A modelo e a dançarina: cinebio de Waris Dirie.
Lembro quando o mundo tomou um susto quando a modelo somali Waris Dirie declarou em sua entrevista numa famosa revista de moda o costume de mutilar o genital feminino em seu país de origem, a partir daí qualquer um perceberia que a história desta mulher renderia um bom filme e Flor do Deserto cumpre sua função com incrível sobriedade. Apesar de não perder de vista o fato de Waris ter se tornado uma modelo cobiçada, o filme mantém os pés no chão sem se perder em futilidades ou glamourização exagerada do que poderia ser mais uma variante do conto da Cinderela. O filme começa sua trama com Waris (vivida com coerência pela modelo Liya Kebede) no banheiro de um shopping londrino após ficar seis anos entregue à própria sorte depois de uma crise na embaixada de seu país. Sua vida começa a mudar quando conhece uma vendedora com pretensões de tornar-se dançarina (uma diferente Sally Hawkins com visual inspirado em Karen O. do Yeah Yeah Yeahs). Vivendo de favores, Waris encontrará emprego num fast food e será descoberta pelo famoso fotógrafo Terry Donaldson (Timothy Spall) que a levará para as capas das maiores revistas de moda do país. Chega a ser engraçado o período em que Waris precisa aprender a desfilar ou quando a agente de modelo fica assustada ao ver o estado de calamidade de seus pés (imagine as marcas deixadas por dias caminhando no deserto aos 13 anos para fugir de um casamento arranjado com um homem décadas mais velho). Mesmo sem dominar a língua inglesa Waris conseguiu dar um rumo à sua vida graças à sua postura e um grupo de pessoas generosas que lhe ajudaram quando mais precisava (especialmente com os problemas com a migração). O filme intercala esta parte mais esperançosa da trama com cenas flashback sobre o passado sofrido na Somália ao lado da mãe e do irmão. Temos a impressão que enquanto ajeita a vida de sua protagonista a direção de Sherry Horman cozinha a parte mais obscura da história até a escancarar a assombrosa parte final. Longe de ser perfeito (às vezes o filme abusa do açúcar, nunca aprofunda muito um romance mal resolvido na trama) o resultado é bastante equilibrado, especialmente pela simpatia que o filme consegue exalar pelas performances do elenco e o tempero fashion que joga sobre uma história de conto de fadas (a cena das amigas desfilando no corredor é antológica e as cenas de nudez do calendário Pirelli sãoconduzidas com muita elegância). Toda a gentileza e simpatia da trama contrasta com o horror da cena em que a personagem é circuncidada aos cinco anos de idade, ponto que motiva o desfecho com a conferência da ONU em que Waris se tornou-se símbolo da luta contra a mutilação genital (que mata centenas de meninas todos os anos em decorrência de infecções e outros problemas decorrentes da cicatrização), além de tornar-se embaixadora da ONU. O filme é baseado na biografia de Waris e a prova de que o filme funciona foi o Prêmio de Melhor Filme Europeu pelo Júri Popular no Festival de San Sebastian de 2009.
Flor do Deserto (Desert Flower/Reino Unido - Alemanha - Áustria/2010) de Cherry Horman com Liya Kebede, Sally Hawkins, Tomothy Spall, Juliet Stevenson, Craig Parkinson e Matt Kaufman. ☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário