Lucía e Alfredo: "Eu tentava mudar o mundo, agora só quero que o mundo não me mude".
Acho interessante que quando menos esperamos somos capazes de encontrar um filme do qual nunca ouvimos falar e que pode nos envolver de forma tão direta. O longa espanhol Noviembre conseguiu chamar minha atenção neste fim de domingo chuvoso enquanto procurava algo de interessante na TV. Dirigido por Archero Mañas, o filme segue a moda de misturar documentário com cenas de ficção. O assunto em questão é o grupo "Noviembre" formado por estudantes de teatro que não se enquadravam no curso que faziam. De tanto questionarem o método tradicional de interpretar, acabaram fundando um grupo pautado por suas próprias regras (que eram dez e incluiam: não cobrar para as exibições, não receber incentivos públicos ou privados e não manter pessoas que tivessem envolvimento com cinema ou TV). O palco dos integrantes de Noviembre eram as ruas e praças, onde criavam esquetes em que podiam testar automaticamente a reação do público. Embora no início o aspecto cômico prevalecesse (como na montagem de Moça Assanhada ou Anjos de Demônios - este rendendo os primeiros problemas com a polícia), eles eram capazes de criar momentos de grande dramaticidade em críticas sociais como em Os Esquecidos (onde viviam viciados, sem tetos e imigrantes)e polêmicas (Os 60 são todos seus, onde desfilavam vestindo somente casacos entreabertos nas ruas) . O filme mescla depoimentos dos integrantes nos dias atuais com cenas de ficção retratando as dificuldade do grupo em cenas de flashback, assim, consegue promover reflexões sobre as iniciativas do grupo, assim como a forma como compreendemos a arte. Embora tenha muitos personagens interessantes (como o radical e impulsivo Daniel vivido por Juan Díaz), o filme se concentra principalmente na figura de Alfredo (Oscar Jaenada, indicado ao Goya de ator revelação), um jovem que leva uma bronca de seu professor de teatro por contar mentiras sobre si durante as aulas. Alfredo, tem a ideia de criar o grupo com sua namorada Lucía (Ingrid Rubio) e aos poucos começa a agregar amigos ao ideal que começa a ganhar forma. Alfredo é visivelmente um idealista e são suas ambições que motivam todo o grupo a construir espetáculos cada vez mais radicais no seu contato com o público nas ruas. Com o tempo o grupo começa a estabelecer novos limites e começam a ter problemas com a polícia - melhor exemplo disso é a polêmica montagem de Atentado, onde buscam conscientizar a população para o crescimento da violência e a prática do terrorismo. Embora a iniciativa fosse carregada de boas intenções, a imagem forte de um sujeito levando um tiro a queima-roupa no meio da rua deixou pessoas em choque e ainda arranjou problemas com paramédicos e polícia que se mobilizaram para perder tempo numa farsa. "Atentado" foi interpetado como apologia ao terrorismo e mostra como a ausência de censura e a busca pela emoção da plateia beirava a inconsequência. É evidente como Mañas idolatra os seus personagens e sua busca por uma arte repleta de denúncia social e ideais de conscientização, mas os depoimentos documentais servem para colocar o pé no chão com as observações que só a maturidade e o distanciamento temporal é capaz de fornecer sobre as melhores intenções - especialmente quando possuem problemas com a justiça. O bacana é que o roteiro acompanha o grupo até sua maior crise, quando alguns de seus ideais são revistos e começam as discussões entre os parceiros de cena. Mas nada surpreende mais do que o último ato, uma reflexão profunda sobre a forma como o mundo se relaciona com a arte. A última parte da narrativa é tão forte e avassaladora em sua provocação de como a arte se dilui para ser cada vez mais comercial que os ideais acabam morrendo, literalmente. Sem ser panfletário ou intelectualóide, Noviembre promove uma bem vinda reflexão sobre o que consideramos da relação entre arte e plateia em nossos dias - e seu detalhamento ao contar a trajetória de Alfredo e seu bando nos faz até fingir que não percebemos que os entrevistados na parte documental são mais velhos do que deveriam (já que o grupo atuou na década de 1990). Mañas remete à estratégia de um grupo teatral que nunca existiu para seduzir o seu espectador pela mesma fórmula surpreendente.
Noviembre (Espanha/2003) de Achero Mañas com Oscar Jaenada, Ingrid Rubio, Javier Ríos e Juan Díaz. ☻☻☻☻