sábado, 22 de março de 2025

PL►Y: A Semente do Fruto Sagrado

Soheila e Mahsa: a semente mortal da desconfiança. 

Em um período de conflitos em Teerã, Iman (Missagh Zareh) é promovido a investigador na expectativa de futuramente ser um juiz. Sua empolgação com a nova função logo se estende para esposa, Najme (Soheila Golestani) que fica animada com as possibilidades de ter uma vida e melhor e finalmente conseguir uma casa que possa oferecer um quarto para cada uma de suas filhas. Rezvah (Mahsa Rostami) e Sana (Setareh Maleki) também se animam com a possibilidade, mas as meninas logo desanimam com todas as restrições que passam a ser expostas pela mãe a todo instante. Elas passam a sempre ouvir que precisam tomar cuidado com o que fazem nas redes sociais, com as pessoas que conversam, com as amizades, com as saídas de casa que precisam ser mais restritas, assim como as visitas que precisam ser ainda mais criteriosas e nunca, jamais, deverão sair de casa sem véu. A paranoia chega ao nível de Sadaf (Niousha Akhshi), uma amiga das garotas, ser vista cada vez mais com desconfiança por estar na universidade (até mesmo as sobrancelhas finas da jovem são dignas de comentários desconfiados). A empolgação de Iman diminui e ele começa a ficar mais calado perante as coisas que precisa fazer no trabalho, seus dilemas morais pioram ainda mais quando explodem manifestações em Teerã e ele precisa agir com mais rapidez, sem que possa pensar de fato sobre o que está acontecendo (e mesmo que discorde de algo, não pode agir diferente do que lhe exigem). A rotina da família muda, a atmosfera da casa também e a tensão entre os personagens chega às bordas da loucura quando a arma de Iman some e ele jura que sumiu dentro de casa. As desconfianças recaem sobre a filha mais velha e tal e qual a semente da figueira sagrada que dá nome ao filme (e que é explicada logo no início), a desconfiança fomentada por um regime opressor será plantada naquele lar e crescerá estrangulando uma árvore que parecia sólida até que seja capaz de destruí-la por completo. O filme de Mohammad Rasoulof concorreu à Palma de Ouro do Festival de Cannes no ano passado e recebeu o Grande Prêmio do Júri (espécie de segundo lugar do Festival), além de outros quatro (o AFCAE Award, o Fipresci, do Júri Ecumênico e o François Chalais) pela força de sua história e da forma como é narrada. As primeiras duas horas de filme são magníficas e  constroem a tensão gradativamente com aquela capacidade de fazer um drama se tornar um thriller psicológico envolvente, que se torna ainda mais arrepiante com as gravações de vídeo reais que perpassam a realidade da família. Além disso, o roteiro aborda brilhantemente as tensões de um regime totalitário sempre mesclando o microuniverso da família para o macro que está ao redor dela. A forma como as notícias são ouvidas e espalhadas sem criticidade, como pessoas que eram amigas passam a ser rotuladas como inimigas para que as relações de poder permaneçam intactas são elementos fundamentais para que se existam momentos de tensão indescritíveis ao longo do filme e eu só imaginava como aquilo tudo iria terminar. Particularmente, a partir do momento em que a família resolve se afastar da cidade, considero que o filme perde parte de sua força, mas continua funcionando em suas simbologias. No entanto, aquela parte da família se procurando entre as ruínas se estende mais do que deveria e por mais que eu saiba que aquilo representa as pessoas perdidas em meio a dogmas ancestrais e limitadores, o último ato me soou mais cômico do que deveria. Indicado ao Oscar de Filme Internacional pela Alemanha (que ajudou a financiar o projeto já que o filme foi filmado clandestinamente e jamais seria indicado pelo Irã uma vaga na premiação), o filme acabou ofuscado pela pendenga entre o francês Emília Pérez e o brasileiro Ainda Estou Aqui, no entanto o longa se tornou um dos filmes de língua não inglesa mais falados de 2024 e merece ser assistido. Atualmente está em cartaz no TeleCine. 

A Semente do Fruto Sagrado (Ane-ye Anjir-e Aa'abed / França - Alemanha / 2024) de Mohammad Rasoulof com Soheila Golestani, Missagh Zareh, Setareh Maleki, Mahsa Hostami,  Niousha Akhshi e Reza Akhlaghirad. ☻☻☻

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