Mortensen e Jodie: passividade em meio ao nazismo.
Faz algum tempo que escutei historiadores ressaltando a participação popular na ascensão nazista na Alemanha pré-Segunda Guerra Mundial, mas somente de uns tempos para cá o cinema comprou essa ideia. Se Stephen Daldry arranhou essa temática em O Leitor (2008), com Kate Winslet vivendo uma analfabeta que não aceita ser vista como um monstro exterminador de judeus, este Um Homem Bom vai quase pelo mesmo caminho, com a grande diferença de seu protagonista ser um professor universitário, mas que também não percebia os rumos que seu partido tomaria enquanto estivesse no poder. O filme foi a primeira empreitada do brasileiro Vicente Amorim (do bom O Caminho das Nuvens/2003) no exterior e o resultado é muito interessante. Além de arrancar boas atuações do elenco encabeçado por Viggo Mortensen e contar sua história com muita desenvoltura, o diretor ainda consegue criar algumas cenas que permanecem em nossa mente após a projeção. Mortensen é o professor de literatura John Halder, um homem alemão comum, que atravessa uma crise no casamento com a esposa problemática e com a mãe adoentada (em ótima atuação da inglesa Gemma Jones). Diante da vida doméstica desgastada ele ainda consegue resistir às investidas de uma aluna (Jodie Whitaker) interessada em se tornar sua amante. Apesar de viver na Alemanha em plena ascensão nazista ao final da década de 1930, Halder se dá conta do que está acontecendo em seu país quando vê uma pilha de livros ser incendiada no pátio da universidade. Mesmo ficando chocado, os seus problemas particulares parecem cegá-lo para o discurso dos seguidores de Hitler. Sem perceber os rumos que seu país tomará ele não percebe a ameaça que ronda os judeus, nem quando o amigo psicanalista Maurice Glückstein (Jason Isaacs) tenta abrir seus olhos para as proporções assustadoras do que estava por vir. Vicente Amorim não tem medo de contaminar a narrativa com o tom passivo de seu protagonista e prepara cuidadosamente o envolvimento de seu personagem quase que por acaso com a SS. Maurice chega a pedir à Halder que lhe compre uma passagem de ida para Paris com a intenção que escapar do holocausto, mas Halder considera o temor do amigo um grande exagero e quando resolve ajudá-lo já é tarde demais. Não, eu não contei o final do filme, já que a incerteza do destino de Maurice que retira o pacato professor de sua passividade e o faz perceber que ter como nova esposa um "protótipo da mulher ariana" é algo mais ameaçador que elogioso. Quando Halder tem contato com as ações violentas e genocidas de seu partido o filme mostra-se maduro e até poético (a banda de judeus no campo de concentração é de partir o coração de qualquer um) foi neste ponto que algumas pessoas reclamaram de seu final abrupto (assim como do tom melodramático da relação com sua mãe e montagem de idas e vindas temporais). Na verdade o final exemplifica bem a sensação de horror do professor, que procurava uma vítima específica e se depara com uma multidão de vítimas prestes a serem exterminadas. Engraçado como o título do filme em português modifica seu sentido durante a projeção. Halder não é em momento algum mostrado como um vilão (sem quando trai a esposa), dedicado à família e aos amigos, é muito fácil simpatizar com ele, mas conforme a situação de seu país se complica toda sua bondade destinada aos mais próximos se dissolve em meio à tragédia eminente capitaneada por um partido político ao qual aderiu por pura conveniência. Baseado na peça de C.P. Taylor e bem realizado o filme merece atenção.
Um Homem Bom (Good/Reino Unido-Alemanha/2008) de Vicente Amorim com Viggo Mortensen, Jason Isaacs, Jodie Whitaker, Mark Strong e Gemma Jones. ☻☻☻☻
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