenário bastante complexo sobre um acontecimento que os telejornais não dão conta de explorar em seu imediatismo. Embora a estrutura remeta ao teatro, Kranz consegue escapar de qualquer ranço teatral, entre planos, cortes, closes e enquadramentos, o diretor sabe usar os recursos que tem em mãos para estruturar o ritmo dos diálogos ásperos valorizados pelo elenco, sobretudo pelas mães vividas por Martha Plimpton e Ann Dowd que filtram sentimentos difíceis perante a câmera. Mass só derrapa quando o desfecho precisa surgir e o filme perde um pouco a sobriedade para querer arrancar lágrimas da plateia a qualquer custo. Não precisava de tanto esforço, a tristeza e a reflexão já estavam instauradas desde o início da conversa que busca uma resposta que talvez não exista.
PL►Y: Você Não Estará Só
O chamado folk horror tem rendido alguns dos filmes de terror mais interessantes dos últimos anos, produções como A Bruxa (2015), Midsommar (2019) e Lamb (2021) são alguns que conseguiram estruturar suas tramas a partir de medos enraizados no folclore de países nórdicos. Outra produção que se junta a este subgênero eficiente é Você Não Estará Só que está disponível sem alarde no TelecinePlay. O longa dirigido por Goran Stolevski foi o escolhido pela Austrália a concorrer uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro no ano de seu lançamento. Embora resida atualmente na Austrália, Goran nasceu e cresceu na Macedônia e se inspirou em histórias de bruxas que ouviu durante sua infância para construir o roteiro. O filme é todo falado em macedônio e conta a história de uma garota cuja mãe foi visitada por uma bruxa (Anamaria Marinca) quando ela ainda era um bebê. A mãe tenta barganhar com a bruxa e por uma consequência inesperada, acaba escondendo a menina em uma caverna por vários anos. Crescendo sozinha (agora vivida pela expressiva Sara Klimoska) e com visitas esporádicas da mãe, ela acaba sendo descoberta pela bruxa que a leva para fora da caverna enquanto a jovem se deslumbra com o mundo exterior e aprende a cuidar dos seus poderes. Este é só um ponto de partida de um filme interessante que retrata as relações entre homens e mulheres no século XIX. A pele da bruxa com mais de duzentos anos é claramente queimada e as histórias que contam sobre ela (na tradução brasileira ela é chamada de Maria Solteirona, o que já diz muita coisa) resgatam a trajetória de mulheres que foram incompreendidas por não se adequarem aos padrões de seu tempo. Ao longo do filme, a jovem irá se desentender com sua "mãe-bruxa" e terá que aprender a ficar por conta própria, o que a leva a conhecer o mundo através do corpo de outras pessoas em busca de adequação. jovem irá se transformar em outras pessoas em busca de se adequar à vida social. São nas transformações da jovem que temos uma visão bastante rica sobre os papéis sociais daquele tempo, seja de mulheres, crianças e até homens. No entanto, a experiente bruxa estará sempre à espreita. Desenvolvido como um drama histórico com pitadas de terror, a produção toca em questões seculares e, com bastante sensibilidade, constrói uma história estranhamente envolvente. Embora seja estreante, Goran Stolevski realiza um trabalho surpreendente com ângulos diferentes, planos que soam poéticos e narrativa em off que lembram um pouco a obra de Terrence Mallick. Embora a indicação ao Oscar não tenha surgido, Você Não Estará Só é um filme que merece tanta atenção quanto o seu diretor.
Você Não Estará Só (You Won't Be Alone / Austrália - Reino Unido - Sérvia / 2022) de Goran Stolevski com Sara Klimoska, Anamaria Marinca, Alice Englert, Noomi Rapace, Félix Maritaud e Carloto Cotta. ☻☻☻☻
terça-feira, 9 de maio de 2023
4EVER: Rita Lee
domingo, 7 de maio de 2023
PL►Y: Sombras do Passado
Margaret (Rebecca hall) tem uma vida pessoal e profissional bem resolvida. Competente e respeitada, ela não tem do que reclamar. Na vida pessoal ela precisa lidar com a filha (Grace Kaufman) que está prestes a ir para a faculdade - e precisa lidar com um caso com um colega de trabalho (Michael Esper). No início alguns detalhes pontuam que existe algo estranho pairando sobre sua mente (que se materializa num dente encontrado num porta-níquel da filha), mas ela sai do eixo mesmo quando percebe um conhecido no meio de uma palestra. Margareth visivelmente se desespera e sua primeira medida é proteger a filha a todo custo. O espectador não faz muita ideia do que está acontecendo, mas suspeita que tenha relação de um conselho que ela deu para a estagiária (Angela Wong Carbone) sobre sinais de um relacionamento abusivo. Se existe a suspeita de uma relação abusiva no passado da protagonista o roteiro e a direção de Andrew Semans procuram ir além do que estamos acostumados neste tipo de filme, principalmente da forma como conduz a presença de David (Tim Roth), que marcou a história da personagem na juventude de forma bastante bizarra. O mais interessante do filme é como Margaret mergulha novamente nesta bizarrice, repetindo um padrão de comportamento do passado, ao mesmo tempo que tenta superá-lo por conta própria. Para todos os que estão ao seu redor, ela está enlouquecendo, para Margaret, ela está fazendo apenas o necessário para que tudo continue sob controle. Existe nas entrelinhas algo sobre traumas, maternidade, complexo de Laio e horror corporal, que move o filme numa crescente de estranheza até o final que tende deixar o público revoltado (e que pode render uma leitura literal e outra delirante que se estende até o último ato). Pelo menos até o final controverso (o qual prefiro o literal até o último ato embaçar tudo) o filme consegue manter a tensão da plateia em toda a estranheza que apresenta, muito por conta da interpretação visceral de Rebecca Hall envolta em uma atmosfera cada vez mais sombria. Eu já perdi a conta de quantos filmes de terror a atriz fez nos últimos anos e sempre me surpreendo com a desenvoltura com que ela vive suas personagens. Aqui, por exemplo, as transições da personagem são feitas sem desafinar, tendo aquele monólogo de quase oito minutos em que tomamos ciência do passado conturbado da protagonista. Se levarmos em conta o quão ridículo poderia ser o personagem de Tim Roth, o trabalho assustador do ator fica ainda melhor ao dar vida a um sujeito tão execrável e manipulador, digno de um filme de horror do David Cronenberg. Se quiser imaginar as várias camadas que o filme apresenta, esqueça o manjado título nacional e se concentre no original (Resurrection), bem mais evocativo e provocador perante a história que vemos na tela. O filme está disponível no TelecinePlay.
Sombras do Passado (Resurrection) de Andrew Semans com Rebecca Hall, Tim Roth, Grace Kaufman, Michael Esper e Angela Wong Carbone. ☻☻☻☻
#FDS Estranha Onda Grega: O Garoto que Come Alpiste
Em 2013 a Academia de Cinema da Grécia elegeu O Garoto que Come Alpiste como o melhor filme grego daquele ano. A escolha garantiu ao longa dirigido por Ektoras Lygizos disputar uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro, mas ficou de fora, provavelmente por conta do mal estar que o filme provoca e, especialmente, por conta de uma cena polêmica de, digamos, de autossatisfação (usada de um jeito que você nunca viu antes). O filme conta a história de um jovem cantor (Yiannis Papadopoulos) desempregado m meio à crise financeira de seu país. Sem dinheiro para se alimentar, pagar as contas e o aluguel, o seu cotidiano se divide entre procurar emprego e encontrar algo para comer, seja nas lixeiras ou caçando restos de frutas pela cidade. Quem faz companhia para ele é um canário, cujo alpiste se torna responsável pelo título (afinal, nas horas que a fome aperta e não há nada para comer, o alpiste se torna a única alternativa). O pássaro parece ser o único vínculo que mantém o personagem com sanidade diante das dificuldades que enfrenta. Sem amigos ou parentes próximos (o relacionamento com a mãe vira um enigma, já que existe apenas uma ligação que não avança muito no meio da sessão), ele mantém algum vínculo com um vizinho idoso (Vangelis Kommatas) que o chama em casos de emergência (mas até a geladeira do vizinho está vazia). Dentre os filmes da Estranha Onda Grega, O Garoto que Come Alpiste é o que utiliza mais diretamente a crise econômica da Grécia para compor sua narrativa. O personagem principal se torna o retrato da falta de perspectiva de uma geração deixada à própria sorte, além de reproduzir um temor que é universal: a fome. Chega a ser angustiante os encontros com as pessoas que cruzam o caminho do rapaz e se tornam uma esperança involuntária dele receber algum alimento. Seja o vizinho, a garota pela qual demonstra interesse ou uma senhora na igreja que se emociona com a voz do rapaz. Particularmente achei a cena da igreja a mais bonita do filme, a voz do personagem é de uma dor, uma tristeza que é capaz de sintetizar tudo o que se passa em suas conturbadas emoções. É difícil conter o choro. O estreante Yiannis Papadopoulos é digno de elogios pelo seu ótimo trabalho ao carregar o filme nas costas, literalmente, já que o diretor o persegue o filme inteiro, colocando a câmera quase sempre em close no personagem, o que cria um tom tão claustrofóbico quanto urgente em sua linguagem quase documental. A junção do diretor e do ator, fazem cenas como aquela polêmica que mencionei no início fazer todo o sentido no contexto desesperado do personagem. Ainda que possa ser carregado de pessimismo, a cena final deixa uma sensação de final feliz, mas instiga a construção do que acontece depois com o personagem e seu amigo canário após a última cena. Não por acaso o filme é baseado livremente no clássico da literatura norueguesa "Fome" de Knut Hamsum, lançado originalmente em 1890 e que, infelizmente continua atual.
sábado, 6 de maio de 2023
#FDS Estranha Onda Grega: Attenberg
Lançado no Festival de Veneza de 2010, de onde saiu com o prêmio de melhor atriz para Ariane Labed, Attenberg se tornou um dos marcos iniciais da Estranha Onda Grega, que no ano anterior já havia chamado atenção no Festival de Cannes com Dente Canino de Yorgos Lanthimos. No entanto, embora muitos considerem a naturalidade com que fala de sexo um ponto polêmico do filme, Attenberg consegue ser bastante leve perante as temáticas que agrega em torno de Marina (Ariane Labed a ginasta de Alpes/2011), jovem de 23, sem namorado ou vida sexual que divide a rotina de levar o pai (Vangelis Mourikis) para sessões de tratamento contra o câncer e conversar com a amiga, Bella (Evangelia Randou de Kinetta/2007) - que tenta tirar sua amiga da inércia amorosa a ensinando como beijar ou fazer sexo. As duas também fazem coreografias desengonçadas pelas ruas vazias do bairro que habitam e conversam sobre o interesse crescente de Marina por um operário que trabalha nas redondezas e que ela serve de motorista (papel desempenhado por Yorgos Lanthimos). A diretora Athina Rachel Tsangari faz uma estreia interessante e bem humorada sobre o impasse que a protagonista vivencia: a proximidade da morte do pai e a necessidade de seguir a vida por conta própria, o que representa o olhar de uma nova geração sobre o fim da anterior. Marina nem fazia ideia da crise econômica que cairia sobre seu país nos anos seguintes e seu pai se despede dizendo que "não lhe ensinou nada" e que, como todo arquiteto, "merece ir para o inferno". A relação entre pai e filha é bastante terna e por vezes gera situações inusitadas (e não me refiro às cenas em que os dois imitam os animais dos documentários de David Attenborough para BBC - o que reforça um certo impasse de Marina perante o crescimento). A ideia de solidão e isolamento também é muito presente, seja pelas ruas ou corredores vazios durante quase todo o filme que reforçam a sensação deslocada da personagem. Temperando a estranheza com bom humor, parece até dissonante com os filmes de seus colegas cineastas contemporâneos. A diretora Athina foi produtora de dois filmes de Yorgos Lanthimos e, levando em conta a fama mundial do diretor (que já soma 3 indicações ao Oscar) é interessante vê-lo se desnudar perante a câmera seguindo a linha de interpretação que imprime aos seus atores, chega a ser surpreendente como seu jeito quase anestesiado soa sexy em cena no contraste com toda a vitalidade que Ariane Labed imprime à Marina. Este contraste gera momentos bem bolados como a cena em que ele a veste e outras engraçadas como a transa que parece um interrogatório. Imprevisível em seu cruzamento entre crescimento e morte, Attenberg soa como um rito de passagem da adolescência para a vida adulta, ou o momento que precede a tormenta que se abateu sobre a Grécia.
Attenberg (Grécia/2010) de Athina Rachel Tsangari com Ariane Labed, Vangelis Mourikis, Evangelia Randou e Yorgos Lanthimos. ☻☻☻