quinta-feira, 4 de março de 2021

CICLO DIRETORAS: Atlantique

 
Soulemain e Ada: amor sobrenatural. 

Soulemain (Ibrahima Traoré) é um jovem que trabalha em uma grande construção no subúrbio litorâneo de Dakar, capital do Senegal. Ele e seus colegas estão revoltados com o patrão que não paga há meses o que deveria. Desapontado com a situação, ele começa a imaginar uma forma de mudar o rumo de sua vida e o preço será afastar-se da doce Ada (Mame Bineta Sane), adolescente pela qual está apaixonado mas que está prometida para Omar (Babacar Sylla) - que passa a maior parte do tempo trabalhando na Itália e que tem uma situação econômica muito melhor que o seu rival. No desespero de uma busca por mudança, Soulemain decide atravessar o Oceano Atlântico rumo à Espanha com seus amigos e resta à Ada sofrer com sua sua ausência e a insegurança diante da possibilidade de uma tragédia. Esta realidade não é apenas vivida pela protagonista, mas também por várias outras jovens que ficaram sem saber sobre o destino de seus amados após partirem sem se despedir (na certa por saberem que elas seriam contra a ideia que tinham em mente). Resta então à Ada aceitar o destino de casar-se com um homem que não ama... mas eis que um fato estranho acontece na confortável casa do casal durante a festa matrimonial e  Soulemain torna-se o principal suspeito. Atlantique da diretora Mati Diop concorreu à Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2019 e saiu de lá com o Grande Prêmio do Júri e um contrato de distribuição mundial pela Netflix, que deu ao filme uma visibilidade que dificilmente alcançaria nos cinemas. Esta é a estreia da diretora em longas metragens e basta observar seus primeiros quinze minutos para perceber o talento da moça para ganhar a atenção do espectador. Existe tanta tensão no início conjugadas com aquela imensidão do mar que você já consegue entender o que está prestes a acontecer. Depois o filme parece ser uma história de imigrantes ilegais contadas pelo lado de quem fica, mas surpreende ao dar conotações sobrenaturais à história que tem em mãos. As cenas com as mulheres de olhos brancos assombrando a cidade estão entre os melhores momentos do filme, especialmente pela aura de mistério que passa a perpassar as relações entre as personagens. No entanto, o roteiro (assinado por Diop e Olivier Demangiel) encontra espaço para o crescimento de Ada, que começa a torna-se dona da própria história diante de uma sociedade opressora e uma família que questiona sua índole a maior parte do tempo. Tantos bons elementos deixa a parte da investigação policial um tanto deslocada, especialmente por conta da previsibilidade do que está acontecendo com o detetive responsável pelo caso, curiosamente, toda vez que ele recebe o protagonismo o fluxo da narrativa tropeça. Quando Ada e suas amigas assombradas estão em cena o filme funciona infinitamente melhor e se sustentaria por conta própria sem necessidade de uma trama policial no meio do caminho. No entanto, este é um detalhe pequeno diante do bom trabalho realizado pela diretora ao longo da sessão. Pode se dizer que ela acerta no que a história tinha de mais arriscado (os elementos fantásticos) e escorrega quando insere ao seu filme uma camada mais trivial (a investigação). Mati Diop nasceu em Paris em uma família de senegaleses e começou sua carreira no cinema como atriz, ao se reconectar com suas origens em Atlantique (filme escolhido pelo Senegal para disputar uma vaga na disputa de filme estrangeiro no Oscar do ano passado), ela nos deixa curiosos para conhecer seu próximo passo como cineasta.  

Mati Diop: reconectando às origens. 

Atlantique (Senegal, França, Bélgica / 2019) de Mati Diop com  Mame Bineta Sane, Amadou Mbow, Ibrahima Traoré, Nicole Sougou, Aminata Kane, Mariama Gassama, Coumba Dieng e Babacar Sylla. ☻☻☻

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