Long: estranho prazer pela submissão.
Lembro quando foi lançado O Livro das Revelações e a crítica se dividiu entre render elogios e críticas ao filme de Ana Kokkinos baseado no livro de Rupert Tomson. Compreendo ambos os lados. O filme conta um tema por si só polêmico: um dançarino (o australiano Tom Long) é raptado por três mulheres encapuzadas. Ele fica por doze dias sendo abusado sexualmente por elas e quando libertado tenta colocar sua vida de volta nos eixos. Utilizando flashbacks que retrocedem aos dias de cárcere e a realização das fantasias das três mulheres o filme acaba ficando confuso por quebrar a tensão da trama. Os que falaram mal também se prenderam ao fato do filme abordar o abuso masculino sem se dar conta de que apesar de todo o constrangimento e pavor, o raptado tinha disposição de dar conta dos joguinhos sexuais a que era submetido. Os que falaram bem ressaltaram a forma como a diretora procura lidar elegantemente com um tema espinhoso e ainda consegue criar uma atmosfera hipnótica que poderia descambar para vulgaridade. É corajosa a opção de Kokkinos abordar toda humilhação, dor e submissão a que o personagem é submetido como estimulador de uma forma mais obscura de prazer. Mostra dessa abordagem é o uso de frases de efeito do tipo: “Não importa o quanto a parceira seja bela, quando o homem fecha os olhos durante a relação, ele está pensando nele mesmo” pelo personagem masculino do filme. É fato que no cativeiro se instaura um jogo de poder onde um tenta dominar o outro na condução da relação que se instaura - obviamente que o dançarino fica em desvantagem - mas colaboram no jogo de sedução entre os quatro o fato das mulheres admitirem que o sequestraram pelo fato de considerá-lo bonito e as três possuírem corpos atraentes (o que gera até desconforto quando o personagem procura a polícia e os policiais riem da situação). Há quem até procure uma visão simbólica do feminismo nesta situação toda (o que é um exagero). Porém, o mais interessante são os rumos da vida dele quando sai do cativeiro. Ele larga a carreira de dançarino, rompe o seu relacionamento com a namorada e vive sob o fantasma das pervertidas num misto de medo, desejo de vingança e desejo. Entre a busca guiada por marcas de nascenças, tatuagens, olhares e tonalidades de cabelo como referência das raptoras, ele acaba encontrando uma namorada totalmente diferente para este novo momento de sua vida (Deborah Mailman, que é uma grata surpresa para a narrativa). De fato existe muita ousadia no filme e um bocado de coragem em mostrar a situação por uma perspectiva inusitada (dominação/submissão e um bocado de sadismo/masoquismo). Se houvesse optado por escolher um ator mais expressivo do que Long a compreensão destas nuances poderiam ficar mais claras (obviamente que o cara foi escolhido pelo seu físico de atleta), mas até que no papel de um cara perturbado ele funciona. Destaco ainda a participação de Greta Scacchi, que andava sumida após ter feito filmes com diretores importantes como Milos Forman, Robert Altman e James Ivory, mas que nunca deixou de ser uma versão menos prestigiada de Anette Benning. Para quem gosta de um pouco mais de ‘pimenta’ o filme pode agradar, ainda que esta tenha o gosto amargo de uma ferida que não cicatriza.
O Livro das Revelações (The Book of Revelations/Austrália - 2006) de Ana Kokkinos com Tom Long, Greta Scacchi e Colin Friels. ☻☻☻
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