Wishaw e Mirren: visual moderno para encenação antiquada.
Existe algo esquisito quando fico sabendo que Julie Taymor está realizando um novo filme, sinto mais do que desconfiança ao ver seu nome envolvido em qualquer projeto. Eu gostaria de evitar isso, mas é maior do que eu. Taymor entrou pela porta de Hollywood depois de seu sucesso na Broadway com a versão musical de O Rei Leão da Disney. Desde então ela tenta se firmar no cinema. Sua primeira tentativa foi uma versão desequilibrada do Shakesperiano Titvs (1999) onde o visual anacrônico quase repelia o texto na boca de atores do porte de Anthony Hopkins e Jessica Lange, mas enquanto o visual tentava ser moderninho, sua encenação mostava-se bem antiquada. Era tudo recitado, arrastado como a grande maioria das adaptações do bardo inglês para o cinema - já que a maioria dos cineastas parece desconhecer que o texto shakesperiano foi feito para o teatro e não para o cinema, esquecendo de fazer uma adaptação do texto para o formato da sétima arte. Depois ela voltou a tropeçar com Frida (2002), mas conseguiu chegar às premiações pela atuação de Salma Hayek para depois se aventurar num musical calcado nas canções do Beatles chamado Across The Universe (2007) que é tão irregular quanto todos os seus outros filmes. Depois de passar maus bocados com a versão teatral de Homem Aranha, Taymor voltou "às suas raízes shakesperianas" em seu novo filme e durante a produção novos fatos me causavam arrepios. Se por um lado transformar Próspero em Próspera (encarnado por Helen Mirren) pode empolgar, por outro, a sua mania de dar uma modernizada visual numa encenação careta permanecia. Taymor tem um senso estético apurado (apesar de neste aqui alcançar seus momentos mais cafonas como os efeitos especiais toscos que insere o espírito parceiro de Próspera atazanando seus inimigos), mas ela ainda não descobriu que não é cineasta. Tudo que o visual de seus personagens e locações pode ter de fascinante é estragado pela forma primária com que adapta um texto tão rico quanto Shakespeare. Taymor deixa seus atores à deriva nas emoções pedidas pelo texto, alcançando um resultado frio e impessoal bem distante da voltagem shakesperiana. Obviamente que os quem é bom se salva (como Mirren, David Strathairn que vive o seu irmão e a novata Felicity Jones que vive a filha de Próspera), outros se deixam levar pela fala recitada de gestos largos (Alan Cumming, Chris Cooper, Djimon Hounsou, Alfred Molina...) como se a tela não permitisse que as pessoas da última fileira entendessem sua atuação assim como os da primeira. Claro que Taymor ainda é arrogante o suficiente ao ponto de achar que poderia conduzir o sofrível Russel Brand num papel shakesperiano, o resultado beira o grotesco. Se em comédias idiotas o cara já é um chato, imagine recitando o texto rebuscado! No meio de tanta confusão pouca coisa se salva da trama sobre a feiticeira banida para uma ilha por motivos políticos e que provoca uma tempestade para se vingar de seus algozes em alto mar. A tal tempestade irá colocá-los na mesma ilha que ela vive há anos isolada com sua filha - e o confronto será inevitável, mas até isso acontecer, Taymor não faz a mínima ideia de como desenvolver as cenas que mais parecem um rodízio de esquetes. Entre nobres conspiratórios, um bêbado, um "monstro" e um rapaz enamorado por sua filha, tudo é desenvolvido da forma mais óbvia possível. Fracasso absoluto de público e crítica (o filme custou 20 milhões dólares e rendeu pouco mais de 200 mil), o filme resulta pretensiosamente confuso e presta só pelas atuações de Mirren, Strathairn e Felicity (somente pelo esforço dos três o filme não recebeu uma cotação mais baixa). Porém (assim como em Titvs) Taymor garantiu uma vaga na disputa ao Oscar de figurino no ano passado. Julie Taymor deve ter um bocado de amigos poderosos nos estúdios que acreditam que ela um dia aprenderá a ser uma cineasta.
A Tempestade (The Tempest/EUA-2010) de Julie Taymor com Helen Mirren, David Strathairn, Felicity Jones, Allan Cumming, Ben Wishaw e Chris Cooper. ☻
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